Por Kátia Marko
Na manhã desta última quarta-feira (31/7), o projeto Mulheres da Terra inaugurou no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), um viveiro de mudas de árvores nativas, muitas delas ameaçadas de extinção. Fruto de um sonho comunitário de mulheres assentadas, o objetivo é identificar, catalogar, coletar e semear as sementes de árvores matrizes do território em quintais agroflorestais e áreas degradadas.
O grupo das Mulheres da Terra já existe há 23 anos, quase o mesmo tempo em que o assentamento, mas o projeto “Mulheres da Terra: Plantando Água” nasceu em 2023. Conta com a parceria do MST, do Fundo Casa Socioambiental, da Associação dos Moradores Assentamento Novo Horizonte (AMANH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.
A assentada Isabel Cristina Ribeiro Dalenogare, do Grupo Mulheres da Terra, agradeceu a todos que, de todas as formas, apoiaram “nessa resistência e nessa teimosia, porque também é uma teimosia”.
“O Grupo Mulheres da Terra tem essa história dentro deste assentamento há 26 anos. A Teca está há 23 anos. Já passamos por muitos desafios ao longo dessa história. Recebemos cartas dizendo que não fazíamos parte do público que receberia assistência técnica. E nós, teimosas, dissemos: Nós vamos discutir produção dentro desse assentamento e geração de renda para as mulheres.”
Cris, como é conhecida, reforçou que nesse momento que estamos vivendo de busca do bem viver, de cuidado com a terra, cuidado com nosso território, “nós, enquanto mulheres, do território onde vivemos, cuidamos desse bem comum, que é a terra, nosso chão que nos sustenta, de onde tiramos não só sustento para viver, mas também nosso sustento alimentar, para nosso corpo físico e espiritual”.
Lembrou, ainda, que ao longo do caminho, contaram com muitas mãos amigas e mentes que as provocaram. E agradeceu a Rumi e o Adilson [Ferrari]: “Vocês são nossos padrinhos. Adilson plantou a primeira semente do viveiro e disse: ‘Mulheres, vocês têm que ter essa autonomia. Não é só a semente criada; nós também temos as mudas. É nós que cuidamos’. E Rumi, incansavelmente, comigo lá, dizendo que precisávamos de apoio técnico. Batemos em várias portas e conseguimos, junto com todo o corpo da UFRGS, esse apoio técnico tão necessário para nós. Como agricultoras, sabemos muito, mas precisamos desse apoio. Adilson é um cara que conhecemos como mateiro, conhece tudo sobre árvores e a natureza.”
A dirigente estadual do MST Gabriela Severo afirmou que a criação do viveiro é uma grande responsabilidade para o movimento no Rio Grande do Sul, especialmente na região Metropolitana.
“Estamos aqui hoje com outras companheiras e companheiros da direção estadual, do setor de produção, gênero, educação, ACOCIAG, COOTAP, e várias outras forças vivas da nossa região. Viemos dizer que estamos juntos com essa proposta de plantar árvores. Esse viveiro é um sonho cultivado a muitas mãos, e, com certeza, a simbologia e o significado são imensos, especialmente após essa catástrofe ambiental que se instalou no Rio Grande do Sul. Ter a grandiosidade de inaugurar um viveiro é algo a ser celebrado”, ressaltou.
Exemplo de resistência e superação
A iniciativa faz parte do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, lançado em 2020 pelo MST em todo o Brasil. O plano tem como objetivos plantar 100 milhões de árvores em dez anos nas escolas do campo, cooperativas, centros de formação técnica, praças, avenidas e nas cidades, fortalecer a produção de alimentos saudáveis nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST, denunciar o modelo destrutivo do agronegócio e seus impactos ao meio ambiente.
Álvaro Delatorre, responsável no RS pelo plano, destacou o exemplo de resistência e superação do Grupo Mulheres da Terra. “Por que de resistência e superação? Porque a resistência vem da politização. A resistência é um ato e uma atitude consciente sobre toda a problemática ambiental que afeta os diferentes continentes do nosso planeta. E a superação vem da atitude.”
O viveiro fica na área de Maria Nedi Gomes da Rosa, que em dezembro completa 26 anos como assentada da Reforma Agrária. Ela cedeu uma parte da sua área de cinco hectares, que já conta com uma grande mata nativa.
“Este é um dia imensamente especial para mim. Quando nos reunimos, o grupo de mulheres perguntou: ‘Quem está disposta a ceder um espaço para o viveiro?’ Eu disse: ‘Todo o meu espaço está disponível, se vocês quiserem’. Esse é o meu compromisso. Eu tenho compromisso com plantar comida? Sim, tenho. Tenho compromisso de cuidar dos animais que recolho da rua? Hoje, tenho 30 cães. Tenho, mas meu principal compromisso é reflorestar, é plantar árvores”, contou emocionada.
Maria participa do grupo desde o princípio, há quase 23 anos. Segundo ela, algumas mulheres saem, outras vêm, “mas algumas sempre se mantêm firmes e fortes, e eu sou uma delas”. E, completa, que a construção do viveiro as ensinou a superar as diferenças por uma causa maior.
Deputado destaca protagonismo do MST
O deputado estadual Adão Pretto Filho (PT/RS) esteve na inauguração e reiterou a necessidade de uma maior preocupação com o meio ambiente, especialmente após uma catástrofe, como as enchentes que devastaram parte do Rio Grande do Sul. Durante a atividade, o deputado lembrou que o MST é protagonista no desenvolvimento de iniciativas de preservação ambiental.
“Precisamos cada vez mais incorporar a agenda ambiental em nosso dia a dia. Basta ver as respostas da natureza nos últimos anos. Teve estiagem, enchentes, ciclones, tudo em um curto espaço de tempo. Precisamos agir, e somente com mais ações como essa, do projeto Mulheres da Terra, é que poderemos pensar em um futuro melhor para nossas famílias”, disse.
*Editado por Wesley Lima