O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi comunicado em junho de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), sobre denúncias de descontos indevidos aplicados em benefícios de aposentados e pensionistas em favor da Confederação Nacional de Agricultores Familiares (Conafer).
As informações constam em um ofício enviado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entidade que também representa trabalhadores rurais, e foram divulgadas pelo jornal O Globo.
Segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU), os repasses à Conafer cresceram de R$ 400 mil, em 2019, para R$ 202 milhões em 2023. Os descontos foram suspensos somente em abril deste ano, após a deflagração de uma operação da Polícia Federal que colocou a Conafer sob investigação por suspeita de desvio de recursos públicos.
O ofício da Contag, encaminhado ao então presidente do INSS, Guilherme Serrano, e ao diretor de Benefícios à época, Sebastião Faustino, detalhava diversas reclamações de beneficiários rurais que relataram descontos de mensalidades associativas à Conafer sem autorização.
No documento, a entidade afirma ter anexado extratos de pagamentos previdenciários, boletins de ocorrência e declarações dos atingidos, com o objetivo de comprovar a ausência de consentimento para filiação.
“Diante da gravidade dos fatos relatados, solicitamos ao INSS que sejam aplicadas medidas urgentes para coibir a continuidade de tal prática abusiva contra os aposentados e pensionistas rurais”, escreveu a Contag no comunicado oficial enviado ao instituto.
Procurado pela imprensa, Sebastião Faustino confirmou que recebeu o documento e que deu encaminhamento administrativo ao caso, solicitando explicações à Conafer. No entanto, ele declarou não ter conhecimento dos desdobramentos, pois deixou o cargo ainda em 2022. Guilherme Serrano e o INSS não se manifestaram.
A Conafer, em nota, declarou estar realizando uma revisão dos cadastros de associados “para identificar ocorrências de eventuais impropriedades nos processos associativos de maneira a esclarecer as autoridades sobre qualquer espécie de inconsistência conforme reportagens vêm apontando”. A entidade também afirmou prestar serviços aos associados e declarou que “colabora com as autoridades nas investigações de qualquer espécie de correção nos procedimentos”.
Em depoimento prestado à Polícia Civil do Distrito Federal, ainda em 2021, uma testemunha afirmou que a Conafer teria adulterado documentos com o objetivo de viabilizar os descontos diretamente nos benefícios previdenciários de aposentados. A declaração integra o conjunto de indícios apurados pelas autoridades.
Além da Conafer, a própria Contag tornou-se alvo da operação da Polícia Federal deflagrada no fim de abril, que investiga práticas semelhantes de descontos indevidos. A operação busca apurar irregularidades em repasses associados a entidades representativas, supostamente realizados sem o consentimento dos beneficiários.
Em nota pública, a Contag informou que também recebeu denúncias semelhantes desde 2021 e que comunicou “inúmeras vezes” o INSS e outros órgãos de controle sobre os casos. “Por isso somos projetados à investigação e apuração de todas as irregularidades e proteção dos responsáveis”, afirmou a entidade.
As investigações em curso têm como foco o possível desvio de recursos de segurados do INSS, mediante descontos irregulares associados a processos de filiação presumida a entidades representativas. A prática, segundo relatos recebidos pelos órgãos de controle, ocorre sem autorização expressa dos beneficiários e envolve a utilização de documentos com dados pessoais para adesões não consentidas.
A Polícia Federal, que coordena as apurações em conjunto com o Ministério Público Federal e a CGU, ainda não divulgou o número total de beneficiários atingidos nem o montante dos prejuízos já identificados.
Fontes envolvidas nas investigações indicam que o volume de recursos desviados pode ultrapassar os valores oficialmente repassados às entidades, devido à multiplicidade de registros de associações em nome de um mesmo beneficiário.
As entidades investigadas também poderão ser responsabilizadas civil e criminalmente, caso seja comprovado que participaram ativamente ou se beneficiaram das práticas.
O INSS, por sua vez, poderá ser chamado a prestar esclarecimentos sobre os mecanismos de autorização e controle de descontos em folha para entidades de representação, especialmente no caso de aposentados e pensionistas do meio rural.
A suspensão dos repasses foi formalizada no mês passado, após decisão administrativa do INSS baseada em relatórios de auditoria interna e nos indícios reunidos pela Polícia Federal. Não há previsão de retomada dos pagamentos enquanto durar o processo investigativo.
A CGU informou que segue monitorando o caso e que atua em conjunto com os demais órgãos envolvidos para apurar responsabilidades e recomendar medidas de controle para evitar reincidência de práticas semelhantes em outras entidades.