O avanço da inteligência artificial provoca debandada de investidores e expõe a fragilidade de negócios que pareciam sólidos
Enquanto a Nvidia brilha como a empresa mais valiosa do planeta — com uma capitalização de mercado que flerta com os US$ 4,5 trilhões — e startups como OpenAI e Anthropic levantam dezenas de bilhões de dólares em investimentos, um novo clima toma conta dos mercados financeiros dos Estados Unidos. Atrás do brilho da inteligência artificial (IA), esconde-se uma sombra crescente: o temor de que a tecnologia não apenas transforme, mas destrua negócios que antes pareciam sólidos.
O que começou como uma corrida para apostar na revolução da IA está se transformando, aos poucos, em uma debandada de setores que agora parecem estar na mira da automação. Investidores, antes ávidos por qualquer empresa ligada à tecnologia, começam a repensar suas carteiras. Não querem mais só saber onde a IA vai criar valor — querem saber onde ela vai destruí-lo.
E os alvos estão ficando claros.
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Empresas que há poucos anos eram consideradas líderes em seus segmentos — como a Wix.com Ltd., especializada em criação de sites, a Shutterstock Inc., gigante das imagens digitais, e a Adobe Inc., referência em softwares de design — agora estão sendo evitadas por quem teme que seus modelos de negócio se tornem obsoletos. Afinal, por que contratar um designer ou um desenvolvedor web quando um sistema de IA pode gerar um site completo, uma campanha visual ou até um vídeo promocional em minutos?
Esse movimento não é mais apenas especulativo. Estrategistas do Bank of America identificaram um grupo de 26 empresas especialmente vulneráveis ao avanço da inteligência artificial. Desde meados de maio, esse conjunto de ações vem performando 22 pontos percentuais abaixo do índice S&P 500 — uma diferença gritante, especialmente considerando que, desde o lançamento do ChatGPT, no fim de 2022, essas mesmas ações andavam praticamente no mesmo ritmo do mercado.
“A disrupção é real”, afirma Daniel Newman, CEO do Futurum Group, consultoria especializada em tecnologia. “Achávamos que aconteceria em cinco anos. Parece que vai acontecer em dois. Empresas de serviços com alto número de funcionários serão realmente vulneráveis, mesmo que tenham negócios robustos da última era da tecnologia.”
Ainda não há um rastro de falências causadas diretamente pela IA. Nenhum chatbot ainda fechou uma empresa. Mas os sinais de alerta estão por toda parte. A Wix.com e a Shutterstock já acumulam quedas superiores a 33% em 2025, enquanto o S&P 500 registra um avanço de 8,6%. A Adobe, por sua vez, viu suas ações despencarem 23%, pressionada pelo temor de que clientes migrem para plataformas de IA capazes de produzir imagens e vídeos com qualidade cada vez mais profissional — como já fez a Coca-Cola, que lançou um anúncio inteiramente gerado por inteligência artificial.
O contágio vai além do setor criativo. A ManpowerGroup Inc., uma das maiores empresas de recrutamento do mundo, perdeu 30% de seu valor este ano. Seus serviços, baseados em triagem de currículos e seleção de candidatos, podem ser facilmente automatizados por algoritmos que analisam perfis, detectam habilidades e até simulam entrevistas. A Robert Half Inc., concorrente direta, está em situação ainda mais grave: perdeu mais da metade de seu valor de mercado e atingiu o menor preço em mais de cinco anos.
Tudo isso acontece em um momento em que a IA já não é mais apenas uma promessa — é uma realidade que está redefinindo a economia. A forma como as pessoas pesquisam na internet, como estudam nas universidades, como empresas tomam decisões e até como softwares são programados está sendo transformada por modelos que escrevem códigos, geram relatórios e respondem perguntas complexas com velocidade e precisão inéditas.
E o mais surpreendente: até as próprias empresas que estão liderando essa revolução estão sentindo os efeitos. A Microsoft e a Meta Platforms, gigantes que apostam centenas de bilhões de dólares no desenvolvimento de IA, vêm reduzindo seus quadros de funcionários. Não por crise — mas por eficiência. Com a produtividade aumentando graças à automação, sobra menos espaço para funções repetitivas. O dinheiro que antes era gasto com salários está sendo redirecionado para centros de pesquisa em inteligência artificial.
Para muitos analistas, estamos à beira de uma nova fase: aquela em que a IA deixa de ser apenas uma ferramenta e passa a ser um agente ativo de eliminação de negócios. “Está se aproximando o tempo em que a IA se tornará tão difundida que as empresas começarão a falir”, diz um estrategista de tecnologia que acompanha de perto o setor.
A ansiedade se tornou palpável na semana passada, quando a Gartner Inc., uma das mais respeitadas empresas de pesquisa de mercado, anunciou uma revisão para baixo em sua previsão de receita. O motivo? Clientes adiando ou cancelando contratos de consultoria — muitos deles migrando para soluções internas baseadas em IA. O resultado foi imediato: as ações da Gartner despencaram 30% em apenas cinco dias, a maior queda semanal de sua história.
O recado está dado: a era da inteligência artificial não é só sobre inovação. É também sobre sobrevivência. E, enquanto alguns enriquecem com o novo, outros descobrem, talvez tarde demais, que o futuro não precisa deles.
Embora a Gartner tenha atribuído parte de sua queda nos resultados a fatores externos — como cortes no orçamento do governo dos EUA e a instabilidade causada por políticas tarifárias —, os analistas não engoliram a explicação. Rapidamente, o dedo foi apontado para uma força muito mais silenciosa, mas igualmente poderosa: a inteligência artificial. Investidores e especialistas passaram a questionar se os tradicionais relatórios e análises da empresa, antes considerados indispensáveis para executivos e gestores, ainda são insubstituíveis diante de ferramentas que conseguem processar terabytes de dados e gerar insights em segundos.
Mesmo que a própria Gartner esteja desenvolvendo e integrando ferramentas com IA em seus serviços, o mercado parece não acreditar que isso seja suficiente para manter sua vantagem. Afinal, se um diretor de tecnologia pode pedir a um chatbot especializado que analise tendências de mercado, compare fornecedores de nuvem ou projete o crescimento de um setor, por que pagar dezenas de milhares de dólares por um relatório anual?
O Morgan Stanley foi direto ao ponto: os resultados da empresa “colocaram lenha na fogueira do caso de disrupção da IA”. Já a corretora Baird foi além, dizendo estar “cada vez mais preocupada com o impacto dos riscos da IA” sobre o modelo de negócios da Gartner. Até o fechamento desta reportagem, representantes da empresa não haviam respondido a um pedido de comentário.
Mas essa história não é nova. A história da tecnologia é repleta de exemplos de inovações que varreram do mapa empresas que um dia pareciam intocáveis. O telégrafo foi engolido pelo telefone. As charretes e chicotes deram lugar ao automóvel. E quem se lembra hoje da Blockbuster, outrora rainha dos aluguéis de vídeo, senão como um símbolo da devastação causada pela Netflix e pelo streaming?
“Há muitos setores do mercado que podem ser basicamente aniquilados pela IA, ou pelo menos passar por uma ruptura extrema, e as empresas se tornarão irrelevantes”, afirma Adam Sarhan, CEO da 50 Park Investments. “Qualquer empresa que pague alguém para fazer algo que a IA pode fazer de forma mais rápida e barata será extinta. Pense em design gráfico, trabalho administrativo, análise de dados, redação de contratos, até mesmo atendimento ao cliente. Tudo isso está na mira.”
Claro, nem tudo é desolação. Há quem esteja surfando a onda com maestria. A Duolingo Inc., por exemplo, viu suas ações praticamente dobrarem no último ano, mesmo em um cenário em que ferramentas de tradução instantânea alimentadas por IA estão disponíveis gratuitamente. O segredo? A empresa não resistiu à tecnologia — ela a abraçou. Incorporou a IA ao seu aplicativo de ensino de idiomas, personalizando lições, simulando conversas em tempo real e ajustando o ritmo de aprendizado com precisão cirúrgica. O resultado? Um aumento nas vendas e uma nova previsão otimista para 2025.
Mas até mesmo nesse caso, o alívio é temporário. Investidores experientes continuam com o pé no freio. “A Duolingo está bem hoje”, diz um gestor de um fundo de tecnologia em Nova York. “Mas e daqui a três anos, quando um modelo de IA conseguir ensinar qualquer idioma com fluência em semanas, sem precisar de aplicativos? A ameaça ainda está lá.”
Esse movimento defensivo dos investidores ganhou força justamente quando a IA voltou a dominar o cenário de ganhadores e perdedores no mercado acionário em 2025. É uma reviravolta e tanto. No início do ano, o otimismo em torno da IA parecia esfriar. Modelos desenvolvidos na China, com custos muito mais baixos, ameaçavam o domínio norte-americano, e muitos previam uma desaceleração nos investimentos em infraestrutura de computação.
O que aconteceu foi exatamente o oposto.
Empresas como Microsoft, Meta, Alphabet Inc. e Amazon.com Inc. não recuaram — dobraram a aposta. Juntas, essas gigantes devem investir cerca de US$ 350 bilhões em capital fixo durante seus atuais anos fiscais, um aumento de quase 50% em relação ao ano anterior, segundo estimativas compiladas pela Bloomberg. Grande parte desse dinheiro está sendo canalizado para a construção de data centers, servidores e redes especializadas em suportar a explosão de demanda por computação de IA — o que, por sua vez, alimenta o crescimento da Nvidia, cujos chips continuam sendo o coração pulsante dessa revolução.
Mas identificar quem sai perdendo exige mais do que uma leitura simplista. A Alphabet, por exemplo, é vista por muitos como uma das empresas mais bem posicionadas no mundo da IA: tem talento de ponta, acesso a dados massivos e tecnologia de vanguarda. Mesmo assim, surpreendentemente, aparece na lista de riscos do Bank of America. O motivo? O temor de que, por trás de toda essa força, a empresa esteja, na verdade, na defensiva — tentando desesperadamente proteger sua gigantesca fatia do mercado de buscas, um dos negócios mais lucrativos da história da internet. Se a IA permitir que as pessoas obtenham respostas diretas, sem precisar clicar em links ou navegar por páginas, o modelo de anúncios do Google pode ruir.
Para outras, o risco é mais evidente — e mais imediato. O setor de publicidade, por exemplo, está em estado de alerta. A Omnicom Group Inc. já acumula queda de 15% em 2025, enquanto a britânica WPP Plc despencou mais de 50%, atingindo mínimas não vistas em mais de uma década. O motivo? A Meta, dona do Facebook e do Instagram, está investindo pesado em sistemas que podem criar, otimizar e direcionar anúncios com IA — sem a necessidade de agências intermediárias.
“O modelo tradicional de agência de publicidade está sob intensa pressão, e isso antes que a GenAI comece a realmente escalar”, escreveu Michael Nathanson, analista sênior da MoffettNathanson, em uma nota que ecoou entre os corredores de Wall Street. “Estamos vendo o começo do fim de um modelo que durou mais de um século.”
Com tantas empresas em xeque, o tema da disrupção por IA deixou de ser uma discussão técnica para se tornar uma obsessão nos escritórios de investimento. “Wall Street está claramente nervosa”, diz Phil Fersht, CEO da HFS Research, especializada em análise de serviços digitais. “Este será um mercado difícil e implacável. A IA não vai apenas mudar como as coisas são feitas — ela vai decidir quem sobrevive e quem desaparece.”
E nesse novo mundo, talvez o maior perigo não seja a tecnologia em si, mas a ilusão de que dá para esperar.