Investimento público: a chave para acelerar o desenvolvimento brasileiro

por Alessandro Donadio Miebach e Henrique Morrone

De forma geral, o processo de melhoria efetiva do padrão de vida das sociedades — com aumento da longevidade, melhor acesso à saúde e à educação, empregos de maior qualidade e avanços no bem-estar — está associado ao desenvolvimento econômico. Por sua vez, o desenvolvimento econômico está relacionado ao crescimento econômico. É o crescimento do produto que viabiliza o desenvolvimento das sociedades e de suas populações.

A condição fundamental para o crescimento econômico reside na capacidade das economias de investir. Neste contexto, investir significa utilizar uma parte da produção atual para gerar mais produção no futuro. Quanto mais se investe no presente, maior será a capacidade futura de produzir e maiores serão as possibilidades de desenvolvimento. O investimento permite à economia incorporar novas tecnologias, aumentar a produtividade e, no contexto atual, substituir tecnologias poluidoras por soluções com menor impacto ambiental. Um elevado volume de investimentos produtivos é condição indispensável para transformar sociedades rumo ao desenvolvimento. E a carência de investimentos tem sido um dos principais entraves ao avanço do Brasil nos últimos anos.

A Figura 1 apresenta a taxa de investimento da economia brasileira ao longo dos últimos trinta anos. Essa taxa é a razão entre o investimento (a chamada Formação Bruta de Capital Fixo) e o Produto Interno Bruto (PIB). A média no período foi de 18,0% (IBGE, 2025), muito inferior à de países como China (34,7%), Indonésia (31,0%), Índia (27,2%) e Malásia (24,7%) (World Bank, 2025). Mesmo a Federação Russa, afetada por uma crise profunda nos anos 1990, por sucessivas sanções internacionais e por uma guerra nos últimos anos, apresentou média superior à brasileira: 19,3%. De modo geral, considera-se que apenas com taxas de investimento sustentadas na faixa de 25% ao longo do tempo um país pode promover mudanças estruturais e acelerar seu desenvolvimento. O Brasil, nas últimas décadas, tem sido incapaz de atingir esse patamar.

O investimento depende tanto do setor privado quanto do Estado. O investimento privado ocorre quando as empresas percebem oportunidades de lucro e demanda para seus produtos. Por isso, ele é volátil e sujeito a incertezas. Já o investimento público — historicamente responsável por dinamizar o crescimento e o desenvolvimento — gera externalidades positivas: difunde benefícios coletivos, mitiga riscos, viabiliza tecnologias com custos proibitivos para o setor privado e estimula o próprio investimento privado, como mostram diversas evidências empíricas.

Em 2023, último dado disponível, o investimento público total (incluindo governo federal, estados, municípios e empresas estatais) foi de apenas 2,61% do PIB (IBRE-FGV, 2025). Trata-se de um nível extremamente baixo, o que ajuda a explicar o desempenho insuficiente da Formação Bruta de Capital Fixo no Brasil. Em parte, essa realidade decorre de escolhas feitas pela sociedade brasileira — conscientes ou não.

Figura 1: Taxa de Investimento da Economia Brasileira (1995–2024)
Fonte: IBGE (2025).
Nota: dados de 2023 e 2024 estimados a partir de séries trimestrais.

Nas últimas décadas, o debate econômico no Brasil e no mundo foi dominado por ideias ligadas ao neoliberalismo. A partir dos anos 1980, países como Estados Unidos e Reino Unido adotaram um modelo que prometia crescimento com menos Estado e mais mercado. Cortes de impostos, privatizações, desregulamentações e foco obsessivo no controle da inflação passaram a ditar as políticas públicas. O objetivo declarado era promover eficiência. Na prática, o resultado foi o aumento da desigualdade.

Um dos pilares teóricos dessa visão foi a chamada Curva de Laffer. Ela sugeria que cortes de impostos poderiam aumentar a arrecadação, ao estimular a atividade econômica. A teoria, no entanto, esbarrou na realidade: nos EUA, a arrecadação caiu após os cortes promovidos por Ronald Reagan. Para cobrir o rombo, vieram os cortes em áreas sociais, prejudicando principalmente os mais pobres. O objetivo implícito era enfraquecer o Estado para justificar o desmonte dos serviços públicos.

Essa lógica foi além. A austeridade — política de corte de gastos públicos para “equilibrar as contas” — tornou-se dominante. A ideia era simples: reduzir a relação dívida/PIB por meio da contração do Estado. Mas essa concepção também se revelou falha. Diversos estudos mostram que não há evidência conclusiva de que uma dívida pública alta impeça o crescimento. Pior: quando os cortes afetam áreas como saúde, educação ou infraestrutura, é o crescimento que mais sofre. A austeridade reduziu a oferta de bens públicos e não impulsionou os investimentos privados nos EUA, na Europa e em regiões periféricas da América Latina, África e Ásia. Já os países que não seguiram essa cartilha avançaram em desenvolvimento. Aqueles que aderiram ficaram presos ao atraso tecnológico e à persistência de problemas sociais estruturais.

No Brasil, o cenário é ainda mais preocupante. O país possui hoje uma das menores taxas de investimento entre as economias emergentes. Sem investimento, não há crescimento sustentável. E, sem crescimento, a dívida pública se torna ainda mais difícil de administrar — um ciclo vicioso.

É urgente inverter essa lógica. O verdadeiro problema da economia brasileira não é o desequilíbrio fiscal ou o tamanho da dívida, mas sim a cronicamente baixa taxa de investimento. E, nesse contexto, o investimento público tem papel central. Ele não substitui o investimento privado — pelo contrário, o complementa. Quando o Estado investe, cria demanda, reduz incertezas e fornece previsibilidade. Isso estimula o setor privado a fazer o mesmo. É o motor inicial que coloca a engrenagem em movimento.

Romper com a austeridade e retomar o investimento público não significa irresponsabilidade fiscal. Significa entender que equilíbrio fiscal e desenvolvimento não são objetivos incompatíveis — desde que a política econômica seja orientada para o longo prazo e para o crescimento com inclusão. Propostas como tributar os mais ricos, revisar subsídios empresariais, reduzir juros, acabar com emendas parlamentares que fragmentam o orçamento, e modernizar o aparato estatal são fundamentais. Mas tais medidas só surtirão efeito se vierem acompanhadas da superação definitiva das concepções neoliberais ultrapassadas.

O Brasil precisa abandonar o receituário neoliberal que tem travado sua economia. Recolocar o investimento público no centro da estratégia de desenvolvimento é essencial para gerar empregos, elevar a produtividade e construir uma nação mais justa. A crise que vivemos não é apenas econômica — é também uma crise de imaginação política. Está na hora de mudar o rumo.

Referências:                 

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema de Contas Nacionais, 2025.
World Bank. Macro Poverty Outlook, 2025.
IBRE-FGV – Instituto Brasileiro de Economia, Fundação Getúlio Vargas. Observatório de Política Fiscal, 2025.

Alessandro Donadio Miebach (Professor Economia UFRGS)

Henrique Morrone (Professor Economia UFRGS)

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 16/06/2025