Pesquisas de opinião são plataformas frágeis para a segurança de qualquer governo. São inúmeros fatores que afetam a percepção da população sobre o desempenho de um governante. Desde o humor do dia, a eventos pessoais ocorridos em dias anteriores à pesquisa e até noções falsas quanto ao bem-estar material podem influenciar como eleitores respondem a estas pesquisas. Por isso, é sempre importante avaliar as tendências ao longo do tempo.

A pesquisa Genial-Quaest divulgada nesta semana mostra elevação da popularidade do governo Lula. De maio para cá, a aprovação de Lula cresceu 4 pontos percentuais, atingindo 54% dos respondentes. Há vários recortes interessantes, mas quero destacar 3 que considero ilustrativos da ação simbólica do presidente e da agenda de justiça social de seu governo.

 

No geral, Lula melhorou sua avaliação na maioria dos recortes; em alguns conseguiu reverter a desaprovação e, em outros, ao menos empatou com ela. Em todas as faixas etárias, Lula tem maior aprovação do que insatisfação. Em particular na faixa de idade econômica ativa (35 anos ou mais), entre 54% e 60% reconhecem o bom desempenho do presidente. Entre os menos escolarizados, Lula detém 65% de aprovação (contra 60% em maio) e, dentre os que têm até o ensino médio, 48%. A distância reprovação/aprovação entre as pessoas que têm até ensino superior caiu de 12 pontos para 5 pontos desde maio passado, uma melhoria expressiva.

Finalmente, no recorte de renda familiar, aprovam o desempenho de Lula 69% das pessoas que ganham até 2 salários mínimos e 50% de quem ganha até 5 salários. Apenas quem ganha acima de 5 salários mínimos tem maior probabilidade de reprovar o desempenho do presidente; mesmo assim, a insatisfação deste estrato de renda caiu de 58% para 54%, e retornou ao patamar da pesquisa de fevereiro deste ano.

Estes números revelam que, no saldo líquido de erros e acertos, o presidente vem obtendo sucesso perante a população. Isso é fruto da reorientação (simbólica e administrativa) da política de governo para as prioridades da maioria da população, após 7 anos de “ponte para o passado” com Temer e Bolsonaro.

No Brasil, a desigualdade se combina com a pobreza de forma tão alarmante que, mesmo constrangido por uma dura regra fiscal, o esforço do governo em garantir redistribuição via política social gera resultados rápidos. No geral, 60% dos respondentes entendem que a economia se manteve ou melhorou nos últimos 12 meses. Como sempre, o desafio é manter o desempenho ao longo do tempo.

 

Quando observamos o recorte por renda familiar, apenas os mais pobres (até 2 salários mínimos) majoritariamente (72%) percebem melhorias ou estabilidade na economia neste período. Esta fatia cai para 55% em média entre os que ganham mais de 2 salários mínimos. Desconfio haver um elemento comum explicando esta clivagem: a inflação por faixa de renda. O relatório do Ipea para este indicador mostra que a inflação das pessoas com renda muito baixa e baixa caiu de quase pela metade: de 6% em janeiro de 2023 para 3,2%-3,4% em maio de 2024.

Fonte: IPEA (2024). Elaboração própria do autor.

As barras do gráfico acima mostram a evolução da razão entre a inflação percebida pelos muito pobres e aquela percebida pelos mais ricos. Em janeiro de 2021, ainda em meio à hesitação do governo Bolsonaro em iniciar a vacinação da população contra a Covid-19, as pessoas muito pobres suportavam uma inflação 2,2 vezes maior do que a percebida pelos ricos. Este indicador mergulhou para 0,5 em dezembro de 2023 e subiu para 0,7 em maio deste ano.

As linhas do gráfico mostram como a inflação dos mais ricos foi sistematicamente menor do que a inflação dos mais pobres ao longo do governo Bolsonaro. Este padrão é revertido no governo Lula e assim se mantém. Mesmo assim, a percepção generalizada é a de que o poder de compra caiu, conforme o gráfico abaixo.

O poder de compra mede a relação entre o crescimento da renda e o avanço da inflação. Na média, a renda real da população vem aumentando de forma robusta, com queda do desemprego e maior poder de compra. Como mostra o gráfico abaixo, a combinação da taxa de inflação e da taxa de desemprego vem reduzindo o desconforto material da população.

O desafio da popularidade reside no fato de as pessoas sentirem mais diretamente o efeito do nível de preços quando fazem compras; ou seja, as pessoas não identificam a inflação desacelerando, mas se incomodam em pagar R$ 10 por algo que antes elas compravam por R$ 8, ainda que a sua renda tenha crescido mais do que R$ 2. Preços como alimentos, combustíveis e energia elétrica chamam muita atenção, mesmo que outros preços caiam e compensem parte do encarecimento destes preços mais salientes.

Assim, a popularidade do governo dependerá de a renda da população crescer à frente da inflação e será anabolizada se a inflação dos mais pobres continuar correndo abaixo da sentida pelos mais ricos. Não à toa, a pesquisa Genial-Quaest mostra um aumento do otimismo de todos os estratos da renda com o futuro da economia.

 

Como os efeitos conjugados de inflação e desemprego em queda e renda em ascensão são menos percebidos – ainda que sejam efetivos – resta avaliar o que é percebido mais diretamente pela população. O primeiro conjunto de fatores é a política econômica e social do governo. Quem conhece os programas, tende a aprovar (linha azul) mais do que reprová-los (linha vermelha). No entanto, o fato de haver substancial desconhecimento de vários programas (linha cinza) – como Novo PAC, Desenrola, Pé de Meia e Acredita – indica a urgência de o governo aprimorar a sua comunicação.

E aqui entro no último ponto desta pesquisa: a simbologia da retórica presidencial. Note que a população se sente majoritariamente representada pelas opiniões do presidente em temas como salário mínimo, taxa de juros, isenção tributária sobre as carnes etc. Resta ao presidente encontrar o tom e a estratégia adequada de comunicação para mobilizar as dores e as aspirações da população em favor de sua agenda.

Note que um dos aspectos que mais galvanizou apoio ao governo nesta última coleta de dados a pesquisa foi o enfrentamento do Presidente às forças conservadoras da sociedade, incarnadas pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. As críticas abertas de Lula à pausa nos cortes da Selic, após Campos Neto espalhar pessimismo no mercado, mobilizaram a atenção da imprensa, das redes sociais e da população como um todo. 66% dos respondentes concordam com as críticas ao BC, no que são acompanhados por 55% dos que votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2022.

 

Lula se empolgou com a repercussão de suas falas, mas foi corretamente aconselhado a recuar e a abrandar o tom das críticas depois que a escalada do dólar e dos juros ameaçaram o futuro dos bons resultados econômicos obtidos até aqui – voltarei a este tema.

Há aqui um ensinamento importante. Se a comunicação um tanto instintiva (no caso do BC e do dólar) se traduzir em uma estratégia bem elaborada de promoção das aspirações (emprego e renda) combinada à identificação das barreiras no caminho da realização das mesmas (Campos Neto e juros altos), o governo obterá mais apoio junto à sociedade e poderá ampliar o debate de política econômica além da pesada temática fiscal que hoje monopoliza as atenções da imprensa. Se Lula conseguir isso, dará uma enorme contribuição ao seu próprio governo e à retomada da rota de desenvolvimento do país.

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Última Atualização: 11/07/2024