A expressão “flooding the zone” (inundar a área) descreve uma estratégia deliberada de comunicação na qual uma enxurrada de anúncios e decretos é lançada de forma contínua, com o objetivo de saturar os canais de informação e deixar a oposição e a mídia atordoados. Essa tática, utilizada por Donald Trump desde sua posse, busca desorientar os críticos e criar um ambiente de confusão que dificulte a análise e a resposta coordenada dos adversários.

Jair Bolsonaro também aplicou esta estratégia da extrema-direita, causando efeito semelhante no Brasil. Todas as pautas, emendas, medidas provisórias ou decretos, assim como declarações públicas, eram sensacionalistas e polêmicas. Uma blitz-krieg de bombardeios informacionais capaz de desnortear a reação social. A resistência se deu de forma complexa por meio de táticas diversas e simultâneas, em todos os âmbitos da sociedade (confira ao final).

Afirmações misóginas, homofóbicas, racistas, obscenas ou escatológicas frequentemente engajavam as redes sociais, a mídia e a esquerda, enquanto o governo tentava seguir sem obstáculos uma agenda de reformas trabalhistas, previdenciárias, privatista, desmontando as instituições do Estado. Todas pautas dignas de um grande protesto nas ruas, todas passíveis de grandes debates na imprensa. Mas poucos tinham tempo ou capacidade de articulação para tantos absurdos simultâneos.

Apesar disso, nem Trump, nem Bolsonaro foram capazes de se reeleger pela incapacidade de responder de forma efetiva aos problemas concretos de países tão grandes. Desde seu primeiro governo, Trump fala em fazer a América grande novamente. O trabalhador não viu isso acontecer como prometido, especialmente com o retorno das fábricas aos EUA ou melhora significativa nas condições de trabalho. Os desafios dos Estados Unidos estão postos na mesa, e não serão resolvidos na base da bravataria. Depois de quatro anos, Trump será julgado pelos resultados concretos.

A orquestra trumpiana

Desde seus primeiros dias no poder, Trump tem feito uso intensivo dessa estratégia. Em sua posse, ele assinou 26 ordens executivas, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde, eliminou subsídios para carros elétricos, entre outras ações polêmicas. Mais recentemente, o ex-presidente voltou a gerar manchetes com propostas aparentemente absurdas, como comprar a Groenlândia, construir um resort na Faixa de Gaza, mudar o nome do Golfo do México, retomar o Canal do Panamá, ou acabar com o direito à cidadania para filhos de imigrantes ilegais.

Cada anúncio, independentemente de sua viabilidade, serve para inundar a mídia com informações que, na prática, dificultam a construção de uma narrativa unificada e a identificação do que realmente importa na agenda política.

Steve Bannon e a velocidade das bombas

Um dos criadores do trumpismo, o estrategista político Steve Bannon, é o responsável por afinar essa tática. Ele foi também um articulador estratégico por trás da comunicação do governo Bolsonaro. Em entrevista à TV americana, Bannon disse:

“O partido de oposição é a mídia. Eles são burros e preguiçosos e só conseguem focar em uma coisa de cada vez. O que precisamos fazer é inundar o terreno. Todo dia nós jogamos três coisas diferentes neles. Eles vão morder uma e a gente vai fazer as nossas coisas. Esses caras nunca vão conseguir se recuperar. Mas temos que começar com a mesma velocidade com que uma bala sai do cano de uma arma.”

Essas palavras ilustram como a estratégia visa tirar o foco dos adversários, que ficam ocupados reagindo a uma nova polêmica enquanto Trump segue com sua agenda – muitas vezes, sem sequer ter o poder para resolver os problemas anunciados.

Exemplos da tática no dia a dia

Nas últimas 24 horas, a tática de “flooding the zone” foi novamente demonstrada:

  • Tarifas e decretos surpresa: Trump anunciou tarifas para o aço e decretos para liberar canudinhos de plástico, enquanto simultaneamente repetia que seria o dono da Faixa de Gaza.
  • Acusações e contradições: Em meio a tais anúncios, o ex-presidente afirmou ter conversado com o presidente russo Vladimir Putin, sem oferecer detalhes, confundindo ainda mais a opinião pública.
  • Distração político-administrativa: O presidente também assinou decretos para demitir militares de carreira e acabar com a fiscalização de empresas americanas, ações que, embora questionáveis, desviam a atenção dos críticos sobre as políticas mais substanciais do governo.

Consequências para a mídia e a oposição

A estratégia tem se mostrado eficaz em desestabilizar a oposição, que encontra dificuldade para concentrar esforços diante de uma avalanche de informações. Como resultado:

  • Mídia saturada: Portais de notícias e jornalistas se veem obrigados a cobrir não apenas um, mas todos os atos diários de Trump, o que dificulta a distinção entre ações relevantes e meras manobras de distração.
  • Dificuldade em construir narrativas: O excesso de declarações e decretos torna quase impossível que a oposição formule respostas consistentes e coordenadas, fazendo com que questões importantes fiquem ofuscadas pelo ruído das provocações constantes.

Impacto na política e na ordem global

Embora muitas das declarações de Trump – como a possibilidade de anexar territórios estrangeiros – sejam improváveis de se concretizarem, elas têm um efeito real ao confundir tanto a população quanto aliados e adversários internacionais. Esse ambiente de incerteza pode afetar a credibilidade dos Estados Unidos e minar alianças estratégicas, enquanto a política interna sofre com a dispersão do debate e a erosão dos mecanismos de controle e transparência.

Resistência: foco nas questões relevantes

Para neutralizar a estratégia de “flooding the zone”, é essencial que a oposição e os veículos de comunicação mantenham o foco nas questões que impactam a vida dos cidadãos. Durante o desgoverno de Bolsonaro, a denúncia do desemprego, da estagnação econômica e do preço dos combustíveis foram essenciais para desmascarar o diversionismo. A falta de resultados concretos da macroeconomia de Paulo Guedes e o cansaço de parcelas da sociedade com o discurso de ódio e golpismo também jogaram contra. Trump ainda não respondeu ao problema da inflação dos ovos, esperando que a gripe aviária passe e os estoques retornem.

Em vez de se deixar levar por cada anúncio bombástico, a recomendação é priorizar debates que abordem problemas estruturais e políticas públicas de longo prazo. Isso significa estabelecer uma agenda clara. Concentrar os esforços em temas estratégicos, como saúde, educação, segurança e economia, para evitar que a narrativa seja dispersada por declarações pontuais e irrelevantes.

Diferenciar o sinal do ruído ao utilizar ferramentas de verificação de fatos e análises críticas para destacar quais anúncios têm impacto real e quais são apenas manobras de distração.

Comunicação coordenada e unificada

Uma resposta eficaz exige que as forças políticas da oposição se unam e comuniquem de forma coordenada. Entre as medidas recomendadas estão a formação de um bloco de resposta. Reunir partidos e lideranças que possam articular uma mensagem unificada, contrapondo os anúncios diários com iniciativas concretas e dados que evidenciem as verdadeiras prioridades para a população.

O fortalecimento do fact-checking e da transparência são ferramentas da luta contra a desinformação, que passa também pelo fortalecimento de mecanismos de verificação dos fatos. Para isso, é importante apoio a agências independentes de fact-checking. Incentivar a criação e a manutenção de plataformas que possam desmentir, em tempo real, as declarações exageradas ou infundadas.

A transparência nas ações governamentais precisa ser preservada em governos que tendem a dificultar o acesso à informação pública, como já vem ocorrendo em Washington. É preciso cobrar do governo a prestação de contas das medidas anunciadas e avaliar quais decretos têm base legal e impacto prático na sociedade.

Educação midiática e engajamento popular

A longo prazo, é fundamental que a população desenvolva uma consciência crítica em relação às táticas de comunicação. No Brasil, o modo como fake news e falta de regulação de plataformas digitais acabaram de tornando ferramenta de criminosos para golpes financeiros, acabou forçando uma alfabetização crescente de parcelas da população que se sentiram vulneráveis. Cada vez é mais comum encontrar pessoas que sabem como distinguir quando uma informação é falsa na internet.

Mas as instituições de governo e da sociedade civil, assim como da mídia, precisam implementar programas de alfabetização midiática; iniciativas educacionais que ensinem os cidadãos a distinguir entre notícias relevantes e meros ataques ou distrações. Estimular o engajamento e a participação ativa da sociedade também é uma opção, para que os eleitores passem a questionar e demandar respostas concretas dos seus representantes, ao invés de se deixarem influenciar por anúncios vazios.

Alinhamento internacional e defesa das instituições

Por fim, a resposta à estratégia de “flooding the zone” também passa por uma articulação maior com aliados políticos e instituições democráticas. O Legislativo e o Judiciário foram fundamentais para barrar as iniciativas mais perigosas de Bolsonaro. Nos EUA, a própria volta de Trump ao poder revela a fragilidade de suas instituições, que precisam ser repensadas. Trabalhar em conjunto com governos e organizações que defendem a transparência e a responsabilidade na comunicação pública, é uma forma de cooperação para criar um ambiente global que penalize táticas de desinformação.

O reforço das instituições democráticas precisa avançar para proteger e valorizar os mecanismos de controle e prestação de contas, garantindo que a estratégia de inundação de informações não comprometa o funcionamento das instituições e a confiança na governança.

Resistir politicamente à tática de “flooding the zone” de Trump (e da extrema-direita) exige uma combinação de foco estratégico, comunicação unificada, verificação rigorosa dos fatos, educação midiática e mobilização cidadã. Somente com uma resposta coordenada e comprometida com a transparência será possível garantir que a população não se perca em meio à enxurrada de anúncios e decretos, e que as questões de verdade e relevância continuem a nortear o debate político.

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Last Update: 11/02/2025