Holocausto palestino. Quem legitima e paga o silêncio da imprensa?
por Armando Coelho Neto
O sabujo papel da grande mídia nacional não é novidade, seja no tocante à proteção dos interesses da pretensa elite nacional e internacional, seja ao reproduzir e adotar como pontos de vistas seus, coberturas e opiniões de fatos cobertos pela mídia internacional. Assim, democracias e ditaduras são exatamente democracias e ditaduras, desde que essas sejam as expressões adotadas pelas agências de notícias “gabaritadas”. Um presidente autoproclamado na Venezuela, por exemplo, pode ser presidente mesmo sem voto, desde que os Estados Unidos o reconheça.
Sem escrúpulos, a grande mídia nacional cumpre o vergonhoso papel de repetir os interesses do mundo ocidental. Nessa condição, permanece tratando os Estados Unidos como exemplo de democracia, ainda que Donald Trump tenha desqualificado de uma vez por todas esse mito. Na dita pátria da liberdade, é possível fazer apologia ao nazismo, enquanto protestos contra o holocausto em Gaza, patrocinado por Israel, são violentamente reprimidos. Aliás, sequer a palavra holocausto pode ser usada. É praticamente de uso exclusivo para judeus.
A expressão terrorismo passa por esse crivo, ainda que na realidade, terrorismo seja arma dos mais fracos. Trata-se de recurso do qual se valem aqueles que, sem exército, mas com causa que julgam justas a ele recorre, seja por natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou qualquer outra espécie partem para a violência. Em quaisquer dos casos, traz a marca da atrocidade, do trágico, do impactante. Servem de exemplos a explosão de bombas em maratonas como a de Boston (EUA) em 2013, o ataque nesse ano a uma casa de show em Moscou (Russia), ou o fatídico ataque em 7 outubro de 2023, num festival em Israel.
Desse modo, sem apologia e ou condenar povos, grupos, menos ainda expressar simpatias, vale a assertiva do líder Vladimir Putin, quando diz que os grupos tidos como “terroristas” pela Rússia são vistos pela mídia atlanticista como simples opositores, rebeldes, grupos de resistência. Mas, se as mesmas ações são praticadas por grupos simpáticos ao ocidente, são simples rebeldes. Nesse caso, cumpre comparar as atrocidades do grupo nazista Wagner (Rússia e Ucrânia) com o Hamas e Hesbolah (Israel). Todos recorrem a violência.
Com o mesmo cinismo, a grande mídia impõe a visão do que possa ser democracia, ainda que possa ser fruto de voto comprado. Na recente eleição presidencial do Brasil, o derrame de dinheiro público para reeleger o ex-capitão, ultrapassou o limite da indecência, com a maior compra de votos da história. Verbas para caminhoneiros, taxistas, roubo nos empréstimos consignados para aposentados, recursos liberados ilegalmente às vésperas das eleições, entre outras falcatruas. Prender favorito à vitória no Brasil é democrático, já na Venezuela ou outro país é ditadura.
As alternâncias de poder tão decantadas, mesmo entre famílias ou grupo, como nos Estados Unidos, nas republiquetas ou nas brenhas brasileiras, recebem chancelas de aceitação, pela singular existência de voto, urnas eletrônicas ou não, são legitimadas pelo revezamento formal (dos mesmos), em que pese os vícios conhecidos. Ah, mas a pior democracia é melhor que qualquer ditadura. Não, leitor, a essência dessa fala é o valor atribuído às palavras, de forma que, no contexto, existem democracias e democracias, violências e violências aceitáveis e permitidas conforme a conveniência da grande mídia.
Tais rótulos e chancelas são aplicados à palavra terrorismo, como se a violência que esse ato encerra não fosse tão criminoso e repugnante quanto as atrocidades de uma guerra. Nesse sentido, a grande mídia glamoriza o holocausto judeu e minimiza o holocausto – genocídio, matança, extermínio, ou seja lá que nome possa querer dar à devastação, à destruição, à barbárie em Gaza. Qual a diferença entre os inocentes assassinados pelo Hamas e os inocentes assassinados por Israel? Seria um ato terrorista mais grave do que uma guerra genocida, como os assassinatos ao vivo na Faixa de Gaza, hoje o maior cemitério aberto do planeta?
A Palestina sofre. Sem apologia ao terror ou agressão ao povo judeu, ao seu histórico sofrimento, cabe refletir sobre a violência da guerra e do terror, o quanto se nivelam, o silêncio e indiferença da grande mídia. Ou Juca Chaves teria razão quando afirmou: “A imprensa é muito séria, se você pagar, eles até publicam a verdade”.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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