A estratégia do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) de tornar obrigatórias as plataformas educacionais na rede estadual de São Paulo não tem contribuído de forma significativa para a aprendizagem dos estudantes. É o que aponta um estudo da Rede Escola Pública e Universidade, a Repu.
Os pesquisadores analisaram o desempenho de alunos do Ensino Médio no Saresp, entre 2023 e 2024, e cruzaram os dados com o índice de uso das plataformas, instituído pela Secretaria de Educação. Concluíram que a frequência de uso dessas ferramentas não teve impacto relevante nos resultados.
Os dados mostram que entre as escolas que registraram alguma melhora no Saresp, há aproximadamente o mesmo número de estudantes em escolas com um índice de uso das plataformas baixo (334.522 alunos), e alto (321.824 alunos).
Segundo os autores, é comum encontrar escolas com melhora no Saresp e baixo uso das plataformas, assim como o oposto – escolas com piora no Saresp e alta adesão às ferramentas digitais. Para eles, isso revela “uma correlação frágil” entre a plataformização e o desempenho educacional, levantando dúvidas sobre a eficácia pedagógica dessas tecnologias.
“Partimos de uma premissa reducionista da secretaria de que indicadores externos refletem a totalidade da aprendizagem. E conseguimos dar uma resposta bem objetiva, a de que o uso das plataformas não se traduz em melhorias significativas”, afirma Leonardo Crochik, pesquisador da Repu e professor do IFSP.
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Em 2024, o secretário de Educação, Renato Feder, determinou a obrigatoriedade das plataformas para gestão escolar e atividades pedagógicas, com investimento de 471 milhões de reais. Atualmente, há 31 plataformas disponíveis na rede estadual, segundo a pasta.
Crochik observa que o valor não reflete o total gasto, pois os contratos são anuais e renováveis. “Além do lucro imediato, as empresas se beneficiam com a coleta de dados dos alunos e o mapeamento de seus comportamentos. Esse investimento é só a ponta do iceberg”, diz o pesquisador. Dados da Seduc-SP mostram que alguns contratos superam 100 milhões de reais.
Os pesquisadores também questionam o uso de recursos públicos em ferramentas adquiridas “sem embasamento teórico consistente e sem diálogo com as comunidades escolares”.
Vigilância e pressão
O estudo critica o aumento das obrigações diárias para gestores e professores, além de sanções impostas a quem não cumpre as metas. Professores precisam registrar a frequência dos alunos a cada aula e propor atividades pela plataforma, o que, segundo relatos, compromete sua autonomia pedagógica. Há casos de descontos salariais por falta de registros digitais.
Já os diretores têm sua atuação avaliada com base nas notas do Saresp e no uso das plataformas. Quem não atinge as metas pode ser afastado do cargo.
Essa lógica de controle, afirmam, cria um ambiente de “competitividade, ansiedade e medo”, prejudicando o clima escolar e os processos formativos. Eles ponderam, no entanto, que mecanismos de acompanhamento entre pares podem ser positivos se voltados ao aprimoramento pedagógico.
A Repu recomenda uma revisão da política de plataformização, com maior participação das comunidades escolares e uma avaliação independente da eficácia pedagógica das ferramentas antes de novas contratações.
Aceno à privatização
Crochik alerta que o cenário abre espaço para a ampliação da participação do setor privado na educação pública. “A deterioração do serviço público acaba criando um mercado consumidor para essas plataformas”, afirma, lembrando que a prática não é exclusiva de São Paulo – no Paraná, onde Feder também foi secretário, a lógica plataformista se repete.
Em abril, o governo paulista lançou edital para transferir à iniciativa privada a gestão de 143 escolas em situação precária de infraestrutura. O projeto prevê que empresas passem a cuidar de serviços como limpeza, alimentação e internet. No ano passado, leilões concederam 33 escolas estaduais à iniciativa privada.
O que diz a Secretaria de Educação
Questionada, a secretaria de educação de São Paulo defendeu o investimento nas plataformas educacionais como parte do processo de modernização da rede estadual paulista, com o intuito de oferecer recursos pedagógicos complementares a professores e estudantes.
Apontou, ainda, que a melhoria da aprendizagem é multifatorial e considerou ‘prematura’ as correlações feitas entre os resultados do Saresp e as plataformas educacionais, defendendo que a avaliação dos impactos educacionais requer ‘ciclos pedagógicos completos e metodologias consistentes de acompanhamento’.
Veja a nota na íntegra:
O investimento nas plataformas educacionais faz parte do processo de modernização da rede estadual paulista, com o objetivo de oferecer a professores e estudantes recursos pedagógicos complementares, alinhados à Política Nacional de Educação Digital (PNED), à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ao Currículo Paulista.
Em relação aos resultados em avaliações e índices, a Seduc ressalta que a melhoria da aprendizagem é multifatorial. Envolve, além das tecnologias educacionais, a formação continuada de professores, a gestão escolar qualificada, o acompanhamento pedagógico e o envolvimento das famílias. Ainda é prematuro estabelecer correlações diretas e isoladas com os resultados do Saresp, uma vez que a implantação das plataformas teve início apenas no segundo semestre de 2023. Avaliar impactos educacionais requer ciclos pedagógicos completos e metodologias consistentes de acompanhamento.
Não há descontos salariais automáticos ou afastamentos vinculados ao uso das plataformas pedagógicas. Situações pontuais de substituição na gestão escolar decorrem de um conjunto de fatores, que incluem aspectos administrativos, pedagógicos e de liderança local.