Barroso, ‘o índio’ e o verdadeiro triplex do Guarujá
Neste sábado, 7, o presidente do STF fez o “speech de encerramento” de mais uma surubada juscorporativa, também conhecida como “diálogos com o mais alto nível de líderes e autoridades”.
Por Hugo Souza, no Come Ananás
“Apoiamos o capitalismo de stakeholder”, diz a declaração de princípios da Esfera Brasil, “um think tank que reúne empresários, empreendedores e a classe produtiva”.
Capitalismo de stakeholder é aquele que se preocupa com “colaboradores”, comunidade, meio ambiente, em vez de buscar exclusivamente o máximo lucro para os acionistas. É, portanto, tipo general legalista e bolsonarista moderado.
O capitalismo de stakeholder é conhecido também como capitalismo de partes interessadas.
Neste fim de semana, com a participação do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, no Fórum Esfera 2025, em Guarujá, no litoral paulista, a expressão capitalismo de partes interessadas – “visão” e “missão” da Esfera – ganhou uma outra conotação.
Neste sábado, 7, Barroso fez o “speech de encerramento” da surubada juscorporativa no Guarujá, apenas a mais recente dessas orgias de conflitos de interesses, farras da justiça de classe conhecidas também como “diálogos com o mais alto nível de líderes e autoridades”.
No Fórum Esfera 2025, que contou ainda com o vice-presidente do STJ, Luis Felipe Salomão, e com o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, Barroso reclamou das críticas que vem recebendo por toda hora socializar, por assim dizer, com empresários interessados em causas em andamento no STF.
“Quando eu converso com índio, não tem problema”, chiou Barroso no Fórum Esfera, como se pisasse toda hora em Terra Indígena e como se houvesse paridade de armas entre, por exemplo, um “índio” Bororo da TI Tadarimana e o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, que no ano passado afirmou que os Bororo “inventaram um corredor espiritual” para barrar uma obra ferroviária. Na última sexta, no Fórum Esfera, Mauro Mendes discorreu sobre “rotas do progresso: modernizar para crescer”.
“Quando eu converso com índio, não tem problema”, disse Barroso no Guarujá, diante, por exemplo, de Cristiano Pinto da Costa, presidente da Shell Brasil, que é a principal acionista de uma startup de crédito de carbono acusada de violar direitos de “índio” em territórios tradicionais; e de Gustavo Pimenta, “CEO” da Vale privatizada, que acaba de virar alvo de uma ação civil pública do Ministério Público Federal por contaminar 99,7% dos “índios” Xikrin do Cateté, do Pará, com mercúrio, chumbo e arsênico, entre outros metais pesados.
O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019, devastou as áreas habitadas pelos “índios” Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe às margens do Rio Paraopeba. A defesa do ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman no caso Brumadinho é feita pelo escritório Bottini & Tamasauskas, que é responsável pelo compliance da Esfera Brasil.
O Bottini & Tamasauskas tem dezenas de causas no STF. Come Ananás contou 23 processos em trâmite na egrégia corte só com Igor Sant’Anna Tamasauskas como advogado.
O outro sócio fundador do escritório, Pierpaolo Cruz Bottini, é membro do conselho consultivo do think tank da classe exploradora, desculpe, do think tank da “classe produtiva” que organizou o retiro deste fim de semana no Guarujá.
Participaram também do Fórum Esfera 2025, entre outros, os “CEOs” da Cimed e do Itaú-Unibanco, João Adibe e Milton Maluhy Filho; a diretora-geral do TikTok Brasil, Gabriela Comazzetto; o diretor global de comunicação da Gerdau, Pedro Torres; o manda-chuva do BTG Pactual, André Esteves; e o presidente do iFood, Diego Barreto, que reencontrou Luis Roberto Barroso duas semanas após recebê-lo em sua casa, em São Paulo, em “jantar beneficente” no qual Barreto e Barroso divertiram os convivas cantando, juntos, os versos de Garota de Ipanema.
No Fórum Esfera, Wesley Batista falou sobre “os alicerces da nova economia”; o deputado Doutor Luizinho, ligado ao laboratório que contaminou transplantados com HIV no Rio de Janeiro, falou sobre “saúde inteligente”; e Guilherme Derrite, denunciado no Tribunal de Haia por execuções sumárias ali mesmo, no Guarujá, pontificou sobre as “perspectivas” da segurança pública, no último painel do evento, antes do “speech de encerramento” feito por Barroso.
Wesley Batista, Doutor Luizinho e Guilherme Derrite: debaixo do nariz do presidente do Poder Judiciário do Brasil, o verdadeiro triplex do Guarujá.
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