Falecido ontem, José Roberto Guzzo deixou uma marca indelével no jornalismo brasileiro. Tenho uma longa história crítica a contar do meu período na Veja, testemunhando a sua ascensão, como substituto de Mino Carta. Mas fico com a fase posterior, em que Guzzo simbolizou a ascensão e queda da Editora Abril. 

A ascensão se deu ao elevar substancialmente a tiragem de Veja e, depois, ao transformar Exame em uma revista preferencial do mundo empresarial. No início da era dos CEOs, fechou um contrato inédito com a Abril, com participação nos resultados. Ao que consta, ganhou muito dinheiro. 

A fase da queda foi no advento da informação digital. A Abril montou uma plataforma com suas revistas, a BOL, Brasil On Line. A missão foi entregue a Antônio Machado, jornalista experiente da área econômica. Eram dois projetos simultâneos, o do Universo On Line, da Folha, e a BOL, da Abril. 

Havia, obviamente, um processo de aprendizado. A BOL tinha a inequívoca vantagem do universo de revistas da Abril como conteúdo. No início, Machado padronizou o layout de todas as revistas. Como ainda não havia a Internet, o acesso era por linha discada, montou uma verdadeira central telefônica na Abril. 

A UOL, já com Luiz Frias no comando, foi mais ligeira. Apelou para salas de bate-papo, blogs, salas de sexo, tornando-se uma plataforma para conteúdo de terceiros. Ao mesmo tempo, passou a montar parcerias com provedores do interior. 

O grande poder político detido, então, pela mídia, fez com que fossem aprovadas regras obrigando as empresas de telefonia a remunerá-las pelos impulsos das ligações. 

Aí ocorreu o primeiro grande escorregão da Abril, o boicote dos chamados executivos de papel sobre Antônio Machado. Quem me relatou com Sérgio Reis, notável homem de marketing que a Abril tinha contratado para um cargo de assessoria. 

  • É terrível o que estão fazendo com Machado, me disse certa vez. 

Os responsáveis eram os dois executivos de papel, José Roberto Guzzo e Thomaz Souto Correa. 

A operação da BOL foi desacelerada e Roberto Civita aceitou uma fusão com a UOL. Mas a estratégia da empresa estava toda voltada para o papel. Por isso, os notáveis executivos de papel não perceberam os movimentos de Luiz Frias. Na fusão, a Abril permitiu que o  comando executivo fosse da UOL, para permitir à Abril dedicar-se somente ao papel. 

Nesse ínterim, eu tinha minha Agência Dinheiro Vivo. Os sócios originais tinham saído, o sistema Brodcast foi vendido para a Agência Estado, que contratou quase minha equipe inteira de informação online. 

Procurei o velho Frias, então, com a proposta de organizar uma agência de notícias econômicas para a Folha. Na conversa, percebi que Luiz Frias já tinha assumido as rédeas da empresa. Aliás, com uma proposta digital muito mais ampla do que uma agência de notícias econômicas. Mas Frias disse para que conversar com Roberto Civita. 

Tive um almoço com ele e Thomaz Souto Correa. Para minha surpresa, ele fazia mais perguntas sobre minha carreira, inclusive na Abril, do que sobre o projeto. À tarde, Paulinho Moreira Leite, Secretário de Redação da Veja, me telefonou dizendo dos rumores de que eu estaria sendo sondado para ocupar a direção da revista, com Mário Sérgio Conti já em desgraça. 

Minha parte na conversa foi tentar convencer Civita a trabalhar no conceito de grandes bancos de dados nacionais, construídos a partir dos estados. A conversa não deu em nada mas, semanas depois, ele se apropriou da sugestão e andou montando alguns eventos em Minas. Assim, na maior cara de pau. 

Mas os aspectos relevantes do negócio digital foram deixados de lado. Em movimentos rápidos, Luiz Frias liquidou com a posição da Abril. O primeiro, foi um aumento de capital imprevisto, com a entrada do grupo português Portugal Telecom, por meio de sua unidade PT Multimedia (PTM.com). Inicialmente, em 2001, PT adquiriu uma participação na UOL, correspondendo a aproximadamente 17,5 % das ações em troca dos ativos que detinha na internet — sobretudo através da holding Zip Holding e da Zip.Net. Surpreendida, a Abril não conseguiu acompanhar e perdeu definitivamente a participação no controle. 

Nem assim, a Abril aprendeu. Ainda possuía o conteúdo de dezenas de revistas e Veja ainda mantinha algum fôlego.  

Nesse momento, ocorre o segundo movimento, que acompanhei de perto, mas por vias indiretas. Na época, a IBM pretendia entrar mais pesadamente na onda da Internet e das vendas de varejo. Construiu um PC excepcional para a época, o Think Pad, e me convidou para “membro do conselho latino-americano do Think Pad”, um título nobiliárquico vazio. Mas a companhia era boa. Os dois outros membros eram Millôr Fernandes e Mário Henrique Simonsen. 

O trabalho era uma beleza. Passaríamos uma semana em Fort Lauderdale, uma cidade próxima a Miami, onde ela tinha seus laboratórios. E seríamos apresentado para todas as inovações desenvolvidas. Nosso papel seria, na condição de usuários de microcomputadores, escolher a melhor combinação de tecnologias. Simonsen acabou não podendo ir, mas a convivência com Millor foi inesquecível. 

Através desses contatos, fiquei sabendo que a IBM tinha enviado ao Brasil um alto executivo para convencer a Abril a adquirir seu sistema de Internet. Foram recebidos por Roberto Civita e seus dois executivos de papel. E a proposta foi rejeitada com um argumento inacreditável. A economia começava a bombar e os executivos diziam que não entrariam no mundo digital, porque não havia nada que fosse mais rentável que o lucro das revistas de quadrinhos. 

Obviamente, era um blague tipo Guzzo. Mas mostrava o receio imenso de perderem espaço na Abril para executivos mais antenados com o mundo digital. 

Quando a UOL deslanchou definitivamente, a Abril viu-se sem estratégia definida, e passou a usar o padrão Murdock – valendo-se de sua influência midiática para impulsionar outros negócios. Contratou, então, um CEO que passara pela TAM e o próprio comandante Rolim taxava de megalomaníaco. E passou a investir fortemente no mercado de educação. Adquiriu inúmeras editoras de livros didáticos e cursos. Buscava dinheiro em banco e ia comprando a torto e a direito. 

Comprou as editoras Attica e Scipione, os sistemas de ensino Anglo, Ser, Maxi e GEO, o Siga (focado na preparação para concursos públicos), o Curso e o Colégio pH, o Grupo ETB (Escolas Técnicas do Brasil), a Escola Satélite, a rede de escolas de inglês Red Balloon e a Livemocha, ensino de idiomas.

Na época, Chair Zaher, fundador do COC, e um dos pioneiros do uso da informática no ensino, me dizia de sua surpresa com as compras da Abril, em valores que jamais seriam recuperados na operação normal. 

Civita se valia da Veja para chantagens, jogadas comerciais, tentando emplacar seus sistemas de ensino e seus livros didáticos. Conto essa história em detalhes no meu livro “O caso Veja”. 

As extravagâncias prosseguiram em todos os ramos. Em 2008, o Grupo Abril e o Grupo Doria (do empresário João Doria Júnior) adquiriram a marca em sociedade, dividindo igual participação. Em dezembro de 2011, a Abril S.A. comprou os 50% restantes do Grupo Doria, assumindo 100% da Casa Cor. Na época, indaguei de Doria a razão de ter vendido sua parte. E ele disse que foi uma proposta inacreditável da Abril. 

O restante da história é conhecido. De um lado, a Abril afundando-se cada vez mais em negócios mal planejados. De outro, a revista Veja chafurdando no chamado jornalismo de esgoto, tentando o golpe capaz de salvar a empresa-mãe do desastre financeiro. 

Guzzo comandou intrepidamente a última fase da revista, tendo Eurípides Alcântara como braço armado. 

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Last Update: 03/08/2025