O novo governo Trump alterou a posição dos Estados Unidos, aproximando-os dos interesses russos na Ucrânia. As cenas do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sendo humilhado na Casa Branca, bem como as exigências para que ele aceite anexações territoriais e sujeite a Ucrânia à pressão russa, são a prova inequívoca dessa mudança. Trump suspendeu a ajuda financeira ao país como forma de pressão para que os termos russos, que preveem uma paz com anexações, sejam aceitos. Em paralelo, exige-se que Zelensky firme um acordo para a entrega das terras raras ucranianas às multinacionais estadunidenses.

Isso demonstra que a defesa que EUA e Europa promoviam em favor da Ucrânia não tinha relação com a soberania do país, mas fazia parte do plano para colonizá-la. Os interesses dos EUA se resumem a dominar a Ucrânia no plano econômico e, agora, para assegurar esse domínio, uma parte será cedida à Rússia. Ademais, o fato de Trump também querer enfraquecer a aliança entre o imperialismo chinês e a Rússia só reforça que os três se movem cada um segundo seus interesses imperialistas.

A Rússia não é movida por um suposto anti-imperialismo, mas por seus próprios interesses imperialistas na disputa por zonas de influência, mercados, matérias-primas e lucros. Atualmente a Rússia é um país dominado pela oligarquia burguesa, atuando como potência imperialista regional que, nesse momento, utiliza a força para invadir um país mais fraco e impor seus interesses, como historicamente fazem os países imperialistas.

A esquerda de tradição stalinista não só se posiciona de maneira equivocada na guerra, como endossa Putin politicamente, retratando-o como um baluarte anti-imperialista. Tal postura, ao enganar trabalhadores e povos, os faz confiar num setor burguês e numa ala do imperialismo. Pior ainda, Breno Altman, porta-voz das tradições stalinistas no Brasil, defende que a esquerda apoie a proposta de Trump, com anexações, alegando que tal medida seria uma vitória para os povos.

O que era capitulação à burguesia e ao imperialismo russo se torna agora capitulação a Trump e ao imperialismo dos EUA. Assim, os que apoiam essa posição se tornam cúmplices do que há de mais deplorável no que um campo burguês e imperialista pode oferecer. Se é verdade que a guerra na Ucrânia se insere nas disputas interimperialistas, com Trump esses interesses foram realinhados. Enquanto a Europa enfrenta dificuldades para defender seus próprios interesses, Trump e Putin costuram um pacto reacionário para dividir o espólio da guerra em meio ao derramamento de sangue dos trabalhadores ucranianos – é isso que Breno Altman comemora.

O impossível imperialismo anti-imperialista de Breno Altman

Até então, a justificativa para o apoio à Rússia na guerra era um suposto anti-imperialismo contra os EUA. Entretanto, como explicar que Trump, considerado o líder do campo inimigo da Rússia, aparece agora como seu melhor amigo? Surge, então, a nova justificativa de Breno: Trump estaria destruindo o sistema imperialista mundial. Dessa forma, o neostalinismo passa a apoiar até mesmo as medidas do imperialismo estadunidense sob a bandeira da luta do suposto campo burguês anti-imperialista.

Contudo, Trump não está erradicando o sistema imperialista mundial, mas adaptando-o aos interesses do seu projeto político e dos setores burgueses que defende. Breno ignora que as mudanças promovidas por Trump não atendem às necessidades dos trabalhadores, mas intensificam guerras, crises e ataques aos direitos.

É evidente que Trump expressa uma mudança profunda na política imperialista dos EUA. Da era de defesa aberta dos mercados, passamos para a era do imperialismo com guerra comercial e mais controle tarifário para os EUA. Contudo, nada altera a necessidade dos monopólios capitalistas estadunidenses de pilhar o mundo. A política “America First” baseia-se na superexploração da máquina imperialista mais poderosa, e por isso Trump ataca a soberania do Canadá, do México, da Groenlândia e de toda a América Latina.

O colapso da teoria dos campos burgueses progressivos

As organizações stalinistas ignoram o caráter de classe dos fenômenos, reduzindo os conflitos à mera confrontação entre dois campos políticos antagônicos. Segundo essa visão, os campos se alternariam ao longo da história, mas, em última análise, sempre haveria uma capitulação da esquerda a algum campo burguês rotulado de progressivo, democrático ou desenvolvimentista.

No caso atual, a Rússia, a China e o chamado “eixo de resistência” seriam um campo burguês progressivo, enquanto os EUA e a Europa formariam o campo imperialista reacionário. O primeiro erro é a caracterização dos setores: o PCB, por exemplo, passou anos promovendo uma aliança com uma burguesia supostamente nacionalista e progressista contra outra, tida como pró-imperialista e entreguista. Demorou décadas para ser constatado o que os trotskistas afirmavam desde os anos 1930: há uma relação intrínseca entre ambos os setores burgueses com a burguesia nacional associada com o imperialismo, sendo ambas contrarrevolucionárias.

Breno Altman esquece que o que move todos esses países burgueses e imperialistas são os interesses das suas próprias burguesias nacionais ou estrangeiras às quais estão associados. Não vê que tanto China quanto Rússia se movem de acordo com seus interesses capitalistas e imperialistas, e não de acordo com as necessidades dos trabalhadores ou o interesse da libertação dos povos.

O segundo erro e o mais importante é atribuir um caráter progressivo diante do fracionamento entre dois setores burgueses. Não é porque há briga entres eles que algum representa os interesses dos trabalhadores. Não há nada de progressivo em nenhuma das duas alas burguesas. Há algo que une todos esses setores burgueses. É o rebaixamento permanente do nível de vida do proletariado e a política de ataques aos direitos dos trabalhadores. Ao desconsiderar a diferença do caráter de classe fundamental entre burguesia e proletariado, qualquer análise sobre as diferentes frações da burguesia acaba embelezando um ou outro setor burguês.

A nova política de Trump expõe a falácia da teoria dos campos. Ela não explica como Trump costurou um acordo com Putin, vindos de campos supostamente opostos, para juntos explorarem a Ucrânia enquanto a Europa imperialista se rearma temendo novos conflitos. Isso demonstra que as diferentes frações do imperialismo se movem conforme seus interesses capitalistas de rapina e dominação, desmantelando a ideia de que a Rússia tem postura anti-imperialista ou progressista.

Anti-imperialismo, socialismo e libertação nacional

É evidente que a guerra da Ucrânia tem a ver com os conflitos entre os setores imperialistas que lutam para dominar economicamente o país. Mas isso é uma parte da realidade. A outra é que a guerra é também uma invasão, agressão e ocupação territorial da Ucrânia por um desses blocos imperialistas: a Rússia.

Frente à agressão de um país imperialista contra outro mais fraco, as questões de libertação nacional não podem ser negligenciadas. A única maneira de unir os trabalhadores na luta contra todos os blocos imperialistas (Rússia, EUA e Europa) e contra o governo Zelensky é estar na vanguarda da resistência à invasão estrangeira.

Para Breno Altman, a luta pela autodeterminação ucraniana é secundária. Ele ignora que Lênin defendia o direito à autodeterminação dos povos, defendia inclusive o direito à separação, reconhecendo a independência de nações após a revolução na Rússia, como o caso da Finlândia. Lênin nunca defendeu que a União Soviética tivesse o direito de massacrar algum outro país mais fraco para lutar contra o imperialismo, e olha que era o Estado operário revolucionário. Hoje, Breno legitima a opressão de um país capitalista opressor contra outro menor e dominado.

Lutar contra o imperialismo sufocando a liberdade nacional dos povos é ajudar o imperialismo. Não tem como dissociar a luta anti-imperialista da luta por libertação nacional. Assim como não tem como separar a luta anti-imperialista da luta contra o capitalismo. Não existe em nenhum lugar do planeta um setor da burguesia que seja progressivo ou anti-imperialista. Para lutar contra o imperialismo, é preciso enfrentar os campos burgueses que, ainda que não sejam iguais, representam interesses de setores diferentes do imperialismo e da burguesia mundial.

A posição dos socialistas diante da guerra na Ucrânia

Desde o início da guerra, a posição correta para a esquerda é a defesa incansável da soberania, da independência e do direito à autodeterminação da Ucrânia contra a invasão e o ataque imperialista russo, denunciando ao mesmo tempo o papel nefasto do governo Zelensky e do imperialismo dos EUA e da Europa. Mas, por defender essa posição, o PSTU foi acusado por uma parte da esquerda, principalmente de tradição stalinista, de ser aliado do imperialismo dos EUA, quando na verdade agora é ela que capitula não só a Putin, mas também a Trump e aos EUA.

As críticas partem de deturpações das posições do PSTU ao não mencionar que nunca defendemos a adesão da Ucrânia à OTAN ou à União Europeia. Sempre denunciamos que os EUA e os países europeus queriam colonizar a Ucrânia, garantindo os interesses de seus capitalistas. Nunca apoiamos o governo Zelensky; pelo contrário, de forma implacável, alertamos que a própria oligarquia capitalista ucraniana com ligações com a Europa e os EUA eram um entrave para a defesa da soberania do país.

Estamos no campo militar de Zelensky para derrotar a agressão russa sem prestar nenhum apoio político a este governo. A defesa que os EUA e a Europa fazem da Ucrânia é pura hipocrisia. A exigência de armas para a Ucrânia serviu inclusive para desmascarar que estes imperialismos nunca quiseram armar os trabalhadores e o povo ucraniano, único caminho para repelir a injusta agressão russa.

Breno Altman e vários setores da esquerda mundial não apenas estão no campo militar russo, como também prestam apoio político incondicional a eles, até mesmo diante do pacto com o imperialismo dos EUA.

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Last Update: 12/03/2025