São Paulo – Era uma vez o cafezal de um colégio técnico estadual paulista, produtivo, que gerava renda para a instituição, e que virou história em meio a indícios de crime ambiental. Trata-se de um terreno de 19,28 hectares, equivalente a 192.883 metros quadrados, com mais de 22 mil pés de café. Funcionava também como laboratório para os cursos técnicos da área. Ali os alunos da Etec Dr. Carolino da Motta e Silva, em Espírito Santo do Pinhal, aprendiam na prática a lidar com a cultura que ainda predomina na economia na região mogiana.
Mas o colégio técnico virou poeira desde 2021. Sem licença ambiental, a indústria Pinhalense, líder mundial no setor de equipamentos para beneficiamento de café, passou seus tratores. E ainda derrubou árvores nativas para limpar a área. O objetivo é construir novas instalações naquela área que lhe foi doada pela prefeitura em 2019, após o governo estadual transferir o domínio em 2016.
Ou seja, por causa de políticas mais preocupadas com o interesse privado do que com o público, as plantas que produziam grãos, renda para a escola pública criada na década de 1930, e conhecimento deram lugar a outra. No caso, industrial, que será erguida para dar lucro. E pelo jeito, sem a menor preocupação ambiental.
De acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), está em análise na agência um pedido da empresa. Em nota enviada à reportagem, informou que a Pinhalense S.A Máquinas Agrícolas solicitou licença prévia e de instalação para novo empreendimento na área. E que a empresa já tem autorização para o corte de árvores nativas isoladas no local.
Ainda segundo a nota enviada à RBA, informou que, “no entanto, durante vistoria realizada em 04/06/2024, foi constatado o início das obras, sem as devidas licenças ambientais e a empresa foi autuada”. E que a agência da Cetesb em São João da Boa Vista continuará acompanhando o caso e monitorando a área até a concessão das licenças solicitadas.
Licenciamento ambiental obrigatório para indústrias
O conjunto da legislação ambiental brasileira obriga toda atividade potencialmente poluidora a realizar licenciamento antes de sua instalação. Isso significa dizer que empreendimentos que vão causar danos, por menor que possam parecer, têm de ser submetidos a um rigoroso processo. E instalação de fábrica, como a da Pinhalense, não é exceção.
Assim, tem de ser submetida a um processo que começa com o licenciamento prévio. Essa etapa inicial consiste em verificar se o local está apto a receber o empreendimento. Isso inclui o completo levantamento de informações, todas documentadas, sobre a região, sua população e os impactos que serão causados.
Caso seja comprovadamente apropriado segue para a próxima etapa, o licenciamento de instalação. Consiste na exigência do detalhamento de providências que deverão ser tomadas para a terraplanagem e outras obras necessárias. Tudo levando em conta a segurança e os impactos. Só então é que vem o licenciamento de operação, para o início das atividades, também toda uma série de exigências.
Como a própria Cetesb atestou, nada disso foi feito pela Pinhalense no antigo cafezal. O descumprimento das normas pela empresa configuraria crime ambiental. Vice-presidente da associação de ex-alunos do colégio agrícola (atual Etec) Dr. Carolino, o perito ambiental Márcio Ackermann acompanha o caso desde 2021. Segundo ele, há mesmo indícios nesse sentido.
Ele teve acesso à autorização da Pinhalense para o corte de oito árvores nativas (três paineiras-rosa, dois angicos-da-mata, um ipê-roxo, um timburi e uma cabreúva amarela). Segundo contou, o documento emitido em 31 de maio em nome da Cetesb foi dado com base em informações autodeclaratórias. E não tem identificação de quem assina. “Nessa autorização houve autodeclaração de corte de árvore e ninguém se responsabiliza. Essa autodeclaração confirma a deterioração do sistema ambiental do estado de São Paulo”, disse Ackermann, que foi servidor da área ambiental estadual durante três décadas.
Cetesb não investigou indício de crime ambiental
Mas não é só isso. A destruição do cafezal da escola pública doado à fábrica de máquinas para beneficiar o café começou em 2021, sem a devida fiscalização. Agentes da Cetesb não consultaram a administração da escola para verificar de que se tratava, afinal, aquela terraplenagem anunciada falsamente como manejo no terreno para evitar incêndios.
O caso foi denunciado à polícia. O inquérito criminal, em andamento, indiciou o técnico da Cetesb. E pode acabar em condenação. O mandato da deputada estadual Marina Helou (Rede Sustentabilidade), liderança da Frente Ambientalista da Assembleia Legislativa de São Paulo, avalia oficiar o diretor de licenciamento da Cetesb, Adriano Queiroz, e o gerente da agência em São João da Boa Vista, Rodrigo Piola. O objetivo é solicitar que as obras sejam paralisadas enquanto sejam apurados os indícios de crime ambiental, com base no princípio da prevenção e de precaução.
Para o vice-presidente da associação dos ex-alunos do colégio agrícola, a paralisação das obras seria a medida mais adequada. A entidade, aliás, enviou ofício à agência regional da Cetesb elencando diversos motivos para brecar a destruição. Entre eles, um pedido de tombamento do colégio onde estudaram no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado de São Paulo.
O objetivo é que o poder público adote as medidas necessárias e legais para o restauro e preservação do colégio construído na década de 1930 para formar mão de obra qualificada para o café. A cultura agrícola e sua cadeia ainda têm grande importância na região mogiana. As edificações e o conjunto da escola, de tão relevantes para a memória de toda a cidade, já foram reconhecidos pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural de Pinhal, como a cidade é mais conhecida.
Entretanto, para a Cetesb, o fato de o pedido de tombamento estar em processo de análise no Condephaat não é suficiente. E a agência segue avaliando a concessão de licenciamento ambiental de um processo praticamente consumado.