Guerra Tarifária: os EUA contra o mundo

por Renato Souza e Bárbara Koboyama

Os primeiros meses do novo governo Trump são marcados pelas ameaças e implementação de tarifas, principalmente contra China, México e Canadá. Esse discurso surge com a prerrogativa de que os produtos produzidos em território estadunidense estavam sendo deteriorados e de proteção da economia devido à competitividade dos produtos importados desses países. No entanto, essa política externa desencadeou resposta desses países e está impactando tanto na relação comercial de outros países quanto para os Estados Unidos.

O governo Trump teve como medida tarifária inicial impor 25% de tarifas para Canadá e México e 10% para China desde fevereiro de 2025 através da autoridade do IEEPA. Em março, houve um aumento de mais 10% de tarifas para a China e, posteriormente, uma suspensão de 30 dias para Canadá e México. No mês seguinte, o governo Trump anunciou a política de tarifas “recíprocas”, medida que passaria a cobrar o mesmo percentual tarifário para a entrada de importações dentro dos Estados Unidos.

O aumento das tarifas foi anunciado para todos os parceiros comerciais em uma variação entre 10% a 50% baseado na balança comercial entre esses países e os Estados Unidos. Na semana seguinte, o governo Trump anunciou 90 dias de pausa nas tarifas para todos os países, exceto a China. As tarifas impostas à China aumentaram em mais 50%, totalizando 125%. A maioria das importações de produtos chineses chegou a 145%, de acordo com o IEEPA.

A China respondeu também com tarifas em todas essas medidas. Em fevereiro, houve um aumento de 10% e 15% em 13,9 bilhões de dólares nas exportações dos Estados Unidos e mais 10% e 15% em 19,5 bilhões em março. As medidas em abril tiveram como resposta 34% de tarifas em todas as exportações dos Estados Unidos, depois 84% e também chegou a 125%, igual à medida dos Estados Unidos contra a China. Somente em maio, a Secretaria do Tesouro anunciou 90 dias de pausa no aumento das tarifas contra a China e redução dos 125% para 10%, sendo a mesma medida também tomada pelo governo chinês.

O Canadá e o México também deram uma resposta às medidas dos Estados Unidos desde o começo do ano. No caso canadense, o país respondeu com 25% de tarifas e, inclusive, planejando um aumento de 25% na exportação de eletricidade e que resultou em uma ameaça dos Estados Unidos em dobrar para 50% as tarifas do metal e do alumínio ao final do prazo inicial de 30 dias devido à retaliação do Canadá. Entretanto, as medidas foram suspensas. No caso mexicano, houve uma exceção nas tarifas de importação de veículos e produtos importados dentro do acordo de comércio USMC.

Além desses países, o governo Trump impôs 25% de tarifas para a Venezuela e para qualquer país que importa petróleo e gás venezuelano. As tarifas recíprocas contra a União Europeia foram de 20%, após ter sido anunciado anteriormente que seria de 25%. Em contrapartida, a União Europeia também anunciou um aumento das tarifas para 20 bilhões de dólares das exportações estadunidenses, mas foi suspenso dentro dos 90 dias. A maioria dos países foram avaliados com uma média de 25% de tarifas.

Efeitos econômicos e políticos

O economista Stephen Miran,  no fim do ano passado publicou um ensaio intitulado: A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System, nesse ensaio está contido de forma direta uma ideia de como implementar tarifas. O intuito deste guia seria de reestruturar a economia internacional para a dominância dos Estados Unidos de forma unidimensional como ocorreu em boa parte do período da formulação de Bretton Woods. Dentro do ensaio existem várias ideias de como o governo de Washington deveria fazer essa reestruturação, entre elas está o objetivo de implementar tarifas.

A ideia de implementar tarifas está baseada no pressuposto  de que por meio dessa medida seria possível gerar perdas a quem fosse o alvo desta medida. Miran afirma que as tarifas ocorreriam em uma compensação cambial na qual o aumento da tarifa proporciona uma desvalorização da moeda do exportador, ou seja, se as tarifas são de 10%, a moeda do país que exporta para os Estados Unidos sofreria uma perda proporcional a isso. Para concluir esse raciocínio, Miran utiliza dados da guerra comercial travada entre Estados Unidos e China no primeiro mandato do republicano, porém o atual conselheiro não leva em consideração que a China desvaloriza sua moeda para manter sua exportações com um certo nível de estabilidade.  

Um aspecto relevante para analisar esse aumento tarifário é o da necessidade de ação que o governo necessita mostrar ao seu eleitorado. Legalmente o atual mandatário não pode concorrer em 2028, tendo em vista que ao chegar a nova corrida presidencial já teria ocupado os dois mandatos máximos que é permitido. Assim, a materialidade de Trump e sua equipe é de ser um governo de mandato único sem a possibilidade de continuidade.

Essa característica limita as ações do governo de construir ou reconstruir algo dentro de um plano de médio/longo prazo. A ideia de implementar protecionismo dentro de distintas escolas do pensamento desenvolvimentista é reconhecida como uma medida interessante no aspecto econômico, autores como: Ha-Joon Chang, Celso Friedrich List e Arthur Lewis, elaboram de forma distinta a necessidade do protecionismo. O desenvolvimento econômico necessita de um amparo econômico e  judicial do governo para ser agente principal a guiar esse  processo ou mesmo em delegar esse papel a entes privados, a depender do modelo de desenvolvimento adotado.

Efeitos no comércio internacional e dentro da economia estadunidense

As tarifas ao serem implementadas geraram de forma imediata um aumento circunstancial nos preços dos produtos que são importados, essa elevação acompanha a porcentagem de acréscimo executado pela tarifa. De tal modo que, o preço dos produtos pagos pelos cidadãos estadunidenses aumentou com essa medida. Dentro do discurso de Stephen Miran, o formulador teórico e presidente do conselho de conselheiros econômicos do  atual governo, além de outros membros do alto escalão da economia estadunidense mantém a retórica de que as tarifas não serão pagas pelos Estados Unidos.

Um aspecto relevante da implementação dessas tarifas é a forma com que o governo de Donald Trump visa reestruturar a arrecadação e financiamento do Estado. Combater déficit comercial da balança de pagamento por meio de tarifas é uma medida complexa por alterar as  dinâmicas macroeconômicas em distintos setores da economia, diversos setores necessitam de mercadorias importantes e sem essa materialidade não possuem capacidade de continuarem existindo de forma eficaz.

Dada a volumetria financeira movimentada na balança comercial (que anualmente movimenta um montante acima de 3 trilhões de dólares), colocar tarifas de no mínimo 10% caracteriza uma reestruturação natural no financiamento da máquina pública. No ano fiscal de 2024, a arrecadação baseada em tributos intros representou mais de 2.4 trilhões para o financiamento do setor público.

No atual mandato, essa arrecadação  sofreu um duro golpe devido aos cortes promovidos pela Dodge, chefiada por Elon Musk. O Internal Revenue Service (IRS), esses cortes que parecer ser desassociados das tarifas, também estão inseridos em uma perpesctiva de reestruturação fiscal do governo. Com esses cortes na quantidade  de pessoas que trabalham e produzem os mecanismos operacionais necessários para essa captação seja funcional pode acarretar em evasão fiscal e uma diminuição da capacidade de financiamento público.

Quando ocorreu o Liberation Day, data que marcou a implementação das tarifas, teve um aspecto que que ficou escanteado após a apresentação das tarifas No evento, o presidente comunicou o interesse de reindustrializar o país. Fato esse que já estava presente  de Donald Trump desde a campanha presidencial. Para reaver essas indústrias foi vendido pelo governo que as tarifas seriam uma forma eficiente de proteger a indústria interna existente e ajudaria no projeto de reindustrialização.

Tendo em vista que a realocação de toda uma cadeia produtiva é algo custoso e demorado, um efeito colateral da falta de planejamento por parte do governo Donald Trump é de encarecer o consumo interno. A necessidade de demanda interna de mercadorias  que não são produzidas internamente dentro dos Estados Unidos, e outras mercadorias que são produzidas e necessitam de insumos importados da China, geram um encarecimento na oferta.

A guerra comercial como uma política de ameaça de longa data

A guerra comercial entre Estados Unidos e China não é uma particularidade desse mandato. As tarifas estão sendo impostas em milhares de produtos desde 2018 e 2019, no primeiro mandato de Donald Trump, que foram avaliadas como aproximadamente 380 bilhões de dólares nesse período.

As políticas tarifárias do governo Biden mantiveram as medidas tomadas no governo Trump, com exceção da implementação de quotas nas importações de metal e alumínio da União Europeia, Reino Unido e Japão. Houve também um aumento das tarifas em 18 bilhões de dólares dos bens chineses por um aumento das taxas em 3,6 bilhões de dólares em 2024. Ainda na campanha eleitoral de ambos os partidos, a guerra comercial contra qualquer país que possa ser visto como uma ameaça aos EUA teve um grande apelo aos eleitores estadunidenses.

O discurso de proteção dos Estados Unidos contra ameaças externas é sustentado no imaginário social do país quando considerado o cenário internacional atual, o qual é exposto pelos desafios em implementar medidas unilaterais. Apesar disso, a política interna e economia dos Estados Unidos enfrentam conflitos que demonstram uma contradição entre esse discurso e os impactos reais.

Esse tema tem relevância nas relações comerciais no sistema internacional devido à influência comercial e dependência das importação e exportação dos países em relação aos Estados Unidos, mas que também a ascensão da China e o surgimento de comercialização por meios multilaterais apresentam empecilhos aos objetivos da política externa estadunidense. As diversas medidas tomadas pelo governo Trump passaram por negociações que levaram a resposta dos outros países e a suspensão do aumento de tarifas.

De acordo com os dados do Comtrade de 2024, os Estados Unidos têm um índice de importação de produtos chineses de cerca de 462 bilhões de dólares, enquanto as exportações representam cerca de 143 bilhões de dólares para a China. Esses números demonstram um déficit comercial relevante em relação a esses países e as limitações das imposições dos Estados Unidos, assim como impactos na política interna e economia do país.

As tarifas contra a China e os acordos bilaterais

A implementação das tarifas mostrou de forma concreta que não há um plano amplo para sustentar suas ideias. Logo após anunciar as tarifas, Trump afirmou de forma jocosa que inúmero países estavam correndo atrás dos Estados Unidos para negociar as tarifas, Porém, o principal alvo das tarifas, a China, não fez nenhuma movimentação no sentido de negociar com o governo de Washington. Mesmo Pequim tendo os Estados Unidos como principal parceiro comercial, há um entendimento e intenção dentro da alta cúpula dirigente nacional de não ceder às pressões promovidas por Donald Trump.

Essa movimentação do governo de Washington de elevar tensões econômicas e correr na sequência para negociar com a China é um claro sinal de falta de planejamento. Em diferentes situações, o governo chinês se pronunciou afirmando que não estava negociando com Washington. Esse sinal é um claro de como o tempo e a  capacidade de fazer políticas eficientes afeta os dois governos, a China possui um plano de médio longo prazo e uma capacidade, devido ao sistema político, de criar artifícios necessários para se manter relevante nessa disputa. Os Estados Unidos, por outro lado, estão tentando de forma rápida alterar estruturas sem um plano amplo e eficiente respaldando essas medidas.

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Last Update: 12/06/2025