Na última quarta-feira (11), representantes do Instituto Brasil Palestina (Ibraspal) e deputados da Frente Parlamentar em Defesa da Palestina tiveram reunião conjunta com Celso Amorim, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência.

Conforme noticiado pelo jornal Estado de S. Paulo, Amorim declarou durante a reunião que o governo Lula estuda tomar medidas contra “Israel” em razão do genocídio contra o povo palestino, especialmente no que se refere às relações militares entre os países.

Em nota publicada pelo Estadão, Amorim declarou que “recebeu os deputados para um diálogo franco e construtivo, no qual reiterou a posição histórica do Brasil em defesa da paz e dos direitos humanos”, afirmando também:

O Brasil […] mantém uma posição coerente e principista em defesa da paz, da solução de dois Estados e do fim da violência contra civis, e tem trabalhando ativamente em fóruns multilaterais para que um cessar-fogo permanente seja alcançado e para que a retomada das negociações levem a uma solução justa e duradoura, reconhecendo a existência do Estado da Palestina”.

Durante a reunião, Amorim se posicionou contra as acusações caluniosas de “antissemitismo” que “Israel” e o sionismo fazem contra aqueles que se posicionam contra o genocídio, como ocorreu recentemente com o presidente Lula:

As condenações (à postura do governo de ‘Israel’) têm sido claras e evidentes. O presidente e eu próprio já fomos acusados de antissemitas. Evidentemente a gente não pode se incomodar com isso. A gente faz o que a gente acha que é justo”, disse Amorim aos deputados e demais participantes da reunião.

Conforme noticiado pelo Estadão, Amorim também declarou, durante a reunião, que o genocídio que “Israel” perpetra na Faixa de Gaza “é a maior barbárie desde o momento em que estou vivo e consciente”, bem como lamentou a aprovação do dia da “Amizade Brasil-Israel” no Senado:

“Lamentamos muito, por exemplo, que tenha havido agora a coincidência dessa amizade com Israel. São coisas que nos incomodam profundamente”, declarou Amorim.

Na reunião, representantes do Ibraspal entregaram declaração em que o Instituto afirma que “hoje, mais do que nunca, é urgente que o Brasil adote uma posição ética e corajosa diante do que está acontecendo na Palestina”.

É igualmente afirmado que não romper relações é cumplicidade ao genocídio e que romper seria coerente com a tradição brasileira de respeito de mediador da paz e defensor dos direito dos povos à autodeterminação, acrescentando que “a força moral de um país não se mede apenas por sua economia ou poder militar, mas por sua capacidade de dizer ‘não’ diante da barbárie”.

Ainda, o Instituto apontou três questões críticas sobre a postura do Brasil em Relação Palestina, quais sejam:

1) a promessa não cumprida feita pelo governo Lula de apoiar o processo da África do Sul contra “Israel”, na Corte Internacional de Justiça; 2) a posição atual do governo sobre as fronteiras do Estado Palestino, que é contrária à posição história do Brasil, de que as fronteiras devem ser aquelas baseadas nas linhas de 1967, com Jerusalém Oriental como capital; 3) a discriminação persistente contra palestinos e árabes nas embaixadas e na imigração brasileiras.

Ibraspal ainda denunciou a existência de “indivíduos com cidadania brasileira que viajaram voluntariamente para se unir às forças nazi-sionistas de Israel na Faixa de Gaza, participando de ações que resultaram no massacre de milhares de civis, inclusive mulheres e crianças”, afirmando que o Brasil “tem a obrigação legal e moral de investigar e processar qualquer cidadão brasileiro que participe de crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou atos de genocídio — onde quer que esses crimes ocorram”.

Leia, na íntegra, a declaração do Ibraspal:

 

“Senhor Ministro Celso Amorim,

 

É uma honra poder dialogar com uma figura cuja trajetória está profundamente ligada à defesa da soberania dos povos, da paz e da justiça internacional.

 

Hoje, mais do que nunca, é urgente que o Brasil adote uma posição ética e corajosa diante do que está acontecendo na Palestina. Israel tem sistematicamente violado o direito internacional, as resoluções da ONU e os princípios mais básicos da dignidade humana.

 

O que estamos vendo não é um ‘conflito’, mas uma ocupação brutal e prolongada, com características que muitos especialistas e organizações internacionais — incluindo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch — já classificam como apartheid, limpeza étnica e genocídio.

 

Não se trata mais de gestos simbólicos ou de notas diplomáticas. Diante de dezenas de milhares de civis mortos, de hospitais e escolas bombardeadas, e de um cerco total que impõe fome e sede à população de Gaza, manter relações diplomáticas com Israel é uma forma de cumplicidade.

 

O Brasil, historicamente, tem buscado protagonismo como mediador da paz e defensor do direito dos povos à autodeterminação. Romper relações diplomáticas com Israel seria um gesto coerente com essa tradição, além de um sinal claro ao mundo de que o Brasil não aceita o massacre de civis como política de Estado.

 

Sabemos que haverá pressões. Mas acreditamos que a força moral de um país não se mede apenas por sua economia ou poder militar, mas por sua capacidade de dizer ‘não’ diante da barbárie.

 

Senhor Ministro, O momento exige coragem e clareza histórica. O futuro cobrará dos Estados sua posição neste momento. Que o Brasil esteja, como sempre esteve em sua melhor tradição diplomática, do lado certo da História.

 

Muito obrigado.

 

O Brasil, como signatário do Estatuto de Roma e defensor histórico do direito internacional humanitário, tem a obrigação legal e moral de investigar e processar qualquer cidadão brasileiro que participe de crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou atos de genocídio — onde quer que esses crimes ocorram.

 

Hoje, há evidências públicas e documentadas de indivíduos com cidadania brasileira que viajaram voluntariamente para se unir às forças nazi-sionistas de Israel na Faixa de Gaza, participando de ações que resultaram no massacre de milhares de civis, inclusive mulheres e crianças. Alguns deles exibem suas ações nas redes sociais, publicam fotos em uniforme militar em solo ocupado, e retornam ao Brasil sem qualquer temor de responsabilização.

Isso é inaceitável.

 

Esses atos devem ser tratados com a mesma gravidade com que foram tratados os casos de brasileiros que se uniram ao grupo terrorista auto chamado Estado Islâmico (ISIS). A lógica é simples: se o Brasil considera crime a participação de seus cidadãos em organizações terroristas que cometem atrocidades no exterior, deve aplicar o mesmo princípio a quem se une a exércitos ou milícias envolvidos em genocídio — independentemente de quem seja o aliado político internacional.

 

O duplo padrão na aplicação da lei desafia a credibilidade das instituições e enfraquece a autoridade moral do Brasil no cenário internacional.  A omissão, neste caso, pode ser interpretada como conivência com a impunidade e desprezo pelas vítimas.

 

Por isso, exigimos que o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal abram imediatamente investigações criminais contra qualquer cidadão brasileiro suspeito de envolvimento direto em operações militares contra civis em Gaza ou na Cisjordânia.

 

Justiça não pode ser seletiva.

 

Três questões críticas sobre a postura do Brasil em relação à Palestina

 

  1. Promessa não cumprida: apoio à África do Sul na Corte Internacional de Justiça

 

O presidente Lula declarou publicamente que o Brasil apoiaria a ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça por genocídio. Essa declaração gerou esperança e repercussão positiva entre defensores dos direitos humanos. No entanto, até hoje essa promessa não foi efetivamente cumprida, nem com uma manifestação formal de apoio, nem com a entrada como parte interessada no processo. Diante da gravidade da situação em Gaza, a omissão do Brasil soa como incoerência entre discurso e prática, e cobra uma resposta urgente da diplomacia brasileira.

 

  1. Contradição sobre as fronteiras do Estado Palestino

 

O Itamaraty, sob o comando do chanceler Mauro Vieira, tem reiterado a defesa da ‘solução de dois Estados com fronteiras negociáveis’. Essa formulação, no entanto, contradiz a posição oficial do próprio Estado brasileiro, que reconheceu o Estado da Palestina em 2010 com fronteiras baseadas nas linhas de 1967, com Jerusalém Oriental como capital. Falar em ‘fronteiras negociáveis’ ignora os direitos já reconhecidos ao povo palestino e legitima a expansão colonial israelense. É essencial que o Brasil alinhe seu discurso à sua política histórica de reconhecimento pleno da Palestina.

 

  1. Discriminação persistente contra palestinos e árabes nas embaixadas e na imigração

 

Desde o governo Bolsonaro, palestinos, árabes e muçulmanos passaram a enfrentar tratamento discriminatório nas embaixadas brasileiras e nos processos migratórios. O mais grave é que essa conduta discriminatória não foi corrigida até hoje, mesmo sob um governo que se apresenta como defensor dos direitos humanos. Temos casos concretos, como o de um pesquisador palestino com bolsa de pós-doutorado em universidade federal e toda a documentação regular, que teve seu visto negado sem justificativa razoável.

 

Essa situação fere os princípios da política externa brasileira, tradicionalmente aberta, solidária e multilateral. Ignorar esse problema é permitir que a política externa continue manchada por preconceito e injustiça.”

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Last Update: 13/06/2025