História e Poesia

por Célio Turino

Nos primórdios,
palavras sussurradas ao vento
teciam histórias com poesia,
eram memórias
que abraçavam
o ritual de eternidade.

Desde Homero,
sob o sol grego,
entre guerreiros e sereias,
versos
foram plantados
no chão dos mares.
O pai da história,
Heródoto,
atento,
colheu relatos
de povos distantes
com a leveza de poeta
que não teme misturar
fato e encanto.

Na Índia dos Vedas
versos entoaram
a vida que pulsa
entre deuses e gentes,
o Mahabharata canta guerras,
feitos heroicos,
não apenas para celebrar,
mas para entender
e não esquecer.

Na China distante,
tão longe e tão perto,
o Império do Meio
fundiu ideogramas
com dores da história
e a poesia;
Confúcio disse:
há sabedoria no canto das coisas simples.

E no Japão?
Versos repousam
nas margens do Kojiki,
o livro das coisas antigas,
mescla de mito e verdade
a formar espelhos densos
-haikais-
mostrando a face
do que apenas se sente.

Virgílio ergueu Roma em versos imortais,
fez dos heróis a matéria dos sonhos;
escreveu história ou poesia?

E os bardos?
Caminhavam pelas noites
com harpas e vozes roucas
cantando contos de cavalaria,
amores que não morreram,
canções partidas pelo tempo.

Em todo canto do mundo,
sob o sol do deserto,
a sombra das florestas,
nas ilhas e montanhas,
nas cidades e no campo,
história é poesia,
poesia é história.

Almotanabi
foi ao encontro dos ventos de areia
para afiar suas palavras
e contar histórias do Islã.

Das vozes da África,
os Griôs
gritavam e gritaram
adentrando nos portos
de Cachéu, Gorée…;
gritavam
para que os aprisionados
em holocausto
não se esquecessem
de segurar a memória
pelas vozes que dançam
de geração em geração.

Nos Andes,
Quipocamayocs
declamavam os segredos
da escrita matemática,
os Quipus,
cordões coloridos,
em diversos tamanhos,
cheios de nós
e de vós.

Por aí,
nessa nossa América
crioula,
indígena,
mestiça,
os voceros,
os círculos da palavra
e seu bastão,
não permitem que se esqueça:
história é poesia
poesia é história,
verdade que se fia
no sagrado
da palavra.

O luto indígena
do alto do Xingu,
com choro ao lado do tronco
da noite ao dia,
rememora histórias,
canta a vida e a morte
com assombro e respeito
àquele que renasce
pelo tronco do Quarup.

Quando se canta história e poesia,
sabe-se que o tempo não é linha reta,
é espiral que respira.

Com a modernidade,
história e poesia
se separaram.
Sonho desfeito,
Miguel de Cervantes
foi o último suspiro
a domar moinhos,
brincou
com o real e o inventado,
fez
da poesia
um espelho quebrado
a refletir
histórias partidas,
Quixotescas.

No canto popular
reside a força das
classes esquecidas,
caminhando
entre verso e memória
palavras derrubam
moinhos de vento
e de moer gente.

A história caminha,
mas não vai sozinha,
a poesia segue ao lado,
com seus silêncios e cantorias,
com elas
o passado nunca dorme
em sonho profundo,
tem sonho leve
e espera
quem o resgate.

Poesia e história
são faces do mesmo rosto,
do mesmo sonho
que desperta
com um convite ao recomeço.

Célio Turino – Historiador e escritor, doutor em Humanidades pela USP, autor de diversos livros e ensaios, publicados no Brasil e no exterior. É integrante o Instituto Casa Comum. Caminha por aí, difundindo as ideias da Cultura Viva e do Bem Viver. Esteve como Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura (2004/10) quando idealizou e implantou os Pontos de Cultura.

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Last Update: 13/02/2025