Isentão e conflito Israel-Irã

por Francisco Fernandes Ladeira

A geopolítica do Oriente Médio está na ordem do dia. Consequentemente, também é debatida de forma intensa nas redes sociais. A temática da vez é o conflito Israel-Irã. Para as forças humanistas (nem vou falar sobre esquerda e direita) é muito fácil se posicionar: definitivamente contra a máquina de guerra sionista (um dos mais nefastos regimes da história, comparável ao nazismo e fascismo).

Dois motivos, basicamente, estão por trás das defesas explícitas do Estado de Israel: perversidade e ignorância sobre o que acontece no Oriente Médio (não apenas nos dias atuais, mas no último século). Além disso, como não poderia deixar de ser, o sionismo encontra um tácito apoio no chamado isentão. Ou seja, o indivíduo que, sob o verniz da análise sóbria e pretensamente racional, apoia as ações genocidas de Israel.

O primeiro tipo de isentão oculta seu posicionamento a partir do argumento de que um determinado conflito geopolítico é algo demasiadamente complexo. Portanto, no caso Israel versus Irã, é difícil se posicionar. Uma meia-verdade que pode ludibriar muita gente.

De fato, complexidade é uma das marcas da geopolítica. Por isso, para entendê-la sempre evocamos os contextos históricos, a dinâmica das relações internacionais e os interesses econômicos. No entanto, quando se tem, de um lado, um protetorado estadunidense que visa a eliminação da população palestina e, de outro, um país que há décadas lidera a resistência a esse protetorado, não há como titubear. O Irã hoje é a grande expressão dos povos oprimidos do planeta em sua luta contra o imperialismo.

Outro tipo de isentão é aquele que busca (supostamente) racionalizar a geopolítica. Um exemplo desse tipo de viés pode ser encontrado na análise feita no Instagram pelo psicológo Gabriel Domênico Ferreira sobre o conflito Israel-Irã.

No início de seu texto, Gabriel adverte que não é especialista em geopolítica, mas um psicólogo, “tentando olhar pra tudo isso com um pouco mais de clareza”. Outra meia-verdade. Especialista realmente ele não é. Porém, também não apresenta clareza alguma. Posteriormente, recorre ao surrado clichê dos “dois ladismos”: “Não estou interessado em escolher lado. Principalmente quando se trata de dois regimes que, para mim, são claramente opressivos”.

Apesar de reconhecer o genocídio contra os palestinos, Gabriel recorre a verborragia da mídia Ocidental de rotular o Irã como “ditadura teocrática”. Nessa lógica, Israel e Irã “arrastam o mundo pros seus jogos de poder”.

É nítido que Israel tem “um projeto de poder”: dominar todo o Oriente Médio, desestabilizar vizinhos e construir a Eretz Yisrael (Grande Israel). De modo similar, qual o “projeto de poder” do Irã? Quantos vizinho o país persa invadiu? Quantos golpes de Estado mundo afora apoiou? Convenientemente, essas questões não são levantas.

Trazendo o debate para sua área, Gabriel Domênico Ferreira cita uma frase de Jung, sobre não sermos ameaçados por desastres naturais ou sociológicos, mas por patologias da psique. Desse modo, no conflito Israel-Irã, ter um posicionamento significa ser “movido por paixões primitivas, nacionalismos, ideologias radicais, desejos inconscientes de poder e dominação”.

Para o psicólogo e dublê de analista geopolítico, tudo bem ter um posicionamento, desde que se entenda sobre quais problemas psicológicos isso possa acarretar. O diagnóstico: “Quando você percebe os efeitos disso em si mesmo, consegue criar um pouco de distância. E esse distanciamento é o que te permite não reduzir o que é profundamente complexo a uma narrativa simples demais”.

Em suma, ser incondicionalmente contra um projeto genocida como o sionismo e se posicionar em favor de quem, atualmente, combate efetivamente Israel, não é mais sinônimo de “humanidade”, mas possuir uma “narrativa simples demais” e “ser movido por paixões primitivas”.

Remetendo a Paulo Freire, não existe neutralidade. Ser “neutro” é estar do lado do opressor. No caso aqui analisado, é (desonestamente) apoiar o sionismo a partir de uma roupagem pseudo-progressista. E podemos dizer, sem titubear, que esse pessoal é tão perigoso quanto os defensores explícitos de Israel na grande mídia e nas igrejas neopentecostais (que, pelo menos, demonstram de que lado estão).

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Francisco Fernandes Ladeira é professor da UFSJ e autor de treze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais – volume 2” (Editora Emó)

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Last Update: 23/06/2025