Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

Os fascistas não gostam de ser zoados.
O termo “zoar” tem dois significados principais: o primeiro é o sentido literal, de fazer barulho ou soar, e o segundo é o sentido informal, mais comum, de caçoar, brincar ou debochar de alguém.
Não é tão fácil como pensamos definir um fascista.
De modo geral, é um títere, um pequeno tirano, um tiróide.
O que eles têm em comum é o mau humor, são sérios e reverentes e exigem também seriedade e reverência de todos.
A questão é que geralmente carregam características ridículas. Um bigodinho, um bigodão, um defeito de fala, um boné, uma farda, uma esposa estravagante como a do ditador das Filipinas, Ferdinand Marcos, Imelda, que tinha a maior coleção de sapatos do mundo, uma altivez e uma auto imagem que sempre procura pela adoração servil de seus correligionários. Geralmente são populistas. Arrebatadores de almas com promessas ridículas.
Aí podemos aplicar o termo fascista, que é o fascio, o feixe de seguidores reverencial que aplaudem seu líder. Por extensão, seus seguidores fascistas também se tornam severos e sérios imunes a qualquer forma de humor.
Se alguém se atreve a irreverenciá-los, troçando de seus empertigados resmungos, perseguem, encarceram ou exilam seus maus humoristas.
Antonio Prohias (1921-1998) foi um cartunista cubano que sabia como irritar ditadores.
Foi tão contumaz nas tiras contra Fulgêncio Batista que quando Fidel Castro tomou o poder, o homenageou. Mas durou pouco seu apreço por Fidel, pois logo foi o próprio Fidel quem sofreu da irreverência de Prohias. Com seu estilo canônico, Fidel o acusou de espião e ele teve que rapar o beco, como se dizia então.
Logo entendeu que não havia senão fascistas no mundo da guerra fria e num ímpeto de pura genialidade, criou a maior irreverência contra um mundo dividido por fascistas.
Spay vs Spay é uma obra prima que prova que um bom humorista não se encolhe, mas se abre diante do poder.
Com sua carreira profissional no limbo, Prohías deixou Cuba para Nova York em 1º de maio de 1960, trabalhando em uma fábrica de roupas durante o dia e construindo um portfólio de quadrinhos para Mad à noite. Dez semanas depois, ele entrou nos escritórios de Mad sem ser anunciado. Ele não falava inglês, mas sua filha Marta atuou como intérprete para ele. Antes de partir, ele tinha um cheque de US$ 800 e vendeu seus três primeiros desenhos animados Spy vs. Spy para Mad . No final de 1986, ele vendeu sua 241ª e última tira de Spy antes de se aposentar devido a uma doença. Prohías também escreveu e desenhou seis coleções de bolso apresentando os Spies. Durante uma entrevista com o Miami Herald em 1983, Prohías se regozijou: “A vingança mais doce foi transformar a acusação de Fidel de que eu era um espião em um empreendimento lucrativo.”
No Brasil do regime militar, O Pasquim foi um semanário alternativo brasileiro, de característica paradoxal, editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, reconhecido pelo diálogo entre o cenário da contracultura da década de 1960 e por seu papel de oposição ao regime militar.

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Na capa da edição 300, abaixo do logotipo, o editor Millôr Fernandes publicou um de seus mais famosos aforismos: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”. No editorial intitulado “Sem Censura”, contou aos leitores que o jornal estava liberado do exame prévio dos textos e ilustrações, mas concluiu com uma advertência: “Sem censura não quer dizer com liberdade”. Foi um teste para os limites da “distensão”.

Essa frase, “Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”, hoje parece peça de museu. Um vestígio de quando jornalismo era trincheira, não vitrine de supermercado.
Se Millôr vivesse agora, talvez trocasse o armazém por marketplace de conveniências ideológicas, porque o que se vê são manchetes mornas embalando narrativas à venda, embrulhadas a vácuo, bem empacotadas para não ferir patrocinador, partido ou algoritmo.
A imprensa que devia zoar os fascistas, hoje pede licença para publicar a pauta. Faz reunião com os mesmos tiróides que devia enfrentar. Troca a denúncia pelo publieditorial, a crítica pela cobertura neutra, que de neutra só tem a covardia. E quanto mais grave o silêncio, mais alto tocam a vinheta.
Enquanto os fascistas afinam seus bigodes e afiam a retórica, grande parte da mídia se maquia para parecer plural, mas por dentro já se rendeu. Vira o rosto, omite o contexto e ainda posa de imparcial. Mas imparcialidade nenhuma sobrevive à omissão.
E o humor, que era ferramenta de ruptura, virou meme de engajamento. Prohias hoje seria cancelado, confundido com influencer ou bloqueado por violação das diretrizes da comunidade. Zoar o poder virou infração. E quem tenta, dança. Sozinho.
No fim, só resta uma pergunta incômoda. Quantos desses veículos que se dizem jornalismo sobreviveriam sem publicidade estatal ou banco amigo? Poucos! O resto é armazém e dos mais secos.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

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Last Update: 03/08/2025