Banco Imobiliário

por Luís Carlos da Silva

É possível fazer uma analogia com o jogo Banco Imobiliário (Monopoly) para ilustrar como o crédito impulsiona as expansões e as contrações econômicas no mundo real. Esse modelo de análise contempla diferentes fases do ciclo econômico, destacando as ações dos jogadores e os efeitos dessas decisões interativas.

Na Fase de Expansão, ocorre a alavancagem financeira, isto é, a busca de obter maior rentabilidade patrimonial diante do capital próprio com o uso de capital de terceiros emprestado. Aumenta a escala de produção e o lucro operacional.

No jogo, os jogadores começam com uma quantidade de dinheiro ou capital inicial. Quando o jogo avança, têm a possibilidade de tomar empréstimos hipotecários com base em suas propriedades para obter mais dinheiro.

No mundo real, bancos e outras instituições financeiras oferecem crédito após a avaliação de risco do cliente, cobrando juros baixos e condições de empréstimo favoráveis nessa fase. Famílias, empresas e governos tomam empréstimos para financiar, respectivamente, consumo, investimentos produtivos e gastos públicos.

No jogo, os jogadores usam o dinheiro disponível para comprar propriedades existentes ou construir casas e prédios, aumentando seus ativos e o potencial de renda de aluguel. Compra de propriedades comerciais é investimento.

No mundo real, empresas investem em capital fixo, expandem operações e inovam. Famílias compram imóveis para moradia, além de outros bens duráveis como veículos, móveis e eletrodomésticos. Governos investem em infraestrutura.

No jogo, enquanto mais propriedades são compradas e desenvolvidas, os preços dos ativos aumentam. Os jogadores veem um aumento no valor de suas propriedades, propiciando ganho de capital.

No mundo real, a demanda por ativos – formas de manutenção de riqueza como imóveis, títulos de dívida, ações etc. – aumenta, elevando seus preços. O valor dos colaterais (garantias para empréstimos) se eleva, incentivando a concessão e mais tomadas de empréstimos com a mesma garantia para investimentos maiores.

Na Fase de Pico, isto é, no topo do ciclo de expansão, aparece a saturação do mercado. As expectativas otimistas passam a ser revertidas.

No jogo, a maioria das propriedades já foi comprada, e os jogadores começam a enfrentar dificuldades em adquirir novos ativos sem se endividar mais. No mundo real, o mercado atinge um ponto no qual o crédito fácil começa a gerar preocupações sobre a capacidade de pagamento. Os preços dos ativos atingem níveis máximos.

Na Fase de Contração, ou desalavancagem financeira, acontece a queda nos preços dos ativos. Com a menor receita operacional diante das mesmas despesas financeiras e o menor valor das garantias colaterais, o grau de fragilidade financeira aumenta e os bancos passam a recusar o refinanciamento das dívidas.

No jogo, se muitos jogadores enfrentam dificuldades financeiras, precisam vender propriedades a preços mais baixos para obter dinheiro rápido. No mundo real, quando os investidores percebem os preços dos ativos estarem inflacionados, começam a vender.

Isso leva a uma queda nos preços dos ativos e ao colapso dos mercados. Torna-se racional a restrição de crédito, sob o ponto de vista dos bancos, obrigados pelos reguladores a retomar os recursos de terceiros, usados como empréstimos.

No jogo, os jogadores não conseguem mais obter empréstimos ou hipotecar propriedades a valores favoráveis. A liquidez seca e as transações diminuem.

No mundo real, bancos restringem o crédito, devido ao aumento do risco de inadimplência. Empresas e famílias enfrentam dificuldades em obter novos financiamentos ou refinanciar dívidas pendentes.

Durante a Fase de Desalavancagem Financeira, as falências são esperadas. Propiciam bons negócios de fusões e aquisições, ou seja, concentração de capital adequada a uma futura fase de expansão e/ou alavancagem financeira.

No jogo, os jogadores endividados não conseguem pagar suas dívidas e são forçados a vender propriedades ou declarar falência, saindo do jogo. No mundo real, as famílias endividadas entram em default e, se as empresas declaram falências, saem do jogo econômico.

Antes, buscam as reestruturações de dívida. Governos são pressionados a adotar austeridade fiscal, quanto à solvabilidade da dívida pública, quando seria mais necessário o gasto público substituir o gasto privado, ausente pelo excesso de capacidade produtiva ociosa existente. Seria irracional investir em mais…

Todos esperam a Fase de Recuperação. Nela, ocorrem a reorganização e a reestruturação das finanças pessoais, corporativas e públicas.

No jogo, os jogadores restantes reorganizam suas estratégias, aproveitando oportunidades para adquirir propriedades dos falidos a preços baixos. No mundo real, a economia passa por um período de reestruturação.

M&A é a sigla em inglês para Mergers & Acquisitions, traduzido por Fusões e Aquisições (F&A) em português. No caso, a fusão ocorre quando duas empresas se unem para formar uma nova organização, enquanto a aquisição acontece quando uma empresa compra outro empreendimento.

Ambas as operações societárias visam a concentração de capital e a centralização de mercado ao eliminar a concorrência. Propiciam melhores condições competitivas em um ciclo de retomada do crescimento sustentado.

Ativos desvalorizados são comprados por investidores em M&A e as empresas se reestruturam. As políticas governamentais são ajustadas para incentivar a recuperação ao darem a retomada ou o arranque inicial.

No jogo, novos ciclos de compra e investimento começam quando os jogadores se recuperam. No mundo real, a economia estabiliza, o crédito volta a fluir novamente, e um novo ciclo de endividamento e crescimento se inicia.

A analogia com o jogo Banco Imobiliário ilustra como o crédito impulsiona tanto expansões quanto contrações econômicas.

Durante a fase de expansão, o crédito fácil leva ao aumento dos preços dos ativos e ao crescimento econômico.

No pico, a saturação do mercado e o aumento dos riscos financeiros provocam a contração econômico-financeira.

Durante a desalavancagem, a restrição de crédito e a queda dos preços dos ativos levam a falências e reestruturações.

Finalmente, a recuperação envolve reorganização e estabilização, preparando o caminho para um novo ciclo econômico.

O mundo real é muito distinto do condenado a priori por gente preconceituosa contra a “financeirização” sem entender sequer o jogo Banco Imobiliário… Uma economia sem sistema financeiro é rastejante sem dinamismo, senão inexistente!


Luis Carlos da Silva – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download em http://luis-carlos-da-silva.com.br/. E-mail: [email protected]

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Última Atualização: 29/07/2024