“Não é aquilo o que você olha que importa, mas o que você vê” – Henry David Thoreau

Muitos se perguntam como a China atingiu o desenvolvimento socioeconômico atual.

Entretanto, poucos pesquisam a história do país, tão rico do ponto de vista filosófico quanto tecnológico.

Um exemplo: enquanto o Ocidente ainda identifica feminino e masculino ao sexo, assimilando-os, erroneamente, a filosofia chinesa já percebera, há 5 mil anos, que se tratavam de dois princípios, que os têm tanto homens quanto mulheres.

O pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, resgataria esse conhecimento, no século XX (portanto, com atraso de cinco milênios, mas antes tarde do que mais tarde), nomeando ambos como animus e anima — masculino, o primeiro, feminino, o segundo, os dois lados da alma.

No entanto, nosso mindset ainda não absorveu isso: seja pela extrema-direita, que nega a questão e só admite o gênero determinado pelo sexo, seja por parte da esquerda, que identifica, também erroneamente, feminismo ao sexo feminino, quando, mais do que nunca, necessitamos de homens que sejam feministas e de meninos que para isso sejam educados. A “boa notícia” (desculpem a ironia) é que nesse campo os dois polos estão mais próximos do que enxergam, sem percebê-lo, porém.

De fato, a vida é mais rica do que a nossa indigência preconceituosa permite captar.

Vejamos um exemplo: a diplomacia africana, tida como irrelevante pelas oligarquias ocidentais, marcou mais um tento. A União Africana (cuja sede em Adis Abeba rivaliza com a da ONU em Nova York — por favor, não lembremos da nossa Celac, que não tem nem um barraco para chamar de seu) expulsou, na semana passada, o terrorista embaixador de Israel.

Demais, quase mil militares israelenses estão ameaçados de expulsão por se oporem ao genocídio em Gaza.

Militares são feitos para matar pessoas, em princípio; diplomatas, para evitar guerras e, portanto, salvar vidas, também ad limina.

Mas quantos diplomatas israelenses renunciaram a seus prestigiosos e riquíssimos cargos?

Quantos estadunidenses, responsáveis tanto pelo morticínio em Gaza quanto pela guerra comercial e patriarcal empreendida pelo chefe supremo deles?

São tempos complexos e simples, ao mesmo tempo.

No Brasil, tentam cassar um dos melhores deputados da Câmara, Glauber Braga, por responder à altura a um fascista que vilipendiou o nome de sua mãe, enferma em estado terminal.

Se até o Cristo tirou o chicote para os que conspurcavam a casa do Pai, como reprovar o comportamento do deputado do PSOL, que ademais é o autor da legislação brasileira sobre defesa civil?

Quantos naquela Casa entendem ou se interessam pelo tema, cada vez mais importante para salvar vidas, tendo em vista a velocidade e a dimensão das mudanças climáticas?

A propósito, convém lembrar Jean Paul Sartre: “A vida começa do outro lado do desespero.” Mas também Arthur Schopenhauer: “A compaixão é o fundamento da moralidade”.

Certamente, foi o desespero que fez os militares israelenses denunciarem o genocídio em Gaza e se recusarem a perpetrá-lo. Do outro lado, encontraram a vida, depois da morte, como o compatriota judeu-palestino Jesus Cristo, no Sábado de Aleluia.

Também o fizeram os diplomatas africanos, descendentes dos que sentiram na pele a “democracia, os direitos humanos e o respeito ao ser humano” que lhes devotou o Ocidente.

Com o filósofo alemão, só cabe concordar que a compaixão é o único parâmetro para a moralidade e que, se os egrégios representantes do povo não reconhecem o desespero de um filho, só podemos concluir pela imoralidade deles, não de Glauber.

Em A Biblioteca da Meia-Noite (editora Bertrand Brasil), de Matt Haig, além das oportunas citações acima encontraremos aquela de um outro africano, do Norte, o prêmio Nobel Albert Camus: “Quando me acontece alguma coisa, prefiro estar presente”.

Uma lição que nos ensinaram profundamente o Nazareno, o Che Guevara, os diplomatas africanos na União Africana, os citados militares objetores de consciência israelenses e Glauber Braga, pois uma injustiça, onde quer que seja cometida, atinge todos e cada um de nós.

Em Por uma Revolução Africana (editora Zahar), de Franz Fanon, o psiquiatra martinicano faz uma analogia perfeita entre indivíduo e sociedade e como se reage à violência das oligarquias e dos colonizadores: “O povo concreto, os homens e as mulheres, as crianças e os velhos do país colonizado se dão conta sem esforço de que existir, no sentido biológico do termo, é o mesmo que existir como povo soberano. A única saída possível, a única via de salvação para esse povo é responder de forma tão enérgica quanto possível ao empreendimento genocida contra ele conduzido”.

Fanon complementa esse pensamento: “Não se compreende o colonialismo sem a possibilidade de torturar, de violar e de massacrar…A tortura é uma modalidade das relações entre invasor e invadido”.

Sobre as oligarquias locais que torturam progressistas como Glauber, o médico caribenho tem um diagnóstico preciso: “A primeira tática dos países colonialistas consiste em se apoiar nos colaboradores oficiais e nos grandes proprietários de terras”.

Porém, a essa pobre gente rica, nos contrapomos todos e com Henry David Thoreau: “Todas as coisas boas são selvagens e livres”.

Feliz Páscoa, passagem da morte para a vida, a todas, todos e todes.

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Last Update: 14/04/2025