Neste dia 22 de janeiro (dia 9, no antigo calendário juliano), o mundo lembra os 120 anos do Domingo Sangrento, o massacre realizado pela repressão do czar Nicolau II contra uma manifestação pacífica, liderada pelo padre ortodoxo russo George Gapon. Portando imagens do czar e entoando cânticos como “Deus Salve o Czar”, a população russa pedia um alento em meio às duras condições de vida decorridas da guerra contra o Japão, iniciada em 8 de fevereiro de 1904 e que duraria até setembro daquele ano, com a derrota russa.

Embora muito pacífica e ordeira, a manifestação terminou em um banho de sangue, com estimativas indicando pelo menos mil mortos, em uma cena tão grotesca que, segundo relatos, a própria neve ficara vermelha na região do Palácio de Inverno, sede do governo russo na então capital, São Petersburgo. A violenta reação do decadente regime czarista fez da data um estopim para a Revolução de 1905, considerada pelos revolucionários russos como o ensaio geral da revolução que 12 anos depois, triunfaria, enfim, não apenas contra o czar, mas também contra o imperialismo.

Completando o ciclo revolucionário iniciado em 1905, a Rússia derrubaria Nicolau II em março de 1917 (fevereiro no calendário juliano), pondo fim a um regime autocrático, de características medievais e extremamente atrasado, e finalmente, em novembro (outubro no calendário juliano), veria a primeira revolução proletária vitoriosa da história, sendo também o primeiro Estado operária. A conquista histórica que marca definitivamente a entrada da humanidade na temporada das revoluções proletárias, no entanto, teve um começo a quente, apesar do famigerado inverno glacial russo.

Após uma temperatura máxima de -10 °C registrada no dia anterior, o dia 9 amanhecera “relativamente agradável”: máxima de 3,5 °C na capital. Era como se São Nicolau (santo padroeiro da Rússia) estivesse abençoando a mobilização convocada pelo padre Gapon e que certamente, seria grande. Razões não faltavam.

Com o país em uma guerra destinada ao fracasso, as condições de vida da população se deterioravam com muita velocidade. Refletindo o atraso do país, a classe trabalhadora russa, mesmo na capital, ainda era de origem camponesa, refletindo esse modo de vida, muito marcado pela religiosidade, o que entre outras coisas, implicava na consideração do czar como um representante de deus.

Segundo a obra First blood; the Russian Revolution of 1905, escrita por Sidney Harcave, materiais de agitação revolucionária eram hostilizados pelos organizadores, que nada queriam com a marcha além de peticionar junto ao czar.

Redigida por Gapon, a petição expunha as condições adversas vividas pelos trabalhadores e apresentava suas demandas. Entre as solicitações, estavam a melhoria das condições de trabalho, a adoção de salários dignos, que acompanhassem a carestia, a redução da carga horária para oito horas diárias e a eliminação das horas extras obrigatórias impostas pelos donos das fábricas. Além disso, o documento pedia o fim da Guerra Russo-japonesa e defendia a implementação do sufrágio universal.

O massacre começou por volta das 10 horas da manhã, quando os primeiros tiros foram disparados contra os manifestantes. No entanto, ao contrário da versão popularizada, não houve um único confronto direto em frente ao Palácio de Inverno. Em vez disso, ocorreu uma série de embates em diferentes pontos de entrada da cidade, como nas pontes que levavam ao centro de São Petersburgo. A coluna liderada por Gapon foi atacada nas proximidades da Porta de Narva, onde cerca de 40 pessoas foram mortas ou feridas, embora o próprio padre tenha escapado ileso.
Enquanto o dia avançava, o caos se espalhava pela cidade, mas, até as 14 horas, muitos moradores da capital ainda caminhavam despreocupados pela famosa Perspectiva Nevski, a tradicional avenida de S. Petersburgo, geralmente bastante movimentada aos domingos. Muitas dessas pessoas não tinham a menor ideia da tragédia que se desenrolava em outras áreas da cidade. Entre os transeuntes, havia grupos de trabalhadores que ainda se dirigiam ao Palácio de Inverno, em cumprimento ao objetivo original da manifestação. Contudo, à medida que avançavam pela avenida, um destacamento da Guarda Preobrazhensky, que até então estava estacionado na Praça do Palácio, se dirigiu à Perspectiva Nevski e formou duas fileiras em frente aos Jardins Alexander.

Após um grito de advertência, soou uma corneta e, sem mais aviso, quatro rajadas de tiros foram disparadas contra a multidão, composta em grande parte por civis, muitos dos quais não haviam participado das marchas organizadas. A violência surpreendeu tanto os manifestantes quanto os transeuntes, provocando um pânico generalizado. Muitas vítimas, que haviam apenas se encontrado na rua por acaso, foram atingidas enquanto tentavam fugir do tiroteio.
A repressão violenta não se limitou a um único ato de violência, mas foi uma série de eventos sangrentos que resultaram em um número significativo de mortos e feridos. Estima-se que as vítimas do massacre sejam ainda maiores do que as inicialmente reportadas, com muitas pessoas fugindo para os arredores da cidade, tentando se esconder de uma força militar implacável. O impacto do massacre, longe de intimidar a população, gerou uma onda de indignação e revolta generalizada, consolidando ainda mais a ideia de que a resistência ao czarismo precisava ser levada adiante, o que efetivamente acontece.

O resto do ano de 1905 será marcado por greves políticas explosivas, agitação dos camponeses no interior, a formação dos primeiros “sovietes”(“conselhos”, em português) sendo derrotado apenas no final do ano. Uma derrota que como atestado pela história, era momentânea apenas. O Domingo Sangrento não só se tornou um marco na história da Rússia, mas também derrubou as ilusões do proletariado russo com o czar Nicolau II, que a partir daí, governará com uma ditadura sem muitos disfarces e que já não era apenas ineficaz, mas ferozmente anti-popular e por isso mesmo, deveria ser derrubada.

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Last Update: 22/01/2025