Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que as emendas parlamentares direcionadas por deputados e senadores têm sido utilizadas principalmente para obter apoio eleitoral, e não para promover políticas públicas estruturadas.
A análise foi realizada a pedido do deputado federal Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ) e divulgada em meio ao debate sobre a legalidade e a transparência do chamado “orçamento secreto”.
O levantamento identificou o uso recorrente de emendas individuais como ferramenta para fortalecer a base eleitoral dos parlamentares em determinadas regiões.
De acordo com o Ipea, há “evidência robusta” de que esses repasses influenciam diretamente o comportamento eleitoral em redutos específicos, favorecendo parlamentares que controlam a liberação de recursos públicos.
“O que se observa é o uso das emendas como uma forma de atender interesses particulares dos parlamentares, com foco no retorno eleitoral”, afirma o estudo.
A pesquisa foi realizada em um momento de tensão entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente diante das investigações sobre o uso das emendas de relator, classificadas tecnicamente como RP9, e apelidadas de “orçamento secreto”.
O mecanismo, que ganhou notoriedade nos últimos anos, é criticado por permitir a distribuição de recursos sem critérios técnicos transparentes ou mecanismos adequados de fiscalização.
Segundo o estudo, as emendas não apresentam vínculo claro com setores essenciais como saúde, educação ou infraestrutura. O Ipea alerta que essa desconexão com áreas estratégicas compromete a eficácia das emendas como instrumento de planejamento público e desenvolvimento regional.
A ausência de critérios técnicos na destinação desses recursos reforça as críticas sobre a utilização das emendas como ferramenta de favorecimento político. Os dados reunidos pelo Ipea indicam que a prática contribui para distorções na alocação orçamentária, privilegiando interesses individuais em detrimento de políticas públicas integradas.
A análise técnica evidencia que, ao não serem vinculadas a metas estruturais ou programas governamentais de longo prazo, as emendas deixam de cumprir papel relevante na formulação de estratégias nacionais. A destinação aleatória e descentralizada dos recursos também limita a capacidade de avaliação de impacto, o que fragiliza o controle social sobre os gastos públicos.
A divulgação do relatório reacende discussões sobre a necessidade de reforma no sistema de emendas parlamentares. Entre os pontos mais mencionados por especialistas estão a definição de critérios objetivos para a alocação das verbas, o reforço da transparência e a introdução de mecanismos de controle para evitar distorções eleitorais.
O debate sobre o orçamento secreto, tema central desde 2021, já levou o STF a intervir em algumas ocasiões, exigindo mais clareza na distribuição das verbas. A recente decisão da Corte de considerar inconstitucional o modelo atual das emendas RP9 impôs restrições ao seu uso, mas outras modalidades continuam sendo utilizadas de forma descentralizada pelos parlamentares.
Para o Ipea, os dados evidenciam que o atual modelo de emendas fere os princípios da eficiência e da impessoalidade na gestão dos recursos públicos. O estudo ressalta que a ausência de diretrizes estruturadas gera fragmentação na execução orçamentária e dificulta o alcance de metas de interesse coletivo.
O Congresso Nacional, por sua vez, tem defendido o uso das emendas como instrumento legítimo de representação. Parlamentares argumentam que o mecanismo permite atender demandas locais que não seriam priorizadas em um modelo centralizado. No entanto, a pesquisa reforça que, sem parâmetros técnicos claros, essa descentralização pode resultar em alocação ineficiente dos recursos públicos.
A expectativa é que o relatório do Ipea sirva como base para propostas de reformulação do modelo orçamentário. Bancadas de diferentes partidos já discutem medidas para ampliar a transparência e reduzir o uso político das emendas. A Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) também vêm acompanhando o tema com atenção, propondo sistemas de monitoramento mais rigorosos.
O relatório aponta ainda que, embora as emendas sejam previstas constitucionalmente, o uso que vem sendo feito delas afasta-se do seu propósito original, que seria o de aperfeiçoar a alocação de recursos públicos em sintonia com as necessidades reais da população.
A publicação do estudo ocorre em um momento em que o governo federal precisa negociar com o Congresso a aprovação de pautas estratégicas. A destinação de emendas é, frequentemente, usada como moeda de troca em votações importantes, prática que também foi alvo de menções indiretas no relatório técnico.
O Ipea conclui que o modelo atual exige revisão profunda, com foco na racionalização dos repasses, vinculação a indicadores de desempenho e integração ao planejamento orçamentário de longo prazo. Sem essas mudanças, as emendas tendem a continuar operando como mecanismo de manutenção de poder político, em vez de instrumento de fortalecimento da gestão pública.