Desde o final de março circulam na imprensa e nas redes sociais rumores um tal “Plano Nacional dos Data Centers”. As especulações ganharam alguma concretude com a viagem de Fernando Haddad aos Estados Unidos, no início do mês, para a 28ª Conferência do Instituto Milken, think-tank norte-americano. O ministro falou todas as palavras mágicas: “reglobalização sustentável”, “energia limpa”, “segurança jurídica”. O ritual pretendia invocar famigerados “investimentos na América Latina” e a “aproximação dos Estados Unidos” relações que nos trouxeram incalculável progresso nas últimas décadas. Finalmente, Haddad apresentou a vontade do governo brasileiro de investir R$ 2 trilhões na construção de data centers no País.
Deveríamos achar isso bom, certo? É o Brasil chegando na “quarta revolução industrial”. Mais capacidade de processamento impulsionaria a pesquisa nacional e poderia habilitar um ambiente de empresas de tecnologia de informação brasileira. Quem sabe uma rede social nacional?
Perdoem-nos nosso ceticismo, mas é muito improvável que nosso ministro da prostração econômica resolva descolar sua testa do chão e estabelecer uma política altiva. A conversa já começa esquisita com as isenções de impostos para importação de equipamentos. Haddad diz que seria uma antecipação do que será a reforma tributária do consumo. Para quem não sabe, quase tudo no mercado de eletrônicos brasileiro, se está disponível, tem um preço duas vezes maior do que o praticado nos Estados Unidos, como se o dólar estivesse a R$ 10,00. É até natural que se proponha uma isenção porque esses impostos que protegem nossa indústria do futuro (que em 30 anos não deu as caras) praticamente inviabilizam uma atividade no setor.
Qual é a expectativa imperialista? O Brasil é o país mais rico da América do Sul e aquele com melhor infraestrutura. A energia não é barata na prática, mas deveria ser, e os monopólios imperialistas de tecnologia devem conseguir negociar melhor com nossas queridas concessionárias do que os lares brasileiros. Finalmente, o território do País abrange quase todo o subcontinente, de forma que é possível instalar data centers em regiões que não fiquem muito distantes de metrópoles vizinhas. A localidade dos data centers é fundamental para garantir um melhor serviço digital, com menos latência.
Além disso, permitam-nos uma especulação. Empresas chinesas como a Deepseek já demonstraram que a tecnologia inteligência artificial não necessita de tanto poder computacional como imaginado inicialmente. Outras empresas chinesas, graças às sanções impostas pelos Estados Unidos, estão avançando rápido em seu programa de pesquisa e desenvolvimento de chips de alto desempenho concorrentes das norte-americanas NVidia e AMD. Os chineses ameaçam o recente crescimento exponencial, especialmente da NVidia, e mercados dominados como o brasileiro são ótimos para garantir a sustentação desse crescimento através da compra forçada.
O que mais decepciona é a ausência de qualquer contrapartida por parte da oferta do governo. Concedemos o benefício da dúvida a Haddad uma vez que o Plano não veio a público ainda; mas dado o que se sabe até agora, por declarações do secretário do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Uallace Moreira, não há nenhuma exigência de que se desenvolva uma indústria de semicondutoras nacional.
Moreira mostrou-se preocupado com a “soberania digital” do Brasil somente porque 60% dos serviços de processamento de dados do País são importados, isto é, realizados em data centers fora do Brasil. “Qualquer crise da economia de dados deixaria a economia brasileira exposta”, disse o ministro. Mas convenhamos, que crise seria essa? Estaria os data centers sujeitos a um mau tempo, a um tufão digital? Finalmente são popularmente chamados de “computação em nuvem”.
Os únicos riscos são escassez de chips, que o Brasil não pretende fabricar, e escassez de energia, que pretendemos oferecer a esses data centers que muito provavelmente estarão em território nacional, mas ofertaram seus serviços para fora. Somente 10% da capacidade de processamento de dados estaria reservada para o mercado interno. O próprio secretário reconhece que poucos empregos são gerados, relacionados majoritariamente com a construção das instalações e instalação dos equipamentos. As empresas estão livres para importarem o que precisarem, exceto se produzido no Brasil. Ou seja, haverá alta demanda para as metalúrgicas que fabricam esses racks de servidores e talvez para empresas de cabeamento, mas em termos de tecnologia de ponta, o que é feito aqui?
Parece que levaremos mais um golpe econômico. E para completar a novela, o que a esquerda brasileira tem a dizer sobre o Plano? Ah, sim, que o impacto ambiental dos data centers é muito grande… A água para refrigerar os computadores, a energia elétrica consumida. O que será dos passarinhos? E das arvorezinhas?