Em uma nova escalada da tensão comercial entre Estados Unidos e Brasil, a importadora americana Johanna Foods e sua subsidiária, a Johanna Beverage Company, protocolaram no Tribunal de Comércio Internacional (CIT) um pedido emergencial contra a tarifa de 50% imposta pelo ex-presidente Donald Trump sobre o suco de laranja brasileiro. A medida, prevista para entrar em vigor em 1.º de agosto, é considerada uma ameaça “existencial” ao negócio da companhia, segundo os advogados.
As empresas pedem à Justiça americana uma ordem de restrição temporária, uma liminar e uma medida cautelar permanente para impedir que a tarifa seja aplicada. O processo judicial sustenta que a imposição da tarifa viola a legislação comercial dos EUA, não se enquadra nos dispositivos legais da Seção 301 nem na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA).
“Ameaça existencial” e preços em alta
Em um extenso documento de 160 páginas, Johanna Foods argumenta que a nova tarifa acarretaria custos adicionais de US$ 68 milhões em apenas 12 meses, superando todos os lucros anuais da empresa em três décadas de atuação. O impacto direto para os consumidores seria uma alta de 20% a 25% no preço do suco de laranja nos supermercados americanos.
A empresa, uma das maiores fornecedoras de sucos para redes como Walmart, Aldi, Sam’s Club e Wegmans, afirma que não há alternativa viável à matéria-prima brasileira. A produção nacional de laranja nos EUA, especialmente na Flórida, sofre com doenças nos pomares, furacões e urbanização crescente. “Não há fornecimento suficiente, nem com a mesma qualidade”, diz a petição.
Carta informal, tarifa formal?
O cerne do argumento jurídico está na legalidade do ato presidencial. A Johanna Foods contesta a validade de uma carta enviada por Donald Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de julho, na qual o ex-presidente americano afirma que a taxação se deve ao “tratamento dado a Bolsonaro” e à “relação injusta” entre os países. Para a empresa, a carta não constitui uma ordem executiva formal, tampouco declara uma “emergência nacional” que justificasse a invocação da IEEPA.
“A carta menciona eventos antigos e não apresenta uma ameaça econômica emergente”, diz o documento. Sem base jurídica, afirmam os advogados, a tarifa seria inconstitucional e arbitrária, violando o equilíbrio de poderes entre Executivo e Congresso nos EUA.
Brasil recorre à OMC e articula reação global
Do lado brasileiro, a reação também se intensificou no plano diplomático. Em Genebra, o embaixador Philip Fox-Drummond Gough criticou as tarifas de Trump como “medidas unilaterais arbitrárias” e um instrumento ilegítimo de coerção internacional. A manifestação ocorreu durante sessão do Conselho Geral da OMC, em que o Brasil inseriu o tema “Respeito ao Sistema Multilateral de Comércio Baseado em Regras” na agenda.
“Caso as negociações fracassem, recorreremos a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo — e isso inclui o sistema de solução de controvérsias da OMC”, disse Gough.
O diplomata brasileiro também propôs uma aliança entre países em desenvolvimento para reagir à proliferação de tarifas unilaterais por grandes potências.
Impacto direto no café da manhã americano
O Brasil é responsável por mais de 50% de todo o suco de laranja consumido nos EUA e por 75% das exportações globais do produto. A depender da decisão judicial, a tarifa pode ter efeitos dramáticos na cadeia produtiva de sucos nos Estados Unidos, tanto para os importadores quanto para os consumidores finais.
“A medida ameaça um produto básico do café da manhã americano”, alerta a empresa no processo.
A tarifa também pode afetar 685 empregos diretos mantidos pela Johanna Foods em Nova Jersey e Washington. Como importadora e co-fabricante de marcas próprias para grandes varejistas, a empresa afirma ser um “pilar da cadeia nacional de fornecimento de suco de laranja”.
Tarifa como arma política: a marca registrada de Trump
O caso se soma a outras ações judiciais contra a política comercial de Trump, marcada pelo uso frequente de tarifas como ferramenta de pressão diplomática. O ex-presidente já ameaçou ou impôs tarifas a países como China, México, Canadá e Colômbia por questões que vão de comércio a imigração.
No caso brasileiro, porém, a motivação explicitada na carta — o “tratamento injusto” dado a Bolsonaro, aliado ideológico de Trump — levanta o questionamento mais sério: estaria o ex-presidente usando a política tarifária como instrumento de retaliação ideológica internacional?
O que esperar?
A Corte de Comércio Internacional dos EUA deve julgar ainda neste mês os pedidos de liminar e medida cautelar. Paralelamente, o governo brasileiro monitora a situação e prepara uma possível disputa formal na OMC, caso as tarifas sejam mantidas.
Independentemente do desfecho jurídico, o episódio expõe os riscos de instabilidade comercial causados por decisões unilaterais e reforça a necessidade de mecanismos multilaterais fortes e funcionais — uma bandeira que o Brasil tem levantado com ênfase nos fóruns internacionais.