O novo filme do diretor alemão Win Wenders, Dias Perfeitos (Perfect Days, 2023), é um longa-metragem que procura encontrar encantamento em um mundo em ruínas.
A história gira em torno da vida de Hirayama (Koji Yakusho), um homem de meia-idade, solitário, que vive uma rotina estruturada em Tóquio. Ele é um faxineiro de banheiros públicos que parece muito satisfeito com seu cotidiano.
Ao contrário do que se poderia esperar, o filme não mostra a existência limitada de um trabalhador miserável. Hirayama é um homem dedicado ao seu trabalho e ao seu tempo livre, que dedica à leitura, à fotografia e ao cultivo de pequenas mudas de árvores.
Ao longo do filme, descobrimos que Hirayama vive uma escolha pessoal, não trabalha por necessidade. Não sabemos ao certo os motivos, mas fica claro que algo grave aconteceu entre ele e a família, aparentemente muito rica, que justifica sua decisão individual.
O filme é uma espécie de renúncia quase sacerdotal. Lembra a de um monge budista ou de um padre católico em um mosteiro.
O diretor tenta representar a felicidade das coisas pequenas, como está na moda. A ideia do “minimalismo”, “das casinhas pequenas ou tiny houses”, do “faça você mesmo ou do it yourself”, da “vida simples”, que permeia o universo idealizado de certos setores da pequena-burguesia urbana e ocidental.
O filme é, na verdade, bastante mediano e feito para um público europeu e norte-americano bastante limitado.
Há uma mensagem edificante: não importa o que você faz ou o que você tem, o mais importante é “quem você é” e que é possível ser feliz se você tiver uma vida plena.
O diretor disse: “Para mim, uma das grandes condições da paz é estar satisfeito com o que se tem. O crescimento gera guerras. O crescimento gera desigualdade. O crescimento cria aqueles que não podem crescer, em oposição àqueles que sempre querem continuar a crescer.”
O filme também retrata o cotidiano como repetição. Tem sido usada em inúmeros filmes, seja para representar um padrão, seja para representar uma anomalia.
O primado da repetição está no cerne da nossa cultura no chamado capitalismo tardio. Reflete como o capitalismo da era neoliberal globalizada afeta a nossa percepção e subjetividade.
A repetição caracteriza-se pela ausência de tempo, em especial, de memória. Se todo dia é sempre igual ao outro, não preciso me preocupar com o futuro e nem aprender com o passado.
É um comportamento autômato, de máquina, ou seja, não é humano. Pode-se questionar que se trata de uma forma de renúncia que visa o transcendental e o espiritual.
No entanto, aplicada à prática da vida diária, abre um precedente muito perigoso que nega qualquer conflito e, por isso, impede qualquer transformação.
Atualmente, vivemos a cultura da repetição. Marx diria que da farsa. Repetem-se os padrões como se não houvesse passado. Não lembramos de nada que tenha acontecido na semana passada.
Vivemos um eterno presente. Isso talvez o filme capte bem. O otimismo de Hirayama é o otimismo ocidental de quem não tem passado e não tem futuro.
No entanto, o conflito que surge de agentes externos para atrapalhar a existência contemplativa do personagem principal é suficiente para desequilibrar sua disciplina e expor sua fragilidade.
Só assim, no conflito, é que Wenders lembra que não dá para ser uma bolha. Bem no finzinho de seu filme.