Formas de ouvir o país
Se é para revogar decretos por causa de tuítes irritadiços, melhor entregar a chave da Fazenda a algum faria limer que o usa o troco da “farinha” ou do almoço no Baleia Rooftop para comprar bots no X.
Por Hugo Souza, no Come Ananás
Horas depois de baixar um decreto com novas regras para o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo Lula decidiu recuar da taxação em 3,5% das aplicações feitas por fundos de investimento brasileiros no exterior.
Esses fundos especulativos não pagavam nem IOF nem Imposto de Renda sobre o dinheiro que usam para fazer dinheiro fácil em outros países, ainda mais fácil e com menor risco que no Brasil.
Ou melhor: seguirão nada pagando em impostos, após a revogação a jato do decreto. O Ministério da Fazenda disse que decidiu pelo recuo após “ouvir o país”.
Em matéria sobre o recuo da Fazenda, a Folha informa que a plataforma BuzzMonitor identificou nesta quinta-feira, 22, 1.500 postagens nas redes sociais com menções às novas regras do IOF. A plataforma chama essas 1.500 postagens – repetindo: apenas 1.500 postagens – de “pico histórico” e informa que 74% delas tinham conotação negativa.
Caso o governo comece a revogar decretos de controle de pragas, como a proliferação de abutres, por causa de 1.110 tuitadas irritadiças, seria o caso de entregar a chave do Ministério da Fazenda a algum “faria limer” que o usa o troco da “farinha” ou do almoço mediterrâneo no Baleia Rooftop para comprar bots no X.
No Estadão, matéria sobre o decreto publicada antes do recuo do governo dizia que a cobrança de 3,5% sobre o valor da especulação rentista no exterior “poderá inviabilizar esse tipo de investimento, o que tem sido considerado um grande retrocesso por especialistas”.
Enquanto revoga a jato medida desvantajosa para o “investidor”, seguem vigentes as medidas de arrocho ao trabalhador, ao professor e ao estudante que num tempo que já vai longe tinha-se o propósito de reverter.
Parece que ninguém no governo foi “ouvir o país” para revogar os cortes quentinhos nas Universidades, nem o arrocho de mais de R$ 30 bilhões no Orçamento, e a revogação da reforma trabalhista de Michel Temer sumiu do horizonte ainda na época de outro “ajuste”: da primeira para a definitiva versão do “programa de reconstrução e transformação do Brasil” – o plano de governo apresentado pela coligação “Brasil da Esperança” em 2022.
Na primeira versão do plano de governo Lula-Alckmin, constava “a revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer e a construção de uma nova legislação trabalhista”.
Na derradeira, ajustou-se para “reconstrução da seguridade e da previdência social, para ampla inclusão dos trabalhadores e trabalhadoras, por meio da superação das medidas regressivas e do desmonte”.
Alguém se lembra do nome do grande cúmplice de Temer na instauração do reino da vara e do chicote, na reforma trabalhista de 2017? Foi Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados.
Hoje, Rodrigo Maia é presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, poderoso lobby das aves de rapina necrófagas, essas referidas pelos jornalões como “especialistas” e a quem o Ministério da Fazenda se refere, no duro, quando fala em “ouvir o país”.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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