O uso da inteligência artificial (IA) em pesquisas biológicas tem modificado abordagens tradicionais e introduzido novas metodologias capazes de lidar com dados complexos e imprecisos.

A capacidade de prever estruturas de proteínas e identificar elementos biológicos não catalogados tem ampliado o escopo de investigação científica. Projetos recentes apontam para uma mudança significativa na forma como a comunidade científica estuda proteínas, com impacto também em áreas como a medicina e a arqueologia.

O AlphaFold, desenvolvido pela DeepMind, é um dos exemplos mais reconhecidos dessa integração. O sistema prevê estruturas tridimensionais de proteínas com base em sequências genéticas.

No entanto, sua eficácia é limitada em contextos onde as amostras estão degradadas ou as sequências não são conhecidas. Esse desafio impulsionou a criação de novas ferramentas com foco em inferência e reconstrução de informações biológicas ausentes.

Uma das ferramentas desenvolvidas com essa finalidade é o Casanovo, criado por pesquisadores liderados por William Noble, da Universidade de Washington.

O sistema utiliza redes neurais para inferir a organização de peptídeos a partir de fragmentos obtidos por espectrometria de massas. Ao simular a montagem de frases com palavras embaralhadas, o algoritmo propõe sequências prováveis de proteínas com base em padrões conhecidos.

A espectrometria de massas, técnica consolidada na biologia molecular, fragmenta proteínas em partes menores para comparação com bancos de dados.

No entanto, aproximadamente 70% dos peptídeos identificados por esse método não correspondem a entradas conhecidas, o que limita seu potencial analítico. O uso da IA permite ultrapassar essa limitação ao propor inferências estruturais mesmo sem correspondência direta nos registros existentes.

Outro sistema que segue essa linha de inovação é o InstaNova, desenvolvido na Europa por Timothy Patrick Jenkins e colaboradores. A ferramenta incorpora métodos de difusão inspirados em geradores de imagens baseados em IA, como os utilizados em modelos visuais. A técnica envolve a introdução de ruído nos dados de entrada, obrigando o sistema a extrair padrões significativos mesmo em contextos caóticos.

Nos testes conduzidos com misturas complexas de nove organismos, o InstaNova+ superou métodos convencionais ao identificar 42% mais peptídeos. Quando aplicado a amostras médicas, a ferramenta localizou 1.225 peptídeos únicos associados à albumina, enquanto técnicas tradicionais haviam identificado cerca de cem. Entre os peptídeos encontrados, 254 não haviam sido registrados anteriormente. A análise também permitiu relacionar peptídeos a 52 proteínas de origem bacteriana.

De acordo com Catrine Soiberg, representante da Atlas Antibodies, o InstaNova se mostrou capaz de lidar com amostras biológicas altamente complexas. “É como ter um Google Lens para proteínas”, afirmou.

As aplicações desses sistemas não se restringem à biologia ou à medicina. Pesquisadores da Universidade de Cambridge utilizam as mesmas ferramentas em contextos arqueológicos.

Liderada por Matthew Collins, a equipe aplica algoritmos de IA para analisar ossos e cerâmicas com proteínas degradadas por longos períodos de sepultamento. A abordagem tem permitido reformulações metodológicas e proporcionado novas interpretações sobre materiais históricos.

A ampliação da capacidade analítica promovida pela IA tem levado cientistas a reavaliar limites impostos por técnicas convencionais. Modelos de aprendizado de máquina possibilitam o acesso a estruturas e padrões anteriormente inacessíveis, o que reforça o papel da tecnologia no avanço da ciência.

A integração entre sistemas automatizados e práticas laboratoriais tradicionais tem gerado uma sinergia que favorece a descoberta de novos dados e amplia o alcance da investigação científica. Ao permitir a identificação de elementos não catalogados e reconstruir estruturas biológicas com alto grau de precisão, a IA tem se consolidado como uma ferramenta essencial na biologia moderna.

Pesquisadores consideram que esse tipo de tecnologia não apenas complementa os métodos existentes, mas estabelece novas possibilidades de estudo em áreas até então limitadas por barreiras técnicas ou pela degradação dos materiais analisados.

O uso de IA em aplicações científicas demonstra o potencial da tecnologia em expandir a compreensão humana sobre os sistemas biológicos e históricos. A partir de inferências baseadas em dados incompletos ou ruidosos, os modelos de aprendizado de máquina têm revelado informações antes inacessíveis e permitido a formulação de hipóteses mais robustas.

Com isso, a comunidade científica observa uma transição metodológica marcada pela incorporação de ferramentas computacionais em suas rotinas. A tendência é que os modelos evoluam continuamente, acompanhando o crescimento dos bancos de dados e aprimorando sua capacidade de identificar, classificar e reconstruir elementos biológicos e arqueológicos.

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Last Update: 03/06/2025