A eleição é dinâmica e curta, pelo menos oficialmente: comícios, corpo a corpo, publicidade. O candidato tem de se mostrar vigoroso, disposto ao trabalho e ágil mentalmente, especialmente nos debates. E tudo isso em períodos mais estreitos que no passado. Este ano, a campanha terá apenas 48 dias, dois a mais do que foi a curtíssima disputa em 2022. Menos tempo para os candidatos apresentarem propostas para seus municípios e pouco tempo para se defenderem de acusações dos adversários. Os eleitores, por sua vez, também serão menos impactados pela campanha eleitoral. Melhor para os candidatos conhecidos, pior para os que estão se apresentando como alternativas aos políticos com mais destaque público.

Se uma eleição é ágil e rápida, a Justiça é trôpega e lenta: entre o inquérito policial e a decisão do Poder Judiciário, passando pela acusação do Ministério Público, passam-se, muitas vezes, anos. E o processo pode arrastar-se ainda mais com os recursos a diferentes instâncias. Nosso caro sistema de Justiça, que é generoso com salários e benefícios aos magistrados, anda a passos de cágado ao rea­lizar o seu serviço. Em algumas situações, esse ritmo é benéfico para se fazer justiça, permitindo o rigor que um processo deve ter em um Estado de Direito. Em outras situações, contudo, pode ser terreno fértil para injustiças.

Eleições e Justiça, portanto, têm ritmos distintos. A questão é que elas se relacionam constantemente. A Polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário podem influenciar uma disputa eleitoral. De forma mais óbvia, por meio de juízes e promotores eleitorais, ou de forma menos explícita, através de matérias penais. Um exemplo foi a turma da Lava Jato, que retirou Lula da disputa presidencial em 2018, abrindo espaço para a vitória de Jair Bolsonaro. O atual presidente recuperou seus direitos políticos e sua liberdade, mas tem até hoje seu nome associado à corrupção por parcela dos eleitores.

O Judiciário nem sempre anda a passos de cágado. Condenado em tempo recorde pela Lava Jato, Lula conhece bem a lebre judicial

O caso da Lava Jato é o exemplo de que o contrário também pode acontecer. As eleições e a política influenciando o Sistema de Justiça. Restam poucas dúvidas de que alguns policiais federais, os procuradores da força-tarefa em Curitiba, o então juiz Sergio Moro e os três magistrados do TRF-4 usaram critérios não jurídicos para condenar o atual presidente da República. Com vistas a obter ganhos eleitorais, retirando Lula da corrida presidencial, até o ritmo do processo foi extraordinário. O TRF-4 deixou rastros de um tratamento excepcional dispensado a Lula. O desembargador relator elaborou voto e relatório em 56 dias úteis. Isso implicaria a leitura de, aproximadamente, 4.464 páginas dos autos por dia útil. Supondo que trabalhasse 12 horas por dia, ele teria de ler, aproximadamente, 372 páginas por hora, de forma ininterrupta. Sem pausa nem para o cafezinho! O desembargador revisor também foi expedito e liberou o julgamento em apenas sete dias úteis.

Em algumas situações, a relação entre Justiça e eleições não se dá de forma tão direta. Se no caso do presidente Lula houve uma decisão judicial, em um simulacro de um processo justo, há diversos casos em que ações ainda em trâmite são usadas politicamente. Em São Paulo, o prefeito e candidato Ricardo Nunes (MDB) reclamou do relatório da Polícia Federal que o associou a uma história de desvio de recursos de creches quando ele era vereador. O deputado federal e pré-candidato à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Alexandre Ramagem (PL), recentemente foi um dos alvos de uma operação da PF por causa de supostos monitoramentos ilegais quando ele dirigia a Abin no governo Bolsonaro. O mesmo prefeito de São Paulo está envolvido em uma acusação de agressão à sua mulher, com direito a boletim de ocorrência vazado para a imprensa. Ou seja, por mais convicção que eu ou você possamos ter sobre a culpa desses políticos, o sistema de Justiça ainda está dando os primeiros passos nesses casos.

Há situações em que mesmo a não condenação por parte do Poder Judiciário pode não ser suficiente para a decretação da inocência de um candidato no tribunal das urnas. Já tiveram repercussão, e devem ser usados como arma política, os casos de homicídio em que o Coronel Mello Araújo (PL) se viu envolvido no passado. Embora arquivada, a história do candidato a vice-prefeito na chapa de Ricardo Nunes em São Paulo tem grandes chances de vir à tona em algum momento.

Além da Justiça Comum, ainda existe a Justiça Eleitoral. Neste ramo do Ministério Público e do Poder Judiciário, a “interferência” no processo eleitoral é ainda mais direta. Juízes e promotores eleitorais podem decidir sobre diversos assuntos. Do registro de candidaturas à proclamação do resultado, passando pela publicidade e organização das eleições. Parte da projeção do ministro Alexandre de Moraes nos últimos anos deu-se no âmbito de sua atuação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não no Supremo Tribunal Federal (STF).

Eleições não são mais uma questão apenas entre candidatos e eleitores. Que as análises levem isso em conta. •


*Doutor em Ciência Política pela USP e professor da Unirio. Foi pesquisador visitante na New York University e na American University e é autor, entre outras publicações, do livro A Política no Banco dos Réus: A Operação Lava Jato e a Erosão da Democracia no Brasil, escrito em parceria com Marjorie Marona.

Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br

Publicado na edição n° 1324 de CartaCapital, em 21 de agosto de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ponteiros desajustados’

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Última Atualização: 15/08/2024