Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Ciências, a biomédica e professora Helena Nader foi reeleita para um segundo mandato de três anos. Se no primeiro período à frente da entidade sua missão foi reerguer a ciência brasileira após quatro anos de desmonte sob o governo Bolsonaro, o novo desafio é consolidar a retomada científica do País. A meta agora é buscar mais investimentos junto aos governos federal e estaduais, ampliar o financiamento privado e lutar pela criação e expansão de fundos para pesquisas em áreas críticas, como saúde, trabalho e transição energética.

Em entrevista a CartaCapital, Nader fala sobre as expectativas para o novo mandato, faz um balanço das conquistas do governo Lula na área científica e analisa os impactos da política obscurantista de Donald Trump na pesquisa global. A presidente da ABC também comenta a situação das universidades públicas e deixa um importante recado às mulheres que fazem ciência no Brasil.

CartaCapital: Quais são os maiores desafios nessa nova etapa à frente da ABC?

Helena Nader: Estamos lidando com uma geopolítica muito complicada no mundo, mas o Brasil pode se sair muito bem. O País não deveria tomar lados, na minha opinião, mas se aproximar mais do sul global, com o qual ainda colabora pouco. Essa mudança geopolítica está acontecendo de forma clara na ciência, tecnologia e inovação, e pode ser um momento muito importante para o Brasil nas suas colaborações.

Dentro do País, continuaremos tendo que mostrar que sem educação e ciência não há nação desenvolvida. Não existirá o milagre brasileiro sem educação e ciência, mas ainda não se enxerga que o investimento na ciência não é gasto. Para cada real que você coloca, quem diz isso é o próprio Banco Mundial, a ciência vai te reverter seis, oito, dez, até doze vezes mais, dependendo da área.

CC: Qual o balanço do primeiro mandato? A produção científica e tecnológica foi retomada após o desmonte do governo Bolsonaro?

HN: Muitas coisas mudaram. Retomamos o investimento em ciência via FNDCT. Infelizmente, ainda não conseguimos convencer o Executivo e o Parlamento da necessidade de mais recursos e da exclusão da ciência do teto de gastos. O FNDCT sozinho não dará o salto necessário. Tivemos ainda a volta da Conferência Nacional, com a participação de todo o ecossistema, dos estudantes aos empresários, e a reativação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Houve avanços significativos. No entanto, ainda falta a compreensão de que o investimento em ciência traz retorno econômico. Há 50 anos, a China estava atrás do Brasil. Hoje, vemos o que o investimento em educação e ciência fez por lá e na Coreia do Sul. Nosso setor empresarial ainda investe pouco em inovação.

Não existirá o milagre brasileiro sem educação e ciência

CC: No ano passado, a ABC presidiu o S20, encontro dos cientistas do G20. Quais os próximos passos dessa cooperação?

HN: Foi uma experiência incrível. Os presidentes das academias de ciência de 19 países, da União Europeia e da União Africana disseram que o Brasil elevou o patamar de debate no S20, ao construir consensos em vez de impor temas. Mas, veja o que ocorre agora com os EUA: assinaram os documentos do S20 e do G20, mas adotaram políticas como o “drill, baby, drill”, que contradizem esses compromissos.

CC: Qual o efeito da política de Trump sobre a pesquisa científica no Brasil?

HN: A dependência brasileira em relação aos EUA é pequena. Existe, claro, pela colaboração, mas não é decisiva. Mesmo com menos recursos, o Brasil mantém a solidez em áreas como saúde, energias renováveis e segurança alimentar. O impacto foi muito maior em outros países. Nos EUA, até expressões como “saúde da mulher” foram banidas. Experimentos contra a AIDS foram interrompidos na África do Sul, o que é gravíssimo. Aplaudo a postura de Harvard, que se manteve como casa do saber, mas a pressão é grande.

CC: Quais as expectativas para a COP30?

HN: O Brasil é líder em transição energética e pode protagonizar esse debate. As mudanças provocadas pela ação humana são evidentes, mas ainda há tempo para mitigar seus efeitos. Reduzir a emissão de gases de efeito estufa é uma das soluções. A demanda energética global, impulsionada inclusive pelo uso crescente de inteligência artificial, exige respostas conjuntas.

CC: A situação das universidades públicas melhorou?

HN: As universidades públicas vivem uma grave crise econômico-financeira e precisam se reinventar para o século XXI. É necessário formar mais pessoas qualificadas para um futuro de profissões ainda indefinidas. As universidades devem ser agentes ativos dessa transformação.

CC: A ABC pretende reordenar suas áreas de conhecimento. Como será essa mudança?

HN: Pretendemos criar um grupo de trabalho para estudar modelos de academias estrangeiras. Hoje, as áreas são muito compartimentalizadas — matemática, física, química. Mas a ciência atual é interdisciplinar. Um matemático pode atuar na biologia ou na medicina. Precisamos romper essas barreiras, como já fizeram academias dos EUA, Reino Unido e Alemanha. A mudança pode impactar universidades e agências de fomento.

CC: A senhora foi reeleita presidente da ABC e fala abertamente das dificuldades enfrentadas pelas mulheres na ciência. O que diria para quem está começando?

HN: Acredite em você. A ciência é para as mulheres, sim. Sempre é uma escolha de vida, e é possível conciliar ciência e família. Eu mesma faria tudo de novo. Tive apoio da família, de meu companheiro, da SBPC. E tive muita sorte de estar cercada de pessoas incríveis. Às meninas e adolescentes, eu digo: acreditem em si mesmas e sigam em frente!

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Last Update: 27/04/2025