Um setor de fiscalização do Ministério de Direitos Humanos descobriu violações a pacientes internados em dois centros psiquiátricos do Distrito Federal, envolvendo desde trabalho análogo à escravidão, violências sistêmicas e até a apropriação do Bolsa Família dos internados na unidade.
Trata-se do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) da pasta, que realiza inspeções em instituições nas quais é convocada a fiscalizar. O órgão publicou, neste mês, um relatório expondo as graves violações na instituição Salve a Si (Instituto Eu Sou) e no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, ambos no Distrito Federal.
No primeiro, a equipe do MNPCT detectou que a Instituição Salve a Si, ligada à Igreja Evangélica, chega a se apropriar do celular dos acolhidos e do benefício Bolsa Família recebido por eles.
Além disso, os pacientes sofrem constantes situações de violência, como a privação da liberdade, incluindo o uso de trancas e cadeados em portas, e a imposição de práticas religiosas, como a exclusividade de assistir à Rede Record.
A instituição aplica regras de obediência restritas, sujeitas a sanções que significariam a “perda de privilégios”, como transferência a um quarto lotado ou locais de castigo, sem direito a café ou coisas similares.
O MNPCT também constatou “fortes indícios de regime de trabalho análogo à escravidão”, incluindo 14 horas de trabalho em cozinha e outras diversas tarefas.
“As pessoas privadas de liberdade na CT trabalham várias horas, inclusive se levantando de madrugada, em trabalhos extenuantes, muitas vezes em condições precárias e perigosas; não recebem remuneração por seu trabalho; e são impedidos de sair ou de manter contato com o mundo exterior livremente (…). Além disso, os monitores da CT mantêm vigilância rígida sobre as pessoas acolhidas e a instituição apropria de seus recursos e objetos pessoais”, traz trecho do documento.
Outra violação exposta é o uso de medicamentos de uso controlado sem receita.
Também na área de saúde mental, o Hospital São Vicente de Paulo também foi alvo da denúncia da pasta. No relatório, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) aponta que a unidade tem “problemas estruturais”, apesar de passar por uma reforma que durou de 2019 a 2023, com um investimento de R$ 3,6 milhões.
Além da estrutura precária dos espaços, com locais onde pacientes dormem no chão ou inclusive na área externa, na rua, a equipe do Ministério dos Direitos Humanos apontou a necessidade “urgente” de profissionais, incluindo assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais. A pasta verificou “apenas um médico do trabalho na equipe do hospital, em regime de 20h” e que, nos últimos 6 anos, “houve quatro casos de suicídio entre servidores”.
Entre as práticas de violações detectadas, a pasta identificou “indícios de que o procedimento de imobilização de usuários/as por meio de sua contenção física esteja sendo usada como prática disciplinar no Hospital São Vicente”.
O caso foi verificado com testemunhas de pacientes que relataram “graves violências vividas em outros contextos de privação de liberdade”, tendo sido amarrada por quase 7 horas após situação de “agitação”.
“Uma usuária chegou a explicitar que ela ficava ‘com trauma’ sempre que era ‘amarrada’. Também foram reportadas por usuários/as práticas como ‘mata-leão’ para contenção e que é comum as pessoas em contenção serem deixadas sozinhas sem supervisão. Outras pessoas relataram que já viram pessoas internadas permanecerem amarradas a noite toda”, expuseram.
Ao final do documento, a pasta encaminhou pedidos ao Ministério Público, secretarias de saúde e aos governos do Distrito Federal e Goiás sobre as unidades e abertura de investigações.