Um jantar reservado realizado entre ministros do governo Lula e os presidentes da Câmara e do Senado se tornou o mais recente capítulo da disputa sobre o decreto que eleva as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A reunião, ocorrida nesta semana, teve como foco a tentativa de manter a prerrogativa do Executivo de editar normas sobre tributos regulatórios sem interferência do Congresso.
Segundo informações do jornalista Valdo Cruz, do portal g1, os ministros Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Fernando Haddad (Fazenda) usaram o encontro para defender a validade do decreto, argumentando que sua eventual anulação pelo Legislativo representaria um precedente institucional que poderia enfraquecer a autonomia do governo federal sobre política tributária.
A conversa reuniu, além de Haddad e Gleisi, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB). O ambiente foi descrito por interlocutores como receptivo ao diálogo, com foco em evitar confrontos entre os Poderes.
Apesar da defesa firme por parte dos representantes do Executivo, os presidentes das Casas legislativas sugeriram um caminho alternativo. De acordo com participantes da reunião, a orientação apresentada a Haddad e Gleisi foi clara: o governo deveria recuar do aumento do IOF, mas sem provocar ruptura institucional. “Temos de fazer que nem o Tancredo Neves dizia, só fazer a reunião depois de já estar tudo combinado e acertado”, afirmou um dos presentes.
Preocupação com o STF
O principal temor do Palácio do Planalto é que o Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará a validade do decreto, decida contra a constitucionalidade da medida. Um assessor da Presidência relatou que um resultado negativo abriria margem para que outros instrumentos tributários também passassem a depender de deliberação legislativa, comprometendo a flexibilidade fiscal do Executivo.
A equipe econômica vê o decreto como essencial para viabilizar ajustes fiscais dentro da margem de manobra existente no orçamento federal, sem necessidade de aprovações sucessivas no Congresso. A perda dessa ferramenta, segundo o governo, poderia impactar não apenas a arrecadação, mas também o equilíbrio da política econômica de curto prazo.
Relatório de Lira pode ser saída negociada
Uma possível solução para o impasse começou a ser desenhada com a atuação do deputado Arthur Lira (PP-AL), relator do projeto de lei que propõe a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais. Segundo fontes envolvidas nas negociações, Lira demonstrou disposição para incorporar, em seu parecer, uma proposta mais ampla que contemple também a elevação do IOF e a tributação de aplicações financeiras.
Essa estratégia permitiria a manutenção dos objetivos fiscais do governo dentro de um texto com legitimidade legislativa, evitando desgaste com o Congresso e um eventual revés no STF. Até o momento, nenhuma versão formal da proposta foi apresentada, mas interlocutores afirmam que as conversas devem avançar nos próximos dias.
Enquanto isso, parlamentares e ministros devem consultar suas bases e lideranças políticas para construir apoio a uma proposta conjunta. Do lado do Legislativo, Alcolumbre e Motta ficaram responsáveis por apresentar o conteúdo do jantar aos líderes partidários. Já no Executivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ser envolvido diretamente nas decisões finais.
Reações e próximos passos
O movimento do governo ocorre em um contexto de busca por recomposição fiscal. A proposta de isenção do Imposto de Renda para faixas salariais mais baixas tem apoio popular e político, mas depende da criação de novas fontes de arrecadação para evitar perdas na receita. A elevação do IOF, por sua vez, é vista como uma das alternativas mais viáveis do ponto de vista técnico, por ser de aplicação imediata e incidência ampla.
No entanto, a resistência no Congresso decorre da preocupação com o impacto direto sobre o consumidor e com a ampliação do desgaste político em torno da carga tributária. O desafio do governo é encontrar um equilíbrio entre manter sua capacidade regulatória e atender às exigências do Legislativo por maior participação nas decisões sobre impostos.
O julgamento do STF, previsto para as próximas semanas, aumenta a pressão por uma solução negociada. Caso o tribunal reconheça a prerrogativa exclusiva do Congresso sobre alterações tributárias desse tipo, o Executivo poderá ter de rever não apenas o decreto atual, mas também outras estratégias fiscais em andamento.
Nos bastidores, integrantes do governo avaliam que a construção de um texto alternativo, com apoio de Lira e respaldo da base parlamentar, pode ser a única forma de preservar os objetivos fiscais e, ao mesmo tempo, evitar uma nova crise institucional entre os Poderes.