Países árabes exigem que Hamas se desarme e abdique do poder em Gaza, segundo resolução da ONU; França e Arábia Saudita lideram um acordo que clama por paz, condena Israel e exige mudanças profundas na condução política palestina
Em uma reunião marcante na sede das Nações Unidas em Nova York, países da Liga Árabe, juntamente com a Turquia e representantes europeus, apresentaram uma posição inédita: exigir que o grupo Hamas entregue suas armas e deixe de governar a Faixa de Gaza. A iniciativa, registrada sob o nome de Declaração de Nova York, é vista como um passo importante para retomar o caminho da paz no Oriente Médio e encerrar o conflito que já dura mais de um ano.
A coorganização do encontro coube à França e à Arábia Saudita, que reuniram delegações de 17 países. O documento final foi assinado após discussões intensas e reflete uma mudança notável na postura regional, especialmente entre nações que tradicionalmente apoiavam o movimento palestino. “No contexto do fim da guerra em Gaza, o Hamas deve encerrar seu governo na faixa e entregar suas armas à Autoridade Palestina, com apoio internacional, alinhado ao objetivo de um Estado palestino soberano e independente”, destacou trecho do texto.
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Além disso, a resolução condena os ataques israelenses contra civis e infraestrutura em Gaza, incluindo o bloqueio humanitário que tem levado à fome generalizada. Segundo o documento, essa situação provocou uma “catastrofe humanitária devastadora”. Entre as demandas centrais está o retorno às fronteiras de 1967, o direito de retorno dos palestinos expulsos durante a Nakba de 1948 e a revitalização econômica da região. Também foi feito um apelo para revisão do sistema educacional da Autoridade Palestina, visando a eliminação de conteúdo considerado “odioso” ou promotor de violência.
Uma virada diplomática
O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Noël Barrot, chamou a declaração de “histórica e sem precedentes”, enfatizando que, pela primeira vez, países árabes e do Oriente Médio condenaram publicamente o Hamas e defenderam seu desarmamento. “Eles também expressaram claramente sua intenção de normalizar relações com Israel no futuro”, afirmou ele.
Já o chanceler saudita, Faisal bin Farhan, pediu aos membros da ONU que apoiassem a iniciativa. Apesar disso, a reunião foi boicotada por Israel e pelos Estados Unidos. Washington classificou o encontro de “produtivo, mas mal cronometrado”, enquanto Tel Aviv acusou a comunidade internacional de estar “fazendo vista grossa” ao “terrorismo” praticado pelo Hamas.
Diante da pressão internacional, a França anunciou recentemente que reconhecerá oficialmente um Estado palestino durante a 79ª Assembleia-Geral da ONU, em setembro. Em sintonia, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, declarou que Londres fará o mesmo, salvo que Israel tome medidas concretas para encerrar a guerra e retomar negociações de paz.
Respostas ameaçadoras vêm de Israel
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, reagiu com firmeza às movimentações, chamando o reconhecimento palestino de “recompensa pelo terrorismo monstruoso do Hamas”. Segundo informações da imprensa local, o governo israelense planeja acelerar a anexação de territórios na Cisjordânia caso o Estado palestino seja formalmente reconhecido.
Segundo reportagem da emissora Channel 12, Tel Aviv deve decidir nas próximas 48 horas sobre a possibilidade de anexar partes da Faixa de Gaza caso o Hamas não libere os reféns ainda detidos. Pela legislação israelense, qualquer tentativa de cancelar uma anexação exige o apoio de 80 membros do Knesset ou uma aprovação via referendo nacional — algo improvável diante do atual cenário político interno.
Enquanto isso, os ataques israelenses continuam intensos tanto na Cisjordânia quanto em Gaza. Forças do exército avançam cada vez mais sobre a faixa costeira, forçando a população a fugir de suas casas e ampliando o número de desabrigados. O bloqueio imposto por Israel, combinado com a escassez de alimentos e água potável, tem levado milhares de pessoas, incluindo crianças, a morrerem de inanição.
Um novo momento na busca por paz?
Apesar das divergências e das tensões, a Declaração de Nova York representa uma mudança importante na narrativa regional e internacional. Países árabes tradicionalmente aliados ao Hamas estão agora exigindo reformas e mudanças estruturais para que a solução de dois Estados possa ser retomada. No entanto, a eficácia da resolução dependerá muito da disposição real de todas as partes envolvidas em buscar um diálogo sincero — e da capacidade da comunidade internacional de impor sanções ou incentivos para que isso aconteça.
Com o tempo correndo e o número de vítimas aumentando a cada dia, a Declaração de Nova York surge como uma luz de esperança — ou apenas mais um esforço diplomático perdido entre tantos outros? Só o tempo dirá.
Sessão franco-saudita na ONU e o boicote dos EUA e de Israel
Em um contexto de crescente polarização, a França e a Arábia Saudita estão promovendo uma conferência na sede das Nações Unidas em Nova York com o objetivo de reativar as negociações para a tão sonhada “solução de dois Estados” no conflito israelense-palestino. A iniciativa, que se estende por três dias, entre os dias 28 e 30 de julho, conta com a presença de diversos ministros das Relações Exteriores de países árabes, africanos e europeus — mas foi fortemente ignorada por Washington e Tel Aviv.
A sessão havia sido adiada no mês anterior devido à escalada do conflito entre Israel e o Irã, mas agora retorna com força total, buscando relançar um diálogo que há anos parece paralisado. O presidente francês, Emmanuel Macron, aproveitou o momento para reafirmar publicamente seu compromisso com a causa palestina. Em pronunciamento feito durante a abertura do evento, ele anunciou que a França reconhecerá oficialmente o Estado da Palestina durante a Assembleia Geral da ONU em setembro.
“Fiel ao nosso compromisso histórico com uma paz justa e duradoura no Oriente Médio, decidi que a França reconhecerá o Estado da Palestina. A paz é possível”, afirmou Macron, destacando o papel da comunidade internacional na busca por uma solução negociada.
Reações contundentes vêm de Israel
As declarações do líder francês foram recebidas com grande hostilidade pelo governo israelense. Yariv Levin, ministro da Justiça, classificou o anúncio como “uma mancha negra na história da França e uma forma de assistência direta ao terrorismo”. Em tom mais ameaçador, Levin ressaltou que “chegou a hora de estabelecer a soberania israelense sobre a Cisjordânia como resposta histórica e justa à decisão francesa”.
Essas palavras ecoam o movimento acelerado do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que tem conduzido uma política cada vez mais expansionista no território ocupado. No dia 24 de julho, o Knesset aprovou uma resolução para “aplicar a soberania israelense à Judeia, Samaria e ao Vale do Jordão” — termos bíblicos usados para se referir à Cisjordânia.
O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, revelou que o governo prepara um “plano de escalada”, incluindo o deslocamento forçado de moradores da localidade de Khan al-Ahmar e a interrupção de serviços bancários em toda a região ocupada. Essas medidas são parte de uma estratégia maior que visa consolidar o controle territorial israelense na Cisjordânia, algo já previsto desde a aprovação, em fevereiro, de uma lei que proíbe formalmente o reconhecimento de um Estado palestino.
Na mesma ocasião, o deputado Hanoch Milevetsky, conhecido por sua postura extremista, declarou: “Não haverá um estado palestino vivo. Vocês morrerão, seus filhos morrerão, seus netos morrerão. Não haverá um estado palestino.” Frases que ilustram o clima ideológico dominante no Parlamento israelense.
Plano de confinamento em Gaza gera polêmica
Enquanto isso, Israel avança com um plano ambicioso e controverso para confinar à força a população palestina da Faixa de Gaza em uma área reduzida no sul da região. O ministro da Defesa, Israel Katz, propôs a construção de uma chamada “cidade humanitária” em Rafah, que funcionaria como um centro de isolamento sob proteção militar israelense. A ideia é impedir o retorno dos deslocados às áreas do norte de Gaza, onde os danos causados pelos ataques israelenses são irreparáveis.
A iniciativa tem gerado críticas severas da comunidade internacional e especialistas em direitos humanos. Michael Sfard, advogado israelense renomado por defender causas palestinas, classificou o projeto como “um plano operacional para um crime contra a humanidade”. Já Amos Goldberg, historiador do Holocausto, foi ainda mais direto: descreveu a proposta como “um campo de concentração ou um campo de trânsito antes da expulsão definitiva dos palestinos”.
Apesar de ser criticado até mesmo dentro do próprio exército israelense — que considera o plano operacionalmente arriscado e custoso —, Smotrich já teria autorizado as primeiras alocações orçamentárias para sua implementação. Isso mostra a determinação do governo em seguir adiante com projetos que muitos veem como ilegais e inhumanos.
Apoio popular e agenda internacional
Uma pesquisa divulgada recentemente pelo jornal Haaretz revelou que 82% dos israelenses apoiam a expulsão forçada da população de Gaza. Esse número reflete uma onda nacionalista que tem ganhado força, especialmente após os ataques de outubro do ano passado. Netanyahu tem usado esse apoio popular para justificar políticas radicais, como a realocação permanente dos palestinos para outros países — uma agenda que também conta com o respaldo tácito de Washington.
Segundo informações da NBC News, o ex-presidente Donald Trump estaria trabalhando em um plano para deportar até um milhão de palestinos para a Líbia. Para supervisionar um novo sistema de ajuda humanitária ligado a essa iniciativa, contratados de segurança norte-americanos já teriam entrado em Gaza.
Com o debate internacional cada vez mais acirrado, a conferência franco-saudita surge como um dos raros esforços para conter a escalada. Enquanto o mundo observa de perto as próximas decisões, fica claro que o futuro do Oriente Médio está sendo moldado não apenas por diplomacia, mas também por pressões populares, agendas geopolíticas e, acima de tudo, pela brutalidade dos conflitos.