Na sua nova empreitada de frente única com o imperialismo norte-americano, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) mergulhou de cabeça na campanha contra os chineses. No dia 15 de maio, foi publicado no jornal Opinião Socialista uma matéria, de autoria de Diego Cruz, com o título Um negócio da China? Lula oferece o Brasil ao capital imperialista chinês.

No dia 23, no mesmo jornal foi publicado o editorial Governo chinês e Lula não são alternativas para os trabalhadores. Há ainda diversos vídeos de seu militante Gustavo Machado em canal no YouTube procurando demonstrar a existência do “imperialismo chinês”, tendo como magnum opus uma peça com nada menos do que duas horas e trinta minutos.

No artigo de 15 de maio, Cruz termina a introdução de sua matéria colocando as seguintes perguntas:

“As promessas e acordos de investimentos chineses no Brasil seriam, mesmo, uma medida progressista já que, supostamente, se contrapõem ao imperialismo norte-americano? Seria capaz também de desenvolver o país e gerar empregos e rendas para todos?”

A resposta da primeira delas já se encontra no título da matéria: ainda que na prática a frente única com o imperialismo seja uma constante da atuação do PSTU nos últimos 15 anos, na fraseologia marxista adotada, o imperialismo ainda é o inimigo. A da segunda na passagem:

“Um investimento não é uma doação altruísta realizada pela China em prol do desenvolvimento de determinado país. É o contrário, uma relação de exploração, com o objetivo de extrair as riquezas produzidas pela classe trabalhadora, como ocorre em qualquer relação imperialista.

Exemplo evidente dessa relação é a pilhagem realizada pela China na África. Nos últimos 20 anos o continente recebeu uma enxurrada de investimentos chineses em infraestrutura, como estradas, ferrovias e portos.”

A pergunta, no entanto, não tem muito cabimento. Vivemos sob o regime capitalista global, no qual as relações econômicas entre os diferentes estados, empresas, e etc., se dá por meio de empreendimentos capitalistas, ou seja, empreendimentos visando o lucro. Assim, é invariável que o país mais “forte” seja privilegiado em suas relações com os países mais “fracos”. O Brasil, por exemplo, ocupa uma posição de primazia sobre os demais países sul-americanos, e hoje nem o mais aloprado esquerdista poderia argumentar se tratar de um país “sub-imperialista”.

É de se perguntar quais os investimentos realizados pelos países imperialistas na África, qual a razão, por exemplo, do levante generalizado dos militares africanos no Oeste africano contra os franceses, que, por exemplo, “compravam” o urânio nigerino por 2% do preço de mercado. Ainda que muitos destes tenham sido treinados pelo Africom norte-americano, com o desenvolvimento e aprofundamento da luta de libertação nacional, esses governos nacionalistas africanos, em geral, buscam se aproximar dos russos e dos chineses, seria por se tratar de melhores condições nas relações? Ou o imperialismo chinês estaria em ação?

Com essa observação em mente, prossigamos com o seguinte trecho do texto de Cruz:

“[…] esconde-se a entrega do Brasil ao capital chinês. […] o aprofundamento do retrocesso do país na divisão internacional do trabalho (com a reprimarização relativa da economia, e o aumento das exportações de commodities), a desnacionalização cada vez maior da economia (com a compra de empresas e privatização de setores estratégicos ao capital chinês) e a perda da soberania diante de uma potência capitalista em ascensão.”

Não fosse a presença de qualificadores como “aprofundamento” e “cada vez maior”, poderíamos nos enganar de que o desenvolvimento econômico brasileiro alçava vôos estratosféricos antes da intervenção dos chineses na economia nacional. É notório que os principais entraves no desenvolvimento nacional tem origem na crise de 1973 e no choque neoliberal dos anos 1990, ou seja, muito antes de a China ter um desenvolvimento capitalista superior ao do próprio Brasil. Se refinarias de petróleo foram entregues até à Arábia Saudita, assim aprofundando a posição brasileira de fazenda do mundo, não é devido ao capital chinês.

Machado traz os exemplos concretos: a State Grid Corporation tem aproximadamente 84% das ações na CPFL Energia, a China Three Gorges tem uma subsidiária no Brasil a CTG Brasil, a CCCC comprou 80% das ações da Concremat no valor de R$ 300 milhões em 2016, a China Merchants Ports detém 90% do Terminal de Contêineres Paranaguá, a COFCO adquiriu o controle da Nidera Sementes e da Noble Agri, a Didi Chuxing comprou a 99Taxi, e traz outros exemplos menos concretos citando CNOOC, Bank of China, HNA Group, PetroChina, Sinopec, CRCC e Shanghai Eletric Group.

Efetivamente, a exportação de capital de origem chinesa ao Brasil nos últimos quinze anos, particularmente nos setores de energia e infraestrutura, é substancial, rivalizando em volume com o norte-americano. É de se perguntar, no entanto, se o envolvimento econômico é tal que a China controla em alguma medida a economia e a política nacional. Desse ponto de vista, a diferença qualitativa entre os países imperialistas, principalmente os EUA, e os chineses é absolutamente inquestionável.

Se ignorado o aspecto político, talvez seja de fato possível defender a tese do “imperialismo chinês” e é justamente isso que procura Machado em seu vídeo. No entanto, se ele mostra que o capital de origem chinesa é o segundo maior do mundo e que o capital chinês está em vias de controlar o seu mercado interno, ele não mostra como se dá a distribuição do capital chinês fora das fronteiras nacionais, ou seja, ele não demonstra que as empresas chinesas já controlam uma parcela significativa do mercado internacional.

É justamente esta a questão-chave, o capital chinês se tornou grande demais para ficar restrito às suas próprias fronteiras, mas quando procura se expandir para novos mercados, dá-se conta de que o mercado já tem dono, o verdadeiro imperialismo. E se num regime de “competição livre”, a tendência é a prevalência dos produtos chineses, as regras do capitalismo imperialista são outras, a solução que se desenha é a guerra.

Do ponto de vista político, a questão não dá margem a dúvidas. Devido à questão taiwanesa, a China nem mesmo soberania costeira tem. Nesse sentido ela está mais próxima de uma semi-colônia do que de um país imperialista. A corrida armamentista chinesa colocada pelos integrantes do PSTU como evidência do “imperialismo chinês” tem, na realidade, um papel defensivo: se os chineses invadirem Taiwan, o paralelo seria a tentativa argentina de recuperar as Malvinas, e não uma guerra imperialista de conquista. Hoje, a projeção militar chinesa fora do seu território nacional é inferior a de outras semi-colônias como a Turquia, quiçá de potências imperialistas como os EUA e a França.

É justamente no aspecto militar que jaz o xis da questão, uma campanha intensa em defesa da tese do “imperialismo chinês” faz preparar a opinião pública para a solução militar que se desenha. Finalmente, na tese do conflito entre imperialismos, se desenha o apoio irrestrito ao verdadeiro imperialismo.

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Last Update: 03/06/2025