Muita gente que abriu os sites de notícias no dia 30 de julho deve ter tido a impressão de que as “fake news”, definitivamente, haviam tomado as redes, quando se deparou com manchetes como a do portal UOL: “Damares diz apoiar cota trans: ‘Tenho pautas em comum com o movimento gay’.

Sim, a Damares em questão é a Alves, atualmente senadora pelo Republicanos (SP) e ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro. Passado o “susto”, quem leu as matérias descobriu que a declaração foi dada a um podcast e, tão impressionante quanto, não parava por aí, já que Damares ainda vez uma suposta defesa das travestis e afirmou que, durante seu mandato, buscou diálogo com o movimento LGBTI+.

Mesmo que tais declarações causem espanto até mesmo num mundo onde rigor histórico e a busca pela verdade têm sido descaradamente substituídos por “narrativas”, é preciso entender o que está por trás de uma declaração como esta e o que ela diz a respeito de nossas lutas no momento.

Não tente nos enganar, porque nós não esquecemos!

Antes de qualquer coisa, é sempre bom lembrar quem é Damares Alves. Afinal, esta suposta aliada é a mesma pessoa que, como ministra de Bolsonaro, perseguiu nossos corpos, foi feroz porta-voz dos ataques à chamada “ideologia de gênero”, atacou direitos das populações negra, quilombola e indígena e, ainda, teve uma postura de vergonhosa e criminosa cumplicidade no aumento do machismo e do feminicídio.

É a mesma figura nefasta que não destinou um centavo sequer para política de combate à violência contra as pessoas LGBTI+, atacou todos e quaisquer projetos de Educação Sexual nas escolas e, também, se opôs aos casamentos LGBTI+.

A mesma pastora e articuladora da Bancada Fundamentalista que tentou nos “patologizar”, nos tratando como doentes, e, consequentemente, financiando “comunidades terapêuticas”, ligadas a igrejas, com práticas terríveis de abusos físicos e psicológicos vendidos como “cura gay”.

É a mesma Damares Alves que, em janeiro de 2019, celebrou a chegada de Bolsonaro ao Planalto como a entrada do país em uma “nova era”, na qual a transexualidade sequer seria reconhecida, já que “meninos vestem azul, e meninas vestem rosa”.

Então, agora, por que Damares diz defender as cotas trans?

Primeiro é preciso entender esta fala como um mero exercício de hipocrisia e uma farsa muito mal montada. A superficialidade e falta de seriedade de seu suposto apoio às pessoas trans e LGBTI+ em geral ficam evidentes, por exemplo, quando, na mesma entrevista, a intragável figura disparou o seguinte comentário: “É muito fácil você conseguir um emprego para um gay, para uma lésbica, para um trisal, mas a travesti, pelo jeito exuberante dela, você não encontra travesti num banco trabalhando. Você não encontra travesti em lojas”.

Além de misturar alho com bugalhos (no caso, orientação sexual, identidade de gênero e arranjos afetivos, como os trisais), a fala é exemplar de quem, de fato, desconhece quem somos e particularmente não tem a mínima ideia (ou dá a menor importância a..) como a transfobia se manifesta numa sociedade como a nossa.

Dizer que travestis não conseguem emprego por serem “exuberantes”, por exemplo, é uma afirmação pejorativa, estereotipada e que, em última instância, responsabiliza as próprias pessoas trans pela sua exclusão do mercado de trabalho.

Se não bastasse, a asquerosa bolsonarista ainda evidencia que só “defende” nossos direitos na forma de tutela e assistencialismo, nos colocando como sujeitos vulneráveis que precisam da ajuda do Estado, mas não nos reconhecendo como sujeitos, cuja opressão do Estado e do capitalismo nos faz estar em condições desiguais.

Mas, hipocrisia à parte, a grande motivação de Damares é o mais puro oportunismo. Em suma, e como exemplo da intensa polarização política e ideológica que atravessa o mundo atual, ela quer ganhar setores da nossa comunidade que estão desiludidos diante de uma realidade cada vez mais opressiva e, ainda, mundo afora, se sentem completamente desamparados pela falta de políticas públicas.

Damares navega no vácuo criado pelo governo Lula

É lamentável constatar, contudo, que, neste momento, Damares está navegando no vácuo criado pelo silêncio do governo Lula diante da LGBTIfobia em geral (vale sempre lembrar que o presidente sequer quis nossa companhia na ultra simbólica “subida da rampa” durante a posse) e sua cumplicidade na propagação da transfobia, em particular.

Coisas que ficam evidentes em vários exemplos lamentáveis, como a imposição do RG transfóbico (que exige a publicação do “nome morto” das pessoas trans, pré-transição), o veto ao Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans, o recuo nas cotas trans no Concurso Nacional Unificado e o silêncio diante da ofensiva do Conselho Federal de Medicina contra as pessoas trans.

Ou seja, Damares está surfando no espaço criado por Lula e pelo PT que, há tempos, têm se calado diante de nossa opressão ou abandonaram nossas bandeiras históricas, meio que empurrando-as para dentro de um “armário político”, com medo de desagradar o Centrão e a base conservadora à qual se aliou no Parlamento e na sociedade de conjunto.

Um espaço, inclusive, ampliado pela chamada “esquerda da ordem”, que se diz aliada dos movimentos LGBTI+ e da luta contra as opressões, mas, na prática, acaba sendo cúmplice do verdadeiro teatro dos horrores em têm se transformado os crescentes e cada vez mais violentos e terríveis casos de LGBTIfobia, machismo, racismo, xenofobia etc.

Ataques, cortes de direitos, violência, assédio e marginalização promovidos exatamente pelos verdadeiros aliados de Damares: de Trump, nos Estados Unidos, a Orban, na Hungria; do bolsonarismo, no Brasil, às correntes neofascistas espalhadas mundo afora.

Damares, nossa dor não é palanque!

Por isso mesmo, não importa o que diga agora, nós não esquecemos: para além de seu longo currículo como fundamentalista, por quatro anos Damares foi parte de um governo reacionário, racista, machista, LGBTIfóbico, que só fez aprofundar o genocídio trans. E, por isso, ela não “foi” nossa inimiga. Ela e seus comparsas continuam sendo nossos adversários. E sempre serão.

Por isso, é preciso desmascarar a farsa que ela e outros setores da direita (mundo afora) têm ensaiado, tentando uma aproximação com os setores mais oprimidos da sociedade, apesar de todos os preconceitos que destilam. E, para tal, também é preciso denunciar como este tipo de discurso é alimentado pelos vacilos e traições do reformismo.

Só assim poderemos lutar por tudo aquilo que LGBTI+ precisam (e merecem). Queremos políticas públicas reais. Queremos justiça. Queremos Saúde, Educação, emprego, moradia e dignidade. Queremos igualdade socioeconômica, política e cultural.

E nada disso será possível sob qualquer projeto de direita. Mas, também, nada disto poder ser conquistado por discursos vazios ou através de alianças com a mesmíssima burguesia que sempre nos oprimiu. O único caminho é o da luta, como já demonstraram, por exemplo, os estudantes de várias universidades do país que, com mobilizações, conquistaram cotas para as trans.

Por isso, para nós, do PSTU, falas como a de Damares só reforçam a necessidade de dizermos que não abriremos mão da luta trans, mas continuamos convictos de que é preciso travá-la com independência de classe, organização nas ruas e aliança com os demais oprimidos e explorados por este sistema.

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Last Update: 01/08/2025