Na terça-feira (23), o governo do Iêmen, do partido Ansar Alá, assinou um acordo com o Conselho de Liderança Presidencial (CLP), o governo da região separatista do sudeste, que é, na prática, um fantoche da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos. O acordo foi divulgado pelo enviado especial da ONU ao Iêmen, Hans Grunderg. O Iêmen e a Arábia Saudita lutaram uma guerra violentíssima entre 2015 e 2022, mas em 2023, iniciaram um processo para reestabelecer a paz.
Um acordo de cessar-fogo mediado pela ONU entre o Ansar Alá e a coalizão militar liderada pelos sauditas foi alcançado em abril de 2022, pondo fim a uma guerra brutal de nove anos que destruiu grandes áreas do Iêmen e deixou cerca de 400.000 iemenitas mortos. Em 2023, com o acordo entre a Arábia Saudita e o Irã, a tendência de fim total da guerra aumentou.
Os diplomatas do Iêmen visitaram Riade, a capital saudita, em setembro de 2023. Mas com o início da guerra na Faixa de Gaza, e, portanto, a guerra do Iêmen contra “Israel”, esse processo ficou paralisado. Agora, um novo acordo foi alcançado entre ambos os países.
O porta-voz do Ansar Alá, Abdul Salam Salá, publicou em seu X (antigo Twitter) o texto do acordo:
1- Cancelar decisões e procedimentos recentes contra bancos de ambos os lados e interromper quaisquer decisões ou procedimentos semelhantes no futuro;
2- A Yemenia Airlines retomará os voos entre Sana [capital do Iêmen] e a Jordânia e aumentará o número de seus voos para três diários, e operará voos para o Cairo [Egito] e a Índia diariamente ou conforme necessário;
3- Serão realizadas reuniões para tratar dos desafios administrativos, técnicos e financeiros que a empresa enfrenta;
4- Começar a realizar reuniões para discutir todas as questões econômicas e humanitárias com base no roteiro;
Grundberg, por sua vez, afirmou que o governo do Iêmen e o CLP solicitaram apoio da ONU para implementar os compromissos. Ele também reconheceu o “papel significativo” da Arábia Saudita na concretização deste acordo. Os confrontos no setor bancário haviam escalado no início deste mês, após o Banco Central do Iêmen, controlado pelo CLP, revogar as licenças de seis bancos iemenitas por não terem relocado seus escritórios de Sana para a cidade de Adem, capital do governo separatista.
O novo acordo surge duas semanas após o governo iemenita baseado na Arábia Saudita (CLP) alcançar um “avanço significativo” nas negociações para a libertação de prisioneiros, mediadas pelo país vizinho a ambos, Omã.
As tensões entre o Iêmen e a Arábia Saudita
Este acordo surgiu após muitos meses de iminente retorno da guerra entre o Iêmen e os sauditas. Os norte-americanos foram os principais responsáveis pelos oito anos de guerra e voltaram a pressionar o príncipe saudita a atacar o Iêmen. Os iemenitas, por sua vez, em 2022, já tinham tecnologia para destruir as refinarias sauditas e agora estão ainda mais poderosos. Isso torna muito difícil o retorno dos bombardeios sauditas ao Iêmen. Por isso, os Estados Unidos e a Inglaterra iniciaram a campanha direta de bombardeios em janeiro de 2024.
Mesmo assim, as tensões entre ambos os países crescia. Primeiro, porque o país está dividido, então, na prática, a guerra continua. Segundo, porque os sauditas estão auxiliando indiretamente “Israel” nesta guerra. O Iêmen impôs um bloqueio por mar aos israelenses, mas os sauditas criaram uma rota por terra que facilita a chegada de mercadorias em “Israel”. A repressão aos defensores da Palestina também é grande no país e, dado que são vizinhos, certamente há uma perseguição a simpatizantes do Ansar Alá. O partido se tornou tão popular no mundo árabe que abriu uma sede no Iraque em julho.
Há também uma constante suspeita de que haja um auxílio militar indireto dos sauditas aos israelenses. No sábado, “Israel” bombardeou o Iêmen na cidade de Hodeidá. Segundo o Rádio do Exército de Israel, “Israel” informou à Arábia Saudita com antecedência sobre seu ataque e o país árabe permitiu que os aviões de guerra sionistas passassem pelo seu espaço aéreo para bombardear o Iêmen.
Outro jornal sionista, o Yedioth Ahronoth, relatou que o exército israelense havia coordenado com a Arábia Saudita para realizar seu ataque ao Iêmen e que a coordenação incluiu reabastecimento aéreo com aeronaves RAM, além de voar a baixas altitudes para evitar radares. No entanto, o porta-voz do Ministério da Defesa saudita, Brigadeiro General Turquii Al-Maliquii, negou o envolvimento de seu país no ataque, afirmando: “a Arábia Saudita não tem relação ou participação no ataque a Hodeidá, e o reino não permitirá que seu espaço aéreo seja infiltrado por qualquer parte”. Os sionistas não são confiáveis, mas também não é possível considerar como verdade tudo que dizem os sauditas.
Nessa situação, o acordo entre ambos os países é uma surpresa para muitos. Ele, na verdade, mostra a força política que tem o Ansar Alá. O foco do acordo é o território separatista controlado pelo CLP. Claramente, há uma pressão gigantesca da população pela reunificação. Caso nada seja feito, o CLP pode ser derrubado de forma fulminante, o que é pior para os sauditas.
Os iemenitas, por sua vez, mantém a política que Hugo Chávez descreveu uma vez como “pacífica, porém armada”. Hezam al-Asad, um dirigente do Ansar Alá, declarou, na terça-feira (23): “certos países árabes ultrapassaram as linhas vermelhas ao apoiar o inimigo sionista, abrindo corredores terrestres em vez do Mar Vermelho e abrindo seu espaço aéreo, e chamando o movimento Hamas de terrorista. Advertimos que a resposta deles está a caminho”.