A Índia e o Paquistão – dois gigantes do Sul da Ásia que, juntos, têm uma população de quase 2 bilhões de pessoas – nunca estiveram perto de se entender. Desde que os Estados foram criados, em 1947, ambos mantêm relações tensas em razão da divisão gerada pelo fim da colonização britânica.
Por estarem sempre tentando reivindicar o controle da Caxemira, uma região de maioria muçulmana majoritariamente dominada pela Índia, os dois países já entraram em conflitos sangrentos no final da década de 1940, em 1965, no início da década de 1970 e em 1999. Alguns milhares de cidadãos morreram de lá para cá.
Agora, esse entrevero ganha um novo capítulo e pode descambar em uma guerra, agravando o já tenso cenário conflituoso destes tempos de mortandade entre Rússia e Ucrânia, e entre Israel e Palestina.
Nesta quarta-feira 7, a Índia lançou ataques com mísseis contra várias áreas do Paquistão, incluindo a parte paquistanesa da Caxemira. A população despertou com o barulho das explosões e viu de perto os sinais da guerra iminente. Segundo autoridades locais, 12 pessoas morreram e outras 38 ficaram feridas na ação que culmina o estado de apreensão crescente.
Operação Sindoor
Nova Deli diz que agiu em retaliação a um ataque feito pelo Paquistão no último dia 22 de abril, quando militares abriram fogo contra turistas que visitavam a cidade de Pahalgam, na Caxemira indiana, e mataram 26 pessoas. O Paquistão negou envolvimento nos ataques do mês passado, mas já se preparava para um revide indiano.
O ataque indiano durou 25 minutos e teve como alvo aquilo que a própria Índia chamou de “infraestrutura terrorista” pertencente a dois grupos militares: o Lashkar-e-Tayyiba e o Jaish-e-Mohammed. É na Caxemira que, segundo a Índia, os ataques paquistaneses seriam planejados.
“Nossas ações foram focadas, ponderadas e não tiveram a intenção de escalar. Nenhuma instalação militar paquistanesa foi atacada. A Índia demonstrou considerável contenção na seleção de alvos e no método de execução”, disse o governo.
Se a intenção não era levar o conflito a uma escalada, a Índia pode não ter conseguido o seu objetivo, uma vez que o Paquistão reagiu de imediato, abrindo fogo na região fronteiriça e abatendo cinco caças indianos. O primeiro-ministro paquistanês, Shebaz Sharif, chamou os ataques indianos de “ato de guerra” e teria autorizado uma resposta à altura.
No jogo retórico de empurra-empurra, sem que os dois lados assumam responsabilidades reais sobre a real intenção do conflito, vidas vão sendo perdidas. Vidas, aliás, que podem não ter nenhuma relação com o que se passa: segundo Ahmed Sharif Chaudhry, porta-voz do exército paquistanês, há adolescentes e crianças entre os mortos.
Outro sinal da escalada está no fato de que os ataques levaram a reações rápidas de lideranças de outros países, que, diante das explosões, pedem prudência. Donald Trump, o loquaz presidente dos Estados Unidos, despachou o tema ao ser perguntado. “Só espero que isso acabe logo”, afirmou o mandatário republicano. Um porta-voz da secretaria-geral das Nações Unidas foi mais enfático, dizendo que António Guterres está “muito preocupado com as operações militares indianas”. Rússia, China e Reino Unido também mostraram preocupação.
O acirramento da disputa tem consequências que vão além dos ataques. Afetando, principalmente, a população. Na Caxemira indiana, por exemplo, as autoridades já exigiram que os cidadãos abandonem áreas consideradas perigosas. Segundo o governo indiano, eles devem ser acomodados e receber comida e remédio. Além disso, parte do espaço aéreo do Paquistão está fechado.
O estrangulamento também é levado a cabo pelo corte de água. Essa estratégia tem sido usada pela Índia, uma vez que os rios que abastecem o Paquistão nascem no país vizinho. “A água que pertence à Índia e que até agora fluía para fora será retida para servir aos nossos interesses e será utilizada dentro do país”, já disse Narendra Modi, primeiro-ministro indiano.
Armas nucleares, o principal risco
A inquietude pelo conflito entre Índia e Paquistão ganha um contorno ainda mais grave pelo fato de que os dois países possuem armas nucleares. No passado, quando ambos entraram em disputa em Kargil, no noroeste da Índia, em 1999, o mundo entrou em alarme por esse risco.
Agora, deve-se pesar que Índia e Paquistão têm respectivamente, o sexto e o sétimo maiores arsenais nucleares do mundo, segundo dados da Federação de Cientistas Americanos (FAS). Como poucos países no mundo detêm armas dessa natureza – são nove, no total –, uma eventual guerra entre dois membros desse clube gera ainda mais preocupação.
Em números, a Índia tem 180 ogivas, enquanto o Paquistão ostenta 170 ogivas. Cravar que os países vão usar armas nucleares seria arriscado demais diante da incerteza atual, mas as chances, no momento, não são consideradas tão altas. Os dois países têm ogivas consideradas “em reserva”, uma outra forma de dizer que elas exigem preparação para serem usadas. Lançar mão de armas nucleares nessas condições não é um processo simples e imediato.
Os motivos da disputa
A querela entre Índia e Paquistão, como mencionado, é histórica e tem a ver com disputa por território. Mas a Caxemira não é um pedaço de terra qualquer. Além de dividida, ela é profundamente militarizada. Nesse campo minado, a Índia não abre mão da acusação de que a inteligência tática supostamente terrorista do Paquistão age por lá, o que, por óbvio, é negado por Islamabad.
O cérebro do ataque atribuído ao Paquistão em abril seria, segundo a Índia, o jihadista Lashkar-e-Tayyiba. Essa mesma organização é suspeita de ter realizado um ataque em Mumbai, na Índia, em 2008, que matou 166 pessoas.
Se foi a História que fez a Índia e o Paquistão chegarem ao estado atual de disputa, essa mesma História conta que, apesar das tantas mortes, os quatro grandes episódios conflituosos não levaram os dois países a entrarem em guerra. Resta saber se essa premissa vai ou não se confirmar, daqui em diante.