Desenvolvendo a Inteligência Artificial: o Brasil não deve se limitar ao uso da tecnologia
por Luís Carlos da Silva e Maria Luiza Ribeiro
O governo está se empenhando em refazer a estratégia brasileira de Inteligência Artificial. O momento não poderia ser mais oportuno e, simultaneamente, mais difícil. A primeira grande dificuldade é histórica e tem a ver com a estrutura de subordinação tecnocientífica a que estamos submetidos desde o mundo industrial.
Para explorarmos nosso próprio potencial, tivemos que transformar um plano tecnológico em uma campanha política, a campanha do Desenvolvimento é Nossa! Não foi nada consensual para o país construir a Petrobras. Setores capturados pelos interesses de empresas estrangeiras e remunerados pelas poderosas tecnológicas norte-americanas foram mobilizados como entraves internos a defesa da autonomia na área da tecnologia.
A segunda dificuldade se relaciona com a primeira, mas possui especificidades e diz respeito à divisão internacional do trabalho e do conhecimento. Ela passa por um diagnóstico sobre qual o papel que temos hoje no desenvolvimento da IA. Muitos gestores públicos consideram que cabe ao Brasil uma posição de usuário, uma vez que não teremos investimentos suficientes para pretendermos a condição de inventores de novas abordagens de inteligência maquínica, nem recursos e infraestruturas computacionais para disputarmos o desenvolvimento da IA generativa, do deep learning nos paradigmas atuais.
Hoje, o custo para treinar um modelo original de IA generativa é extremamente elevado. O GPT-4 da OpenAI usou cerca de US$ 78 milhões em recursos computacionais para ser treinado. O Gemini Ultra do Google custou US$ 191 milhões em computação. Esses dois cálculos foram publicados no AI INDEX REPORT 2024, da Universidade de Stanford. Eles mostram uma grande disparidade entre criar e treinar modelos significativos e apenas poder criar sobre eles algumas novas aplicações.
Tal cenário é o da dependência, mais profunda e complexa do que a que vivíamos no mundo industrial. As grandes tecnológicas concentram a criação dos principais modelos significativos de IA : em 2023, 51 deles foram desenvolvidos e controlados pelas tecnológicas contra apenas 15 feitos nas universidades e 21 em parcerias das empresas com a academia.
Assim, a estratégia brasileira de IA parece que irá consolidar a condição do Brasil como usuário dos grandes modelos e desenvolvimentos realizados principalmente pelos EUA, pela China e, em menor participação, pela União Europeia. Se é verdade que a curto prazo não temos como nos tornar jogadores de primeira linha, isso não é correto pensando a médio e longo prazo.
O país tem ainda empresas de processamento de dados que podem ser reorganizadas para se tornarem empresas de IA, superando a sua atual condição de revendedoras de soluções das tecnológicas e de seus provedores de nuvem. Podemos criar arranjos corporativos e consorciar universidades para manter nossos dados no país e utilizá-los economicamente ao nosso favor e, principalmente para desenvolvermos nossos modelos de IA.
E a regulação? Curiosamente a nossa lei de proteção de dados e nosso projeto de regulação da IA não trata da localização de dados – a primeira está focada na proteção da privacidade e o segundo, no uso da IA. Na verdade, tratam de um modo servil e que reforça nosso papel subordinado na divisão internacional do trabalho e do conhecimento.
Um país como o Brasil não pode construir uma estratégia de IA que consolide nossa subordinação. Essa tecnologia é vital para desenvolvimentos futuros e está se tornando cada vez mais transversal e decisiva para todos os segmentos econômicos. Precisamos traçar uma caminho para incentivar perspectivas soberanas e inventivas.
Luís Carlos da Silva é sociólogo, professor da UFABC e pesquisador de temas que relativos à tecnologia e sociedade
Maria Luiza Ribeiro é jornalista e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais da UFABC.