Inflação bem-comportada desmente uma corrida entre preços e salários

por Luís Carlos

A conspiração articulada a partir do gabinete do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, atingiu seu primeiro objetivo ao frear a política de redução dos juros básicos e agora parte para sua segunda etapa: emplacar o aumento daquela taxa já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), entre os dias 17 e 18 de setembro. A alegação para a mudança de rumos está na “desancoragem” das expectativas inflacionárias. Com base precisamente nas previsões para a inflação futura elaboradas pelo setor financeiro e colhidas pelo relatório Focus, ferramenta utilizada pelo BC para ouvir o mesmo mercado para saber como caminham as expectativas inflacionárias e, desta forma, alimentar as decisões do Copom sobre a política de juros.

Mas o que mostram os dados reais? Bom, o lado real da economia mostra uma inflação bem-comportada e, mais recentemente, até mesmo em baixa, a despeito do aquecimento no mercado de trabalho e dos aumentos reais dos rendimentos médios dos trabalhadores. Ao longo do primeiro semestre, a taxa de crescimento dos rendimentos reais médios habitualmente recebidos pelos trabalhadores, nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), experimentou até mesmo alguma aceleração, passando a indicar uma variação de 5,8% no segundo trimestre deste ano na comparação com o mesmo mês do ano passado, depois de ter anotado elevação de 3,1% no trimestre final de 2023, já descontada a inflação.

A taxa de inflação acumulada em 12 meses, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), havia atingido 4,62% em dezembro do ano passado e passou a anotar variação de 4,35% na medição mais recente, registrada pelo IPCA-15 de agosto. Como se pode perceber, a aceleração na taxa de crescimento dos rendimentos reais das pessoas ocupadas não gerou uma escalada inflacionária. Pelo contrário, houve mesmo uma acomodação do IPCA ao longo do período. Apenas para consideração das raras leitoras e dos raros leitores, no segundo trimestre do ano passado, os rendimentos cresciam a um ritmo anual de 6,2% para um IPCA acumulados em 12 meses na faixa de 3,16%.

Sem escalada de preços

Colocado de outra forma, os dados desautorizam previsões baseadas na volta da temível “espiral preços-salários”. Nos manuais do monetarismo clássico, um aumento persistente dos salários tenderia a disparar aumentos de preços em toda a economia, causando uma explosão inflacionária correspondente. Os indicadores disponíveis desmentem uma corrida das empresas para remarcar preços para assim fazer frente a despesas salariais crescentes. No limite, pode-se considerar mesmo que os preços finais cobrados dos consumidores têm variado ligeiramente abaixo do aumento dos salários, afastando até aqui a ameaça de uma escalada inflacionária causada por salariais persistentes ao longo do semestre. Isso não quer dizer que o conflito distributivo (ou seja, a “briga” entre trabalhadores e empresas por uma participação maior na renda nacional) teria sido abolido. Sugere apenas que as empresas não teriam encontrado espaço para repassar ao consumidor todo o aumento dos salários.

Os dados mais recentes sobre o comportamento dos preços mostram um panorama benigno, com perda de fôlego ampla para o custo de vida nas primeiras semanas de agosto. O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), registra forte desaceleração desde o começo do mês, com a taxa média de variação dos preços desabando de 0,54% na primeira quadrissemana de agosto para apenas 0,09% no período de 30 dias encerrado no dia 22 último.

E até queda

Como o indicador considera variações médias nos preços, semanalmente, pode-se considerar que, na prática, o custo de vida teria passado a anotar taxas até mesmo negativas na ponta (quer dizer, semana a semana) para explicar a desaceleração intensa observada em apenas uma quinzena. Refletindo aquela tendência, o IPC-S acumulado em 12 meses, que havia atingido 4,91% na primeira quadrissemana deste mês, recuou para 4,43% nas quatro semanas finalizadas em 22 de agosto.

Na terceira quadrissemana deste mês, conforme o instituto, três grupos de despesas ficaram no negativo, com baixas para os preços dos alimentos (menos 0,99%), da habitação (menos 0,16%, com baixa de 0,99% para a tarifa da energia residencial) e do vestuário (menos 0,13%). Além disso, a inflação dos transportes e de despesas diversas, que havia alcançado 1,53% e 1,36% na primeira quadrissemana do mês, recuou para 1,22% e 0,64%.

O IPCA-15 de agosto, aferido entre os dias 16 de julho e 14 de agosto pelo IBGE, apresentou variação de 0,19% e passou a acumular alta de 4,35% em 12 meses (abaixo do teto da meta inflacionária definida para este ano, na faixa de 4,50%). A desaceleração foi igualmente expressiva quando se considera, por exemplo, que o IPCA havia encerrado os 30 dias de julho em 0,38%, com uma variação de 4,50% em 12 meses.

As principais contribuições altistas vieram da gasolina (alta de 3,33%), do etanol (mais 5,81%), planos de saúde (0,58%), botijão de gás (1,93%), ensino superior (1,13%), serviço bancário (1,06%) e café moído (mais 3,66%). Somados, aqueles itens geraram uma inflação de 0,31%, numa elevação compensada parcialmente pelas quedas nos preços do tomate (-26,59%), da energia elétrica residencial (-0,42%), da batata-inglesa (-13,13%) e da passagem aérea (-4,63%).

Na combinação entre maiores altas e baixas, restou uma inflação de 0,14% – o que significa dizer que a variação média de todos os demais itens ficou limitada a 0,05%. Em julho, considerando a mesma composição, os demais preços na economia haviam anotado variação de 0,17%. O dado reforça a perspectiva de uma inflação sob controle e, mais do que isto, muito bem-comportada. Os chamados “serviços subjacentes” (que exclui os grupos comunicação, cursos regulares e passagens aéreas), indicador que ocupa parte das atenções do Copom a cada reunião do comitê, baixou de 0,63% nas quatro semanas de julho para 0,39% entre 16 de julho e 14 de agosto.

Luís Carlos – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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Última Atualização: 28/08/2024