No dia seguinte à fragorosa derrota no Congresso Nacional, que por maioria esmagadora anulou o decreto do governo que aumentava o IOF, o presidente Lula se lamentou ao afirmar que “o erro, na minha opinião, foi o descumprimento de um acordo, que tinha sido feito no domingo [8 de junho] à meia-noite, na casa do presidente [da Câmara] Hugo Motta. Lá estavam vários ministros, deputados, o ministro [Fernando] Haddad com sua equipe e, quando chega na terça-feira, o presidente da Câmara tomou uma decisão que eu considerei absurda”.

Cerca de 10 anos após ser golpeado pelo próprio Congresso Nacional – e por toda a burguesia golpista –, sob a liderança do então vice-presidente da República e “aliado” Michel Temer (MDB), Lula e toda a esquerda parlamentar mostram seguir confiando nos inimigos da classe trabalhadora e em seus algozes, de ontem e de hoje, agora sob a ilusão de que basta unir todo mundo contra o bolsonarismo que tudo estará resolvido.

Não se trata de nenhuma novidade que o presidente e muitos dos seus liderados sonham com a inútil conciliação entre as classes, alimentando a ilusão de que tudo pode ser resolvido com uma boa conversa, com alguns cargos no governo, a liberação de alguma verba do orçamento etc.

Mas a realidade se impõe muito acima dessas e de outras ilusões.

Encurralado com o déficit público e sem ter uma política para enfrentar o problema causado, principalmente pelo fato de que mais da metade do orçamento federal vai para os abarrotados “cofres” dos bancos, a fim de pagar amortizações, juros e, notadamente, os juros da fraudulenta dívida pública; o governo resolveu recorrer à instituição mais reacionária da República: o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão sem qualquer controle popular. Transferiu ao STF o poder de decidir sobre “a constitucionalidade” do seu decreto derrubado pelo Congresso.

Justamente o STF que “abençoou” toda a operação golpista que derrubou Dilma Rousseff (2016), levou Lula para a cadeia (2018) e garantiu a vitória de Bolsonaro nas eleições fraudulentas de 2018, sem Lula. E que atua sistematicamente como uma força política decisiva, representante de uma força política bem definida: a direita pró-imperialista, que se articula para voltar à Presidência da República depois de seis derrotas consecutivas para o PT de Lula e para Bolsonaro.

Fica claro que a chamada frente ampla e a “luta contra o fascismo” – mera aliança eleitoral com a direita sem voto contra o bolsonarismo – fracassaram terminantemente, servindo apenas para criar as condições para uma derrota da esquerda e do bolsonarismo em favor da direita tradicional, golpista e pró-imperialista.

A esta altura, a burguesia articula a prisão de Bolsonaro e já não precisa de Lula para nada, como destaca até mesmo a imprensa internacional, por meio do The Economist.

Para enfrentar a situação, muito mais do que uma intensificação da propaganda enganosa de que tudo está bem porque o PIB cresceu X% – quando “o povo não come PIB” – ou porque Haddad está se esforçando para manter os pagamentos aos bancos e as contas públicas em dia (o que está levando o governo para o buraco), seria necessária a defesa dos interesses populares contra os vorazes apetites dos bancos, especuladores e demais tubarões capitalistas e suas máfias políticas. Uma significativa guinada à esquerda, para a qual seria necessário buscar o apoio e a mobilização popular a fim de enfrentar a direita não apenas nas urnas, mas, principalmente, nas ruas.

Mas há pouco tempo para isso – e menos coragem e determinação política ainda.

O governo e a esquerda (o PSOL saiu na frente) preferem “recorrer” ao STF a recorrer ao povo. Confiam mais em Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e cia. do que na CUT, no MST, nos sindicatos.

Mais na conversa com as máfias políticas do Congresso do que na discussão e organização do povo com base nos seus interesses.

O resultado dessa política é conhecido de todos: é um caminho de desastre, de golpes e derrotas.

É ilusório imaginar que a população vá se mobilizar em defesa do STF contra o Congresso. Não existe apoio popular real a nenhum dos dois poderes. A única força capaz de barrar o golpe é a mobilização do povo trabalhador.

É preciso mudar de política imediatamente.

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Last Update: 07/07/2025