Intensificação da agenda internacional de Lula atende a diferentes motivações
por Arnaldo Cardoso
Em ano no qual o Brasil ocupa a presidência rotativa do BRICS e sediará a COP30, a intensificação da agenda internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorre em contexto mundial marcado por três guerras simultâneas (Rússia-Ucrânia, Israel-Palestina e Israel-Irã) e por acentuada instabilidade global provocada por medidas radicais e intempestivas, de amplo impacto, emanadas do novo governo Trump.
Essa intensificação da agenda internacional (34 países já visitados), fazendo lembrar o primeiro mandato (2003-2006) de Lula, quando o presidente viajou para 45 países, atende a diferentes motivações, de ordens interna e externa.
Entre as motivações de ordem externa, destacam-se:
– Renovar a imagem internacional do Brasil como país contrário às guerras, defensor da diplomacia como instrumento privilegiado na busca de soluções negociadas diante de crises, apresentando-se inclusive como potencial mediador em negociações.
– Defender o livre comércio, com regras justas, como instrumento para o desenvolvimento econômico e redução de assimetrias econômicas e sociais entre as nações.
– Intensificar a campanha por uma ampla reforma de organizações internacionais como a ONU, para uma melhor distribuição do poder global, visando uma ordem global mais representativa e multilateral, uma vez que aquela erigida no pós-2ª Guerra Mundial se mostra em acelerada degeneração.
Quanto às motivações de ordem interna, deve-se ter em mente que o governo Lula encontra-se no terceiro ano de seu mandato, que em 2026 ocorrerá eleição presidencial e que as mais recentes pesquisas de opinião apontaram queda na aprovação geral de seu governo, motivada por diferentes fatores como o encarecimento do custo de vida (causado por impactos de mudanças climáticas sobre a oferta global de alimentos e o aumento das incertezas no mercado financeiro global, entre outras) e as dificuldades para a manutenção de condições de governabilidade e aprovação de projetos com uma base de apoio constituída por forças políticas, vulgarmente chamadas de centrão, com agendas conflitantes com os valores e promessas de campanha que elegeram Lula.
Isto posto, percebe-se como imperioso a reunião de esforços para a realização de ações com poder de restaurar a imagem do governo Lula como um governo de reconstrução nacional, de base popular, sensível aos mais caros anseios da sociedade brasileira e aos problemas que afligem o mundo, com especial atenção aos mais vulneráveis.
Para esse esforço, ganha destaque a aguerrida militância petista que fez a história desse que se tornou o maior partido de base trabalhadora da América Latina e que, ao longo dos últimos quarenta anos nunca deixou de se fazer presente em todos os momentos desafiadores para o partido e para o Brasil.
Lula na França
Na recente viagem de Lula e sua comitiva para a França, além de uma agenda oficial repleta de negociações e homenagens dos franceses ao Brasil e ao presidente Lula, foi expressiva a presença de brasileiros residentes na França, dentre os quais membros da militância do PT no exterior, manifestando-se em apoio a Lula em todos os locais por onde passou o presidente e nas redes sociais.
Depois de cumprida a intensa agenda em Paris, enquanto Lula deslocava-se para Nice, para discursar na abertura da Conferência da ONU sobre os Oceanos, o ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego), membro da comitiva presidencial, deslocou-se para Genebra, na Suíça, para participar da 113ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) onde se tratou da redução da jornada de trabalho e das transformações no mundo do trabalho, especialmente no contexto das plataformas digitais e do avanço das ferramentas de inteligência artificial.
Em Nice, na Conferência sobre os Oceanos, Lula criticou “a disparidade entre as promessas ambientais e os recursos realmente disponibilizados pelos países ricos” lembrando que “o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, dirigido à conservação dos oceanos, é o menos financiado de toda a Agenda 2030”.
Encontro com a militância em Genebra
Já o ministro Luiz Marinho e Gilberto Carvalho (Secretário Nacional de Economia Popular e Solidária), depois do compromisso na conferência da OIT, encontraram-se em Genebra com lideranças do PT, membros da militância petista e outros ativistas e representantes da sociedade civil na cidade suíça, quando tratou-se de pautas como a eleição para a nova direção do PT e eleições 2026, reafirmando a importância da militância no exterior.
A ativista política e militante petista Angela Wiebusch, que vive em Genebra, cidade de grande relevância para a diplomacia mundial pois sedia importantes organizações internacionais, é um dos exemplos do engajamento dessa militância no exterior na defesa de bandeiras erguidas pelo PT em prol da democracia, dos direitos humanos, da justiça social e contra todas as expressões de autoritarismo e intolerância que hoje crescem na Europa e em outras partes do mundo. Poucos dias antes de participar de encontro com os membros do governo Lula em Genebra, Wiebusch havia participado ativamente de protestos contra as ações de Israel na guerra contra a Palestina que havia produzido mais um crime de guerra ao capturar em águas internacionais a flotilha da Liberdade Madleen e prender seus 12 ocupantes, ativistas de diversos países, incluindo o brasileiro Thiago Ávila, que tentavam furar o bloqueio israelense à chegada de ajuda humanitária à população de Gaza.
Brasileiros no exterior
Sobre brasileiros no exterior, vale lembrar que na última eleição presidencial brasileira, Lula venceu também no exterior obtendo 51,28% dos votos válidos de brasileiros residentes no exterior, recebendo as mais expressivas votações no Japão (83,62%), França (82,94%), Irlanda (81,81%), Alemanha (76,89%), Espanha (64,62%) e Reino Unido (60,15%).
Em 2022 o número de brasileiros no exterior inscritos para votar era de 696 mil e a taxa de participação entre os votantes foi de 44,63%, apontando uma expressiva abstenção e, portanto, um terreno para a intensificação da ação política dos militantes no exterior.
Desde 1990 o PT desenvolveu uma singular estrutura partidária no exterior vinculada à Secretaria de Relações Internacionais, contendo Núcleos do partido, Comitês populares de lutas no exterior, coletivos de formação e vivências e grupos de trabalho (GT’s) temáticos, presentes em países como Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, China, Espanha, Estados Unidos, França, Guiana, Irlanda, Itália, Japão, Portugal e Reino Unido.
Lula Day
Alguns desses militantes no exterior já estão trabalhando na organização de mais um Lula Day, evento que tem sido realizado desde 2019, na data de aniversário (27 de outubro) de Lula, em várias cidades pelo mundo. A edição desse ano celebrará os 80 anos desse que é um dos mais importantes líderes políticos da atualidade.
Na cidade de Verona, norte da Itália, vive a brasileira Giuditta Ribeiro que se mudou para o país da bota há mais de vinte anos e se dedica desde a primeira edição do Lula Day para a realização desse evento, que ela entende ser importante para exaltar as históricas bandeiras empunhadas por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores em prol da democracia, da justiça social e dos direitos humanos no Brasil e no mundo há mais de quatro décadas, além de manter viva a chama do engajamento de militantes e simpatizantes do PT.
Em tempos como o que vivemos, de incertezas e com o perigoso avanço de forças políticas e econômicas antidemocráticas, é com ações decididas e politicamente engajadas, de cidadãos de todo o mundo e de partidos políticos verdadeiramente comprometidos com a liberdade e a democracia, que o mundo livre poderá vencer mais uma vez os inimigos da democracia, da liberdade, da igualdade e da fraternidade entre os homens.
Arnaldo Francisco Cardoso, cientista político (PUC-SP), professor universitário e escritor.
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