Na histórica semana em que celebramos a inédita condenação de três generais, um almirante, um tenente-coronel e um ex-presidente pelo crime de tentativa de golpe de Estado, finalmente, recebi a sentença judicial que anulou a minha demissão do Instituto Evandro Chagas (IEC), órgão subordinado à secretaria de Vigilância em Saúde e Meio Ambiente do Ministério da Saúde do Brasil, após anos de assédio moral, perseguição política e cerceamento de direitos, aprofundados durante o governo Bolsonaro.
Não poderia estar mais feliz, embora essas importantes conquistas, geral e particular, ainda não sejam suficientes para superarmos os riscos que rondam nossa frágil democracia e o funcionalismo que a faz funcionar. Ainda estamos longe de superar a perseguição de servidores que ousam denunciar ilegalidades, como Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde que denunciou irregularidades na compra da vacinas pelo governo de Jair Bolsonaro, que também presisou ser reintegrado ao cargo pela justiça federal. E o ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, que denunciou a obstrução de fiscalização ambiental por parte do, então, ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e foi punido com o afastamento de suas funções por 31 dias, já sob a administração do presidente Lula. Mas a desesperança e a apatia só alimentam retrocessos, precisamos encarar a realidade como ela se apresenta, para termos a chance de transformá-la, e celebrar mesmo as pequenas vitórias, para contrariar aqueles que nos querem atormentados, desmoralizados e desalentados.
Ingressei no serviço público em 2006, como servidor da, então, Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente do Governo do Pará (SECTAM); a partir de 2007, com o desmembramento do órgão, passei a atuar na Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Governo do Pará (SEDECT); até ser empossado como servidor da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2010, atuando inicialmente no Campus de Abaetetuba e, mais tarde, no Instituto de Ciências Biológicas, em Belém; lá permaneci até assumir como servidor do IEC, em 2014. Sempre ingressando via concurso público, através do Regime Jurídico Único (RJU). Em paralelo, também atuei ativamente no movimento sindical do funcionalismo, na base da FASUBRA e da CONDSEF, e como dirigente sindical do SINDTIFES e do SINTSEP-PA. Uma trajetória que me fez conhecer bem de perto a importância e os desafios do serviço público para o atendimento das demandas da sociedade e o sistemático processo de desmonte e desvalorização dos servidores, levado a cabo por diferentes governos, nas diferentes esferas, ao longo desses anos, um processo bastante aprofundado pelos governos Temer e Bolsonaro.
A ameaça que paira sobre todo o funcionalismo público, com a famigerada Reforma Administrativa, cuja tramitação avança no congresso nos trilhos de outras medidades de precarização, como a terceirização das atividades-fim instituída durante o governo Temer, e a decisão proferida pelo STF em 2024, que extinguiu a obrigatoriedade da contratação de novos servidores pelo Regime Jurídico Único (RJU), só pode ser enfrentada com disposição e ousadia coletivas. Individualismo, medo e apatia de nada nos servem!
Fui demitido em 2022, derradeiro ano do Governo Bolsonaro, sob a acusação de abandono de emprego e inassiduidade habitual, em um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que tramitou sob rito sumário, relegando o fato de que o sistema de ponto eletrônico então vigente no IEC nunca funcionou adequadamente, não cumpria as determinações da própria portaria que regulava seu funcionamento e ignorando o fato de que haviam folhas de ponto manuais assinadas pela minha chefia imediata que comprovavam minha presença no local de trabalho nos dias em que o sistema eletrônico indicava supostas faltas.
O fato é que no IEC, o mal funcionamento do sistema eletrônico de ponto vinha sendo utilizado pela gestão como ferramenta de assédio moral institucional. Quem estava nas boas graças da administração do órgão tinha seu ponto ajustado manualmente e eventuais ausências devidamente justificadas ou abonadas, enquanto dirigentes sindicais e servidores críticos à gestão eram perseguidos, tinham suas justificativas de ponto recusadas e supostas faltas sumariamente descontadas sem o devido processo de sindicância, com a finalidade de intimidação, deliberamente provocando transtornos financeiros e adoecimentos psíquicos.
Para mim, só foi possível enfrentar e vencer este duríssimo processo, graças à solidariedade de colegas e parentes que sempre estiveram ao meu lado, fosse nos comandos de greve, nas mobilizações, nas eleições do sindicado, na campanha de solidariedade que me permitiu sobreviver aos primeiros meses de demissão e contar com auxílio jurídico de excelência, ou apenas no apoio moral, que foi fundamental.
A decisão judicial anulou o referido PAD, reconhecendo a violação de meu direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa; determinando minha reintegração no prazo de 30 dias, com o restabelecimento integral dos direitos e vantagens funcionais decorrentes do cargo que eu ocupava, inclusive para fins de aposentadoria e contagem de tempo de serviço; e condenando a União Federal ao pagamento dos vencimentos, vantagens e demais parcelas remuneratórias a que tenho direito, desde a data do meu afastamento em 2022, até a minha efetiva reintegração.
Apesar da sentença judicial também conceder tutela antecipada às alegações da minha defesa, para que os efeitos da decisão judicial sejam imediatos, o processo seguirá para análise de tribunal superior, conforme estabelece o artigo 496, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece a obrigatoriedade do reexame em sentenças proferidas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, mesmo que não haja recurso da parte, garantindo a revisão de decisões que afetem o interesse público.
Sinto que a justiça foi feita e que ficou demonstrado que as acusações lançadas contra mim eram infundadas e, o mais importante, que esta vitória individual pode resultar em uma vitória coletiva. Reconhecendo que “ao manter um sistema de controle de frequência sabidamente falho, sem adotar medidas corretivas eficazes, [a administração do IEC] contribuiu para o cenário de incerteza quanto à real assiduidade do servidor”, a decisão judicial que me beneficia também pode servir de base para que outros servidores do IEC, que foram alvo da instrumentalização do sistema de ponto eletrônico como ferramenta de assédio moral, questionem juridicamente descontos e demissões indevidas, fundamentadas unicamente nos registros de um sistema, agora, reconhecidamente falho.
Serviços públicos gratuitos e de qualidade são uma conquista da sociedade brasileira que exige a valorização e a estabilidade dos servidores públicos para se concretizar. O discurso de ódio contra servidores, que parte de governos de diferentes campos do espectro político e da mídia hegemônica de forma geral, se baseia em uma lógica da miséria que justifica a retirada de direitos e o desmonte do serviço público por conta da miséria da população, em um país que está entre as maiores economias do planeta. Não avançaremos como sociedade retirando direitos dos servidores públicos, mas sim, exigindo direitos equivalentes para os trabalhadores em geral, revertentendo as reformas trabalhistas e previdenciárias que vem sendo aprofundadas pelo menos desde o Golpe parlamentar contra a presidenta Dilma, e exigindo que os bilionários paguem a conta. Sigamos! Ousar lutar, ousar vencer!