Se existe uma certeza em relação ao futuro do cenário global é o de que ele é incerto, tendo em vista o caos, a desordem e o descontrole que o regem. Esta conclusão é do professor José Luís Fiori, Professor emérito dos Programas de Pós-graduação em Economia Política Internacional (IE/UFRJ), e em Bioética e Ética Aplicada (PPGBIOS/UFRJ), da UFRJ.
Tamanho caos é causado, por exemplo, pelo desaparecimento de atores do sistema mundial, que exerciam algum tipo de arbitragem capaz de negociar os crescentes conflitos no mundo, a exemplo de instituições e acordos firmados após o término da 2ª Guerra Mundial e Guerra Fria.
“Espatifaram, estão esvaziadas, não são legítimas, por definição. E a principal potência responsável, em grande medida, ou pela criação ou pela tutela dessas instituições, é hoje a principal contestadora dessas instituições. Não pode haver desordem maior”, aponta Fiori.
Um dos grandes exemplos apontados pelo professor é o G7, composto pelo Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, e cuja participação se justifica porque seriam as sete maiores economias do mundo. “O G7 é uma caricatura grotesca do que eles foram.”
Na análise de Fiori, ainda que tais países tivessem grande influência por muito tempo, hoje se mostraram uma organização pouco influente.
Tal percepção ficou clara quando, na semana passada, tais países se reuniram, porém sem grandes debates. Pelo contrário, o que mais havia era embates.
“Em primeiro lugar, eles não são mais as sete principais potências econômicas do mundo. Pelo menos, três outras não estão aí incluídas, entre as dez maiores. Segundo, eles não são, tampouco, as sete maiores economias mais industrializadas do mundo. Terceiro, eles não têm mais acordos sobre a condução da guerra na Ucrânia. Eles não têm acordos sobre a Rússia”, continuou o professor.
“Além disso, o que é quase cômico, o líder, o chefe dos sete que chegou de Boné na reunião com a anunciada ideia de anexar um dos sócios. É a primeira reunião do G7 depois da posse do Trump depois de ele ter anunciado que quer o Canadá e quer a Groenlândia”, emendou Fiori.
O presidente dos EUA foi responsável ainda pela recente guerra tarifária imposta justamente a parceiros que, diante de respostas à altura, obrigaram-no a recuar. “Donald Trump e os Estados Unidos não têm hoje mais o poder que Trump imaginou que teria.”
Segundo Fiori, Trump e sua equipe erraram no cálculo da eficácia da guerra comercial, não conseguiram intermediar o fim da Guerra na Ucrânia, como prometido em campanha pelo presidente ou conseguiram manipular o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. “Aos cinco meses de governo, você ter cinco milhões de pessoas na rua protestando contra você é um sucesso que poucos presidentes conseguem.”
Multipolaridade?
Em contrapartida à desordem interna dos EUA e desarticulação do G7, a China e os países asiáticos se reuniram este mês, durante o segundo Fórum China-Ásia Central, realizado no Cazaquistão. “Não há nenhum conflito. Estão discutindo cooperação, desenvolvimento, não tem ideia de guerra nenhuma.”
Enquanto o G7 não representa mais o poder econômico e político que apresentava décadas atrás, os BRICs formaram um bloco econômico promissor, uma vez que reúnem cinco dos 10 países mais ricos do mundo, somam 45% da população mundial, tem 43% do PIB mundial, 60% das reservas de gás e 50% das reservas mundiais de petróleo, além de deter o controle de terras raras e da produção de alimentos.
“Mas o que que é e, sobretudo, como funciona ou como funcionará uma ordem multipolar? Em princípio, ela soa melhor, ela parece mais democrática do que uma ordem unipolar, com certeza. Mas você não tem nenhuma ideia do que seja ou que possa vir a ser, essa ordem multipolar”, ressalta Fiori.
O que se sabe até o momento é o papel do hegemon, que apesar de passar a impressão de centralidade e estabilidade, é o grande desestabilizador do sistema global ao promover conflitos.
“O Ocidente, o G7, a OTAN, a União Europeia não vão abrir mão do poder que eles conquistaram nesses últimos 500 anos conversando. Não vão”, aposta o professor. “Eles estão vendo isso como uma perda de um poder que eles tiveram e que exerceram de forma implacável em todo o mundo nos últimos 500 anos, usando o seu direito de matar e invadir onde bem entendessem”, conclui o docente emérito.
A análise de Fiori foi compartilhada com os alunos do Ciclo de Estudos Estratégicos – Geopolítica do Século XXI, promovido pela Cátedra Celso Furtado, no auditório da FESPSP, na última terça-feira (17).
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