Na última quarta-feira, 19 de março, a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, denunciou uma guerra digital contra seu governo, orquestrada com bots e campanhas milionárias de desinformação. A ofensiva visa desestabilizar sua administração, associando-a ao crime organizado. Esse fenômeno se insere no conceito de ‘guerra híbrida’, estratégia usada para minar governos sem confrontos militares diretos. 

Esse tipo de ataque não é novidade na América Latina, tampouco exclusivo do México. Pelo contrário, trata-se de um fenômeno recorrente em países do Sul Global, onde campanhas digitais são utilizadas como ferramentas para desestabilizar governos. Esse padrão pode ser compreendido à luz do conceito de “guerras híbridas”, discutido por Andrew Korybko em seu livro Guerras Híbridas: das Revoluções Coloridas aos Golpes.

Segundo Korybko, a guerra híbrida é uma estratégia contemporânea de desestabilização política e geopolítica, que combina táticas convencionais e não convencionais para enfraquecer governos e provocar mudanças de regime — tudo isso sem a necessidade de um confronto militar direto. Em vez de tanques e tropas, essa forma de guerra utiliza campanhas coordenadas de desinformação, manipulação da opinião pública e, em alguns casos, até o financiamento de grupos opositores.

O grande perigo dessa estratégia é sua capacidade de infiltrar-se no debate público de maneira sutil, criando um ambiente de instabilidade política que pode levar a crises institucionais. Explorando vulnerabilidades sociais e políticas, esses ataques digitais minam a confiança da população em seu próprio governo e nas instituições do país. E, quando isso acontece, atores internacionais — estatais ou não estatais — encontram terreno fértil para interferir em nações soberanas, influenciando seus rumos políticos sem precisar recorrer a ocupações militares ou sanções formais.

O que está acontecendo no México é um reflexo de uma tática já testada e aplicada em outros países. Diante disso, a grande questão que se impõe é: como as democracias podem se proteger desse tipo de guerra invisível, onde as batalhas são travadas nas redes sociais e nas narrativas que circulam na internet?

O caso mexicano

Com um impressionante índice de aprovação de 80% e mantendo um diálogo diário com a população, Claudia Sheinbaum se consolidou como a líder mais popular do mundo na atualidade. Eleita como sucessora do ex-presidente Andrés Manuel López Obrador, ela representa a continuidade do projeto político da Quarta Transformação, uma agenda progressista que busca fortalecer programas sociais, ampliar direitos e reduzir desigualdades no México. No entanto, essa popularidade e seu posicionamento político a tornaram alvo de uma ofensiva massiva de desinformação.

Na última semana, a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, trouxe à tona um alerta preocupante: seu governo estaria sendo vítima de uma “guerra digital” cuidadosamente orquestrada. Segundo ela, uma campanha milionária tomou conta das redes sociais, impulsionada por bots e perfis automatizados, espalhando a narrativa de que o México estaria se tornando um narcoestado e que sua gestão estaria conivente com o crime organizado.

O que está em jogo aqui não é apenas a reputação de um governo, mas a própria estabilidade política do país. Criar essa associação entre o governo e o crime organizado não é apenas um ataque político comum – trata-se de uma estratégia bem orquestrada para deslegitimar a administração de Sheinbaum e enfraquecer sua governabilidade. Esse tipo de campanha não acontece ao acaso. De acordo com as investigações, entre os dias 12 e 17 de março, cerca de 20 milhões de pesos (aproximadamente um milhão de dólares) foram investidos em campanhas difamatórias na internet, amplificando artificialmente essas narrativas e tornando-as virais.

Mas o que torna esse caso ainda mais inquietante é o envolvimento de atores externos. Relatórios indicam que contas ligadas à ultradireita internacional, provenientes de países como Colômbia, Espanha e Estados Unidos, participaram ativamente da disseminação dessas informações. Isso sugere que a campanha não é apenas um movimento espontâneo de opositores internos, mas parte de uma rede mais ampla, alinhada a interesses geopolíticos que vão além das fronteiras mexicanas.

O que estamos vendo no México se encaixa perfeitamente no conceito de guerra híbrida, como descrito por Andrew Korybko. Essas táticas não dependem de tanques nas ruas ou golpes militares explícitos – elas operam no campo da informação, corroendo, pouco a pouco, a legitimidade de um governo até que ele se torne politicamente inviável.

A disseminação da narrativa de um “México narcoestado” não apenas gera instabilidade interna, mas também afeta a forma como o país é percebido internacionalmente. Esse tipo de estratégia já foi testado e aplicado em outros países do Sul Global, onde campanhas massivas de desinformação foram usadas para minar governos considerados incômodos para determinados interesses internacionais.

O mais perigoso é que essas operações digitais conseguem produzir efeitos profundos sem que seus responsáveis precisem se expor diretamente. Elas criam um terreno fértil para a desconfiança pública, dificultando a identificação dos reais articuladores desse processo. Quando uma população começa a questionar sistematicamente a legitimidade de suas instituições e líderes, abre-se caminho para a instabilidade, o descontentamento social e até mesmo mudanças de regime forçadas.

O caso mexicano nos lembra, mais uma vez, que as guerras híbridas evoluíram e se adaptaram à era da informação. Elas não precisam mais de soldados ou tanques – bastam algoritmos, redes sociais e investimentos bem direcionados para plantar a semente do caos. O desafio agora é reconhecer essas táticas e fortalecer os mecanismos de defesa democrática contra esse tipo de manipulação.

Desafios à democracia

Um dos efeitos mais preocupantes desse tipo de campanha é o impacto direto na confiança da população em suas próprias instituições. Quando uma narrativa negativa é repetida exaustivamente — associando um governo ao crime organizado ou à corrupção —, ela começa a corroer, pouco a pouco, a percepção pública sobre a legitimidade das lideranças. Mesmo que, segundo a presidenta Claudia Sheinbaum, apenas uma pequena parcela dos mexicanos esteja no X (antigo Twitter), onde a maior parte dessa ofensiva aconteceu, o estrago já estava feito. Afinal, a desinformação não precisa alcançar a maioria para ser perigosa; basta que ela atinja formadores de opinião e crie um clima de dúvida e descrença generalizada. Quando as pessoas deixam de confiar em seus governantes e instituições, a governabilidade se fragiliza, abrindo espaço para descontentamento popular, instabilidade política e, em casos extremos, até crises institucionais.

Vivemos em uma era hiperconectada, onde a velocidade com que a desinformação se espalha é impressionante. Notícias falsas ou distorcidas, impulsionadas por algoritmos e bots, viralizam rapidamente, criando percepções que podem se tornar irreversíveis. Um governo sob ataque constante dessa forma enfrenta desafios gigantescos para se comunicar com a população e conseguir implementar políticas públicas eficazes. A longo prazo, isso não apenas mina a credibilidade da gestão atual, mas pode levar parte da sociedade a rejeitar totalmente suas lideranças, gerando ciclos de crise que alimentam protestos, turbulências políticas e até mesmo tentativas de derrubada de governos eleitos democraticamente.

Outro fator alarmante nesse tipo de ofensiva é o risco direto que ela representa para a democracia e a soberania de um país. Quando forças internas ou externas manipulam a opinião pública por meio da guerra híbrida, elas enfraquecem a autonomia das nações, influenciando artificialmente o rumo político. Não se trata apenas de uma disputa narrativa; estamos falando de um método sofisticado de intervenção indireta, que pode colocar um país nas mãos de interesses estrangeiros sem que um único tiro seja disparado.

O que está em jogo não é apenas um governo, mas a capacidade de uma nação de decidir seus próprios rumos sem interferência externa. Quando campanhas de desinformação atingem esse nível de sofisticação, elas podem até justificar sanções econômicas, pressões internacionais e, em casos mais graves, servir como pretexto para golpes ou outras formas de intervenção direta. Apesar de silenciosa e muitas vezes invisível para o grande público, a guerra híbrida é uma das ferramentas mais eficazes de desestabilização na política contemporânea.

O que acontece no México agora não é um caso isolado. O que Claudia Sheinbaum denunciou faz parte de um padrão já visto em diversos países do Sul Global. Campanhas de desinformação são utilizadas como armas para enfraquecer governos que não se alinham a determinados interesses. Quando um governo perde sua credibilidade aos olhos da população, sua soberania também se fragiliza, tornando-se mais vulnerável a pressões externas e internas.

Diante desse cenário, a questão que se impõe é: como os governos e as sociedades podem se proteger dessas novas formas de ataque? É fundamental que existam estratégias para fortalecer a resiliência democrática, combatendo a desinformação com transparência e investindo em educação midiática. Regular o uso de redes sociais para evitar sua instrumentalização política, responsabilizar plataformas por campanhas coordenadas de fake news e incentivar um jornalismo investigativo sólido são passos essenciais para garantir que a soberania popular não seja sequestrada por interesses ocultos.

A guerra híbrida da era digital não precisa de armas tradicionais, mas seus efeitos podem ser tão devastadores quanto. A resposta para esse desafio não é simples, mas começa com um princípio fundamental: a defesa da verdade como pilar da democracia.

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Last Update: 25/03/2025