A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro e seus aliados, enviada ao Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (18), aponta que a disseminação de desinformação teve papel central na tentativa de golpe. A Jovem Pan, influenciadores digitais e blogueiros bolsonaristas foram usados como veículos para desacreditar as eleições, pressionar militares e justificar uma intervenção. 

O esquema era operado pelo Núcleo de Inteligência e Segurança, liderado por Alexandre Ramagem e Filipe Martins, responsáveis por coordenar campanhas de ataques a instituições e a opositores políticos. A Procuradoria divide as ações golpistas em cinco núcleos.

A PGR detalha que a Jovem Pan utilizou sua concessão pública para amplificar falsas alegações de fraude eleitoral e entrevistas com militares alinhados ao plano golpista. Segundo a denúncia, a emissora foi um dos principais meios de pressão sobre as Forças Armadas, disseminando dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas e atacando ministros do STF e generais que resistiram à conspiração.

A emissora veiculou, de forma recorrente, discursos que endossavam a tese de que Bolsonaro teria sido vítima de um “sistema” que impediu sua reeleição. 

A denúncia detalha que a Jovem Pan atuou na “propagação de informações falsas sobre as eleições e na deslegitimação dos resultados, promovendo a falsa narrativa de que o pleito foi fraudado e que o sistema eleitoral brasileiro não era confiável”.

Segundo a peça do procurador-geral da República, Paulo Gonet, em uma transmissão do programa Os Pingos nos Is, veiculada em 4 de agosto de 2021, Jair Bolsonaro fez uma live ao vivo na Jovem Pan afirmando que “o código-fonte das urnas eletrônicas de 2018 teria sido acessado por um hacker, que poderia ter interferido no resultado do pleito”. 

Além disso, Bolsonaro acusou o Tribunal Superior Eleitoral  (TSE) de “destruir ou ocultar provas sobre os fatos”.

A denúncia da PGR também aponta que comentaristas da Jovem Pan, alinhados ao ex-presidente, atacaram ministros do STF e TSE, buscando enfraquecer sua credibilidade.

“Os denunciados utilizaram a imprensa bolsonarista como ferramenta de ataque sistemático contra ministros do STF e TSE, incentivando a desobediência institucional e a insatisfação popular”.

O discurso difundido pelos aliados de Bolsonaro por meio da imprensa incluía ataques diretos ao ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE à época, com a alegação de que ele “nunca poderia ter presidido o tribunal por ter vínculos políticos com Geraldo Alckmin”.

A estratégia incluía a difusão de desinformação sobre vulnerabilidades inexistentes no sistema eleitoral e a propagação de dúvidas sobre a lisura das eleições, mesmo após a derrota de Bolsonaro. A PGR destaca que a Jovem Pan “viabilizou e fortaleceu o ambiente de descrédito que culminou na tentativa de golpe”.

Outros veículos da imprensa bolsonarista também participaram desse esforço. A Revista Oeste publicou conteúdos que reforçavam a tese de que Lula havia vencido de forma ilegítima, enquanto canais alternativos, como o Terça Livre, ajudaram a espalhar a teoria da fraude eleitoral.

Influenciadores e blogueiros bolsonaristas: pressão e radicalização

Além da imprensa tradicional, a denúncia destaca o papel de influenciadores e blogueiros de extrema direita. Fernando Cerimedo, influenciador argentino, produziu vídeos amplamente compartilhados que alegavam fraude eleitoral. 

A PGR aponta que aliados do ex-presidente compartilharam a live de Cerimedo contendo fake news sobre as eleições de 2022, com o objetivo de incentivar as manifestações que ocorriam nos quartéis logo após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno.

Essa divulgação foi liderada principalmente pelo tenente-coronel Marques Almeida, um dos denunciados pela PGR. A denúncia indica que Almeida foi responsável por compartilhar vídeos com cortes da live para amplificar o conteúdo falso. 

“Hoje, depois desse vídeo, eu acho que as manifestações não voltam mais, o pessoal não volta mais pra casa”, escreveu Almeida em uma troca de mensagens incluída na denúncia

Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro e integrante do “Gabinete do Ódio”, também é apontado na denúncia como um dos responsáveis por coordenar campanhas de desinformação contra ministros do STF e figuras da oposição.

“As investigações revelaram que Tércio Arnaud Tomaz, valendo-se de sua posição de assessor direto de Jair Bolsonaro, operou como peça-chave na disseminação de informações falsas e na coordenação de ataques a adversários políticos”, diz a peça.

A denúncia aponta que Tércio Arnaud Tomaz compartilhou com Mauro Cid um link contendo a íntegra da live de Fernando Cerimedo, “com o objetivo de amplificar a desinformação e consolidar a tese da fraude eleitoral”.

Outros nomes citados na denúncia incluem Filipe Martins, que articulou a estratégia digital para descredibilizar o sistema eleitoral e fomentar a radicalização da base bolsonarista. O esquema envolvia o uso de bots, ataques orquestrados nas redes sociais e campanhas de difamação contra opositores.

A disseminação da fake news para fomentar o golpe

O esquema de desinformação tinha como objetivo gerar um ambiente de caos e desconfiança que justificasse a permanência de Bolsonaro no poder. A PGR detalha que a disseminação das fake news envolveu:

  • A manipulação do relatório das Forças Armadas, sugerindo inconsistências inexistentes.
  • A criação de campanhas digitais para amplificar o discurso de fraude.
  • O ataque direto a opositores, com campanhas coordenadas de difamação.

Em um dos trechos da denúncia, a PGR afirma que “os denunciados utilizaram-se de ferramentas de redes sociais e mídias alternativas para propagar desinformação, visando gerar instabilidade institucional e deslegitimar o processo eleitoral”.

Ataques ao STF, TSE e militares resistentes

A denúncia também destaca que a campanha de desinformação não se restringiu ao ambiente digital. Ministros do STF foram alvos de campanhas de difamação, com o objetivo de minar sua autoridade e forçá-los a acatar medidas que favorecessem Bolsonaro. Luís Roberto Barroso, por exemplo, foi falsamente associado ao crime organizado em diversas postagens e matérias veiculadas pela imprensa bolsonarista.

Além disso, generais que resistiram à conspiração foram publicamente atacados. O então comandante do Exército, Tomás Paiva, foi alvo de campanhas coordenadas para forçá-lo a aderir ao golpe. As redes bolsonaristas espalharam conteúdos que o acusavam de traição, tentando pressioná-lo a mudar de posição.

“”Os denunciados buscaram descredibilizar e atacar publicamente o General Tomás Paiva, disseminando mensagens falsas sobre sua atuação para enfraquecer sua posição dentro do Exército”, diz a peça.

“A mensagem retratava o General Tomás Paiva como opositor do movimento golpista, com o objetivo de atingir sua reputação. Braga Netto orientou Ailton Gonçalves Moraes Barros a disseminar a ‘notícia’ e afirmou: ‘É verdade. Pode viralizar’”, prossegue a denúncia.

O Gabinete do Ódio operou ativamente na radicalização digital, coordenando ataques massivos contra adversários políticos e impulsionando hashtags e conteúdos que instigavam a população a questionar o resultado das eleições. Entre as principais táticas utilizadas estavam:

  • Amplificação de narrativas falsas por meio de robôs;
  • Monitoramento ilegal de opositores pela Abin;
  • Ataques sistemáticos contra ministros do STF e generais legalistas

Impactos e desdobramentos

A denúncia da PGR pode levar à responsabilização criminal de influenciadores, jornalistas e veículos de comunicação que participaram da campanha de desinformação. Além disso, investigações sobre o financiamento dessas redes podem revelar mais detalhes sobre os patrocinadores da tentativa de golpe.

O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral seguem acompanhando o papel da imprensa bolsonarista na tentativa de golpe e podem adotar medidas mais rígidas contra a desinformação.

A denúncia da PGR demonstra que a máquina de desinformação bolsonarista foi essencial para viabilizar a tentativa de golpe. O uso sistemático de fake news, manipulação midiática e pressão sobre militares foram elementos estruturais do plano para manter Bolsonaro no poder. Agora, cabe ao STF avaliar as consequências jurídicas dessa estratégia de ataque à democracia.

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Last Update: 20/02/2025