Isentar PLR e corrigir a tabela do IRPF: as pautas falsamente progressistas, por Róber Iturriet Avila

Isentar PLR e corrigir a tabela do IRPF: as pautas falsamente progressistas

por Róber Iturriet Avila

Introdução

Norberto Bobbio (1995) qualifica os “progressistas” como aqueles que almejam menores desigualdades, sob seus diversos aspectos (renda, etnia, gênero). Neste campo político, um debate que tem crescido é o da progressividade tributária, ou seja, que os mais ricos paguem mais impostos do que os mais pobres. Esta perspectiva ganhou corpo em nível global nos últimos 10 anos, tornando-se um raro consenso teórico na fronteira do pensamento econômico. Sob tal prisma é que este texto é escrito.

Os tributos diretos tendem a ser mais progressivos, como por exemplo o imposto de renda. Já os tributos indiretos, aqueles que estão nos preços, são eminentemente regressivos, embora possam ter elementos progressivos. Como os mais pobres gastam toda sua renda, eles acabam pagando uma fatia maior de impostos em proporção, em comparação aos ricos, que não consomem toda a renda. Ainda que haja cash-back e isenções para produtos básicos como alimentos, tais fatores apenas reduzem a regressividade e não a eliminam.

O Brasil é um caso clássico de tributação regressiva, por diversos motivos, ainda que esteja em correção no tempo atual. Um dos fatores que contribuem com essa regressividade é o peso dos tributos indiretos versus os tributos diretos. Nos países ricos, a maior parte da tributação advém de imposto de renda, já a tributação sobre bens e serviços é menor. Apenas este fato torna o sistema tributário mais progressivo, para além das elevadas alíquotas que a maior parte dos países cobram na renda.

Assim, quanto maior a fatia da tributação direta, melhor. Aumentar a tributação direta permite com que haja redução da tributação indireta sem perda arrecadatória. Na década de 1970 Fritz Neumark defendia que aproximadamente 50% da Carga Tributária Total deveria ser proveniente do imposto sobre a renda pessoal e sobre o lucro das corporações; e entre 30 a 40% deveria originar-se dos impostos sobre o consumo, recaindo sobre o patrimônio algo entre 10 e 20%.

No Brasil, o universo de declarantes de IRPF é de 20% da população, mas 4% do total declara mesmo na faixa de isenção. Assim, concretamente 16% pagam IRPF até 2025. Com a reforma, apenas 15 milhões passarão a pagar IRPF, ou seja 7% da população.

Para reduzir desigualdades, Palma (2020) tem uma regra de bolso: é preciso ter maior atenção aos 10% mais ricos. O que em termos tributários quer dizer, cobrar mais imposto direto desses.

A noção difundida do que é “pobre” e “rico” é um tanto imprecisa. Por mais que tais conceitos envolvam múltiplas dimensões, aqui faremos o corte por renda. Palma (2020) diz que é preciso ter especial atenção em termos de políticas públicas para quem está entre os 40% mais pobres. A PNAD (IBGE) de 2023 nos diz que este corte vai até R$ 1.203,86 mensais a preços de 2025. Já o corte dos 10% mais ricos pode ser extraído com mais precisão nos dados de IRPF, fica em R$ 5.023, a preços de 2025.

Aqui não relativizamos padrão de vida, nem referências individuais de preços. Quem ganha acima de R$ 5 mil está entre os 10% mais ricos no Brasil, este é o fato! Quem recebe nesta faixa será tratado aqui como “baixa classe média”. O corte dos 5% é R$ 9.081,67 mensais. Este grupo será aqui chamado de “alta classe média”. O top 1% inicia em R$ 28.835,19 mensais.

Revisão da tabela do IRPF

A tabela de IRPF ficou congelada entre 2015 e 2023. Isso aumentou a contribuição de IRPF para os níveis mais elevados e incluiu pessoas com renda média na faixa de contribuição. Em 2023, foi estabelecido uma faixa com desconto simplificado para o nível de dois salários-mínimos, que tem sido atualizado. Em 2025, quem recebe até R$ 3.036,00 está isento.

A faixa de isenção reduz impostos a todos os grupos. Quem ganha R$ 500.000,00 mensais não paga impostos sobre a faixa de isenção. Já o desconto simplificado é apenas para a “base” dos declarantes. Essa diferença é relevante: a faixa de isenção atual é R$ 2.428,80 e é válida também aos multimilionários. Mas quem ganha até R$ 3.036,00 não paga, devido ao desconto simplificado. É uma forma muito sagaz de reduzir o IRPF para a baixa classe média, sem reduzir para a alta classe média e nem para o top 1%.

A não revisão da tabela do IRPF colocou a baixa classe média no imposto, mas também aumentou a contribuição dos mais ricos. O resultado foi o aumento da fatia da tributação sobre a renda na arrecadação total. Além disso, neste período houve também redução de impostos indiretos, como IPI e impostos sobre importações. Recorde-se que os declarantes de IRPF estão na fatia mais rica. Mais de 80% da população não declara IRPF e pagam apenas os impostos indiretos. Mais uma vez: quanto menores forem os impostos indiretos, menos regressivo é o sistema e quanto maiores forem os diretos, mais progressivo é o sistema.

A fatia da tributação sobre a renda saiu de 22,73% em 2015 para 28,26% em 2024. Já os indiretos saíram de 48,41% para 43,49%. Mesmo os impostos sobre propriedade tiveram um leve aumento no período do gráfico, saíram de 4,77% para 5,31%.  Então, evidentemente, o sistema tributário ficou mais progressivo neste período: aumentou a carga tributária dos mais ricos e reduziu a dos mais pobres. Leia-se “pobres”, aqueles que estão fora da faixa do IRPF.

Nesta medida, a não correção da tabela aumentou a tributação sobre os mais ricos. O efeito deletério disso foi a inclusão da baixa classe média entre os contribuintes, ainda que com valores bem modestos.

A reforma do IRPF de 2025 corrigiu esse problema. O valor de R$ 5 mil é o novo desconto simplificado (e não faixa de isenção). Houve descontos regressivos também até R$ 7.350,00, incorporando a alta classe média. Acima disso, não houve diferença até R$ 50.000,00. A partir daí, aumentará.

Esta engenharia resolve vários problemas: exclui do imposto a baixa classe média, não reduz para a alta classe média e aumenta para o topo. Logo apareceu o no debate público de que era preciso corrigir a tabela do IRPF.

Uma correção da tabela aumentaria a faixa de isenção, para todos, inclusive para os multibilionários, e reduziria a carga tributária sobre a renda, inviabilizando redução de imposto indireto, o que seria verdadeiramente progressivo. Logo, é um caminho inverso ao desejável.

Isenção de Participação nos Lucros e Resultados (PLR)

A repartição de lucros e resultados a trabalhadores tem uma tributação exclusiva, ou seja, é diferenciada. Há uma faixa de isenção de R$ 8.214,00 e depois vai aumentando. O mesmo vale aqui: a faixa de isenção é para todos.

O Brasil tinha uma excrescência tributária: lucros e dividendos eram isentos e os rendimentos do trabalho pagavam. Não será mais assim a partir de janeiro de 2026. Ainda que em um corte de R$ 50 mil mensais, a lei vai corrigir uma distorção distributiva de décadas.

Essa aberração gerava a pauta sindical de isentar de IRPF a PLR, assim como funciona para lucros e dividendos. Em 2022, houve empresas no Brasil que pagaram R$ 253 mil de PLR. Mas grande parte das empresas pagam de 3 a 5 salários de PLR.

Os empregados que recebem PLR são de classe média, majoritariamente a alta classe média. Assim, do ponto de vista da justiça fiscal, não estão entre os “pobres” que devem ser favorecidos com desoneração tributárias. Ao contrário, estão entre os 10% mais ricos do Brasil.

O presidente Lula citou esta pauta no dia da assinatura da reforma do IRPF. Seria um erro do ponto de vista de justiça fiscal. O mais correto mesmo seria que a PLR fosse tributada como os outros rendimentos e não com uma elevada faixa de isenção, ainda mais que o parâmetro de lucro isento foi extinto.

Conclusão

Ser progressista é desejar menores desigualdades, o que conversa com progressividade tributária. Um sistema progressivo é o que cobra mais imposto direto dos 10% mais ricos, e sobretudo do 1% mais rico, e alivia a tributação indireta. Aliás, a reforma do IRPF prevê que caso aumente a receita do imposto, o bônus deve ser utilizado para reduzir o CBS, futuro imposto indireto.

No debate sobre o IRPF, geralmente são ignorados os 80% da população que não pagam IRPF, mas que são muito onerados nos indiretos. Esses são verdadeiramente os mais pobres. Os pobres, portanto, não são aqueles que se acham “remediados” com renda de R$ 7 mil. Independentemente dos parâmetros individuais que cada um forma sobre os preços, a realidade brasileira é precisamente esta!

Existe uma percepção difundida de que os “ricos” são os multibilionários. Eles são ricos realmente, mas esses são bem menos numerosos do que se imagina. Aumentar a tributação sobre aqueles é necessário, mas não suficiente para aliviar os verdadeiramente pobres. Quem recebe R$ 30 mil mensais está no top 1%!

A correção da tabela do IRPF é uma pauta que atende a alta classe média e também acaba favorecendo o 1%, já que as faixas de isenção e as correções diminuem a base tributária de todos. Sua execução diminuiria a tributação direta e inviabilizaria a redução da indireta.

Certa vez ouvi de um dos maiores especialistas no Brasil na área de tributação e desigualdade que só respeita intelectualmente aqueles engajados na causa da justiça fiscal que sabem que os próprios devem pagar mais impostos. Concordei em absoluto.

Desta forma, as posições aqui não são para atender interesses individuais ou particulares. São caminhos para que haja menores desigualdades no Brasil e mais justiça tributária. Essa justiça tributária passa pelo aumento da tributação da alta classe média, o que seria capaz de reduzir os tributos dos mais pobres no Brasil. As reformas de 2023 e de 2025 vão neste caminho, mas há outras mudanças necessárias.

Muitos grupos progressistas defendem a correção da tabela do IRPF e até mesmo a isenção de IRPF em PLR com a bandeira da justiça fiscal e da defesa “dos mais pobres”. Não há legitimidade de utilizar essa bandeira para esses casos. Tais posições ou são defesa de interesses corporativos dos incluídos ou, pior, a lógica argumentativa que devemos pagar menos imposto, o que é um desserviço a causa da justiça fiscal.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995.

PALMA, J. G. Whythe Rich Stay Rich. Ondysfunctionalinstitutions’ “abilitytopersist” (no matterwhat),  CWPE 20124, 2020.


Róber Iturriet Avila – Professor do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia da UFRGS, diretor do Instituto Justiça Fiscal.

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