Por Armando Alvares Garcia Júnior*

Em The Conversation

A recente crise comercial entre Colômbia e Estados Unidos, desencadeada pela recusa do governo colombiano em receber voos com deportados e a consequente imposição de tarifas de 25% por parte da administração Trump, evidencia o uso de barreiras comerciais como instrumentos de pressão política. Trata-se de um precedente perigoso. Este artigo analisa as repercussões dessa estratégia em outros países latinoamericanos, especialmente México, Brasil e América Central, e explora possíveis respostas governamentais diante de futuras coerções econômicas similares.

Em 26 de janeiro de 2025, o presidente Gustavo Petro anunciou que a Colômbia não aceitaria voos com deportados colombianos devido às condições desumanas em que eram transportados. Como resposta, Donald Trump impôs imediatamente tarifas de 25% sobre as importações colombianas e ameaçou aumentá-las para 50% caso a decisão não fosse revertida. Após negociações, em 28 de janeiro, o governo aceitou a chegada dos deportados sob a condição de que fossem transportados em aviões colombianos, o que permitiu a suspensão das tarifas antes de sua implementação.

Tarifas como instrumento de coerção política

Historicamente, as tarifas alfandegárias têm sido utilizadas como ferramentas de proteção econômica, regulando o comércio e protegendo indústrias nacionais da concorrência estrangeira. Entretanto, sua aplicação como instrumento de coerção política representa um desvio significativo dessa função tradicional. Em vez de servirem como mecanismo de equilíbrio comercial, passam a ser empregados para pressionar decisões políticas e diplomáticas, ampliando a instabilidade global.

A dependência econômica do México em relação aos Estados Unidos é significativa, com mais de 75% das exportações mexicanas destinadas ao mercado norte-americano. Em 2024, essas exportações somaram mais de US$ 466 bilhões, consolidando o México como o principal fornecedor de produtos para os EUA. Com a efetivação das tarifas de 25% sobre as importações mexicanas, iniciadas em 1º de fevereiro de 2025, a presidente Claudia Sheinbaum afirmou que seu governo possui planos de contingência e enfatizou a importância de manter um diálogo equilibrado com Washington. O secretário de Economia, Marcelo Ebrard, destacou que tais tarifas podem prejudicar os consumidores americanos, elevando os preços de diversos produtos.

Sheinbaum também rejeitou as acusações da Casa Branca sobre supostos vínculos de seu governo com o narcotráfico, reforçando a necessidade de cooperação entre os países. De momento, o governo declarou que implementará medidas tarifárias e não tarifárias sobre diversos produtos norte-americanos. Previsivelmente imporá tarifas de até 25% sobre o milho, a carne suína, o queijo, as batatas e as bebidas alcoólicas, além de restrições para algumas empresas dos EUA que operam no país. Paralelamente, o governo mexicano começou a intensificar contatos d diplomáticos com outras potências (como China), para reduzir sua dependência econômica dos EUA.

Brasil diz que haverá reciprocidade

No caso do Brasil, maior exportador mundial de soja e carne bovina (commodities), o impacto das novas tarifas também está sendo avaliado. Em 2023, o país exportou 2,26 milhões de toneladas de carne para mais de 150 mercados, com a China sendo o principal destino. Diante da possibilidade de tarifas impostas pelos EUA, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, caso isso ocorra, haverá reciprocidade por parte do Brasil, indicando uma postura firme na defesa dos interesses comerciais brasileiros e uma busca por diversificação de mercados.

A situação no Canadá escalou após a entrada em vigor das tarifas de 25% sobre produtos canadenses e de 10% sobre os produtos energéticos do país no dia 1º de fevereiro. O primeiro-ministro Justin Trudeau assegurou que seu país responderia de forma decidida e enérgica, implementando contramedidas imediatas. O governo canadense anunciou tarifas de retaliação de 25% sobre produtos americanos no valor de US$ 107 bilhões, com US$ 30 bilhões entrando em vigor imediatamente e os 77 bilhões restantes sendo aplicados em três semanas. Os produtos americanos afetados incluem cerveja, vinho, bourbon, frutas, sucos (como o suco de laranja da Flórida), roupas, equipamentos esportivos, eletrodomésticos, uísque (do Tennessee) e manteiga de amendoim (do Kentucky). Além disso, o Canadá estuda a imposição de tarifas de 100% sobre veículos Tesla, como forma de pressionar um dos aliados mais influentes de Trump, Elon Musk. Especialistas estimam que essas tarifas podem reduzir o PIB canadense em até 2,4% no primeiro ano.

China vai levar o caso à OMC

A China respondeu às tarifas adicionais de 10% impostas pelo governo Trump, justificadas como uma forma de conter o fluxo de fentanil, a imigração ilegal e reduzir o déficit comercial, impondo restrições sobre produtos agrícolas dos EUA, como milho, soja e carne bovina, além de tarifas sobre semicondutores e componentes eletrônicos. Paralelamente, está intensificando contatos diplomáticos para fortalecer sua cooperação econômica com a América Latina. Em resposta à nova ofensiva tarifária de Washington, Pequim anunciou que levará a questão à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ampliará, sendo o caso, as contramedidas para proteger seus interesses.

O problema é que a OMC está em crise desde 2019, quando o primeiro governo Trump bloqueou a nomeação de juízes para o órgão de apelação, alegando “ativismo judicial”, o que inviabilizou o sistema de solução de controvérsias da instituição.

Diante desse impasse, a China tem duas opções: recorrer ao Acordo Interino de Apelação (MPIA), mecanismo alternativo reconhecido por mais de 20 países, mas não pelos EUA, ou buscar uma decisão em primeira instância na OMC, que, sem possibilidade de apelação, se tornaria automaticamente válida após 60 dias, embora possa ser ignorada por Washington.

Novas tarifas podem impulsionar a demanda por produtos latinoamericanos no mercado chinês
Sendo otimistas, a curto prazo, as novas tarifas podem impulsionar a demanda por produtos latinoamericanos no mercado chinês, uma vez que as exportações dos Estados Unidos para a China se tornam menos competitivas. No entanto, há riscos de que a guerra comercial entre Washington e Pequim gere instabilidade econômica e prejudique o comércio global, afetando os países da América Latina que dependem da demanda chinesa por commodities (como cobre, soja e petróleo) e tecnologia.

No que concerne à América Central, a região depende significativamente das remessas enviadas por imigrantes nos Estados Unidos, que em 2023 atingiram níveis recordes, representando aproximadamente 25% do PIB de alguns países. O comércio bilateral com os EUA também é vital para essas economias, especialmente no contexto do Tratado de Livre Comércio entre República Dominicana, América Central e Estados Unidos (CAFTA-DR), em vigor desde 2004.

Por outro lado, Trump declarou que pretende expulsar a Nicaragua do tratado com América Central porque não lhe interessa como sócio. Com a implementação das novas tarifas, os governos locais estão avaliando estratégias para diversificar seus parceiros comerciais e reduzir sua vulnerabilidade econômica, reconhecendo a necessidade de maior coordenação regional para enfrentar as políticas protecionistas dos EUA.

Estratégia de Trump deve potencializar presença chinesa na AL

A curto prazo, a estratégia de Trump pode até fortalecer sua posição de poder. Contudo, a médio e longo prazo, essa política terá um efeito contrário, potencializando a presença chinesa na América Latina. A China tem ampliado significativamente seus investimentos na região, especialmente em setores como infraestrutura, energia e tecnologia. Um exemplo é o megaprojeto portuário de Chancay, no Peru, desenvolvido em parceria entre a estatal chinesa COSCO Shipping Ports e a empresa peruana Volcan Compañía Minera, com um investimento estimado em US$ 3,6 bilhões. Este porto visa facilitar o comércio entre a América do Sul e a Ásia, consolidando o Peru como um centro portuário no Pacífico sul.

Na área energética, a China tem impulsionado projetos de energia renovável, com investimentos importantes em energia solar e eólica, contribuindo para a transição energética da região. No âmbito tecnológico, empresas chinesas estão ativamente envolvidas na implementação da tecnologia 5G. A Huawei, por exemplo, tem colaborado com diversos países latinoamericanos para desenvolver a infraestrutura necessária para esta rede, fortalecendo a conectividade e impulsionando a inovação tecnológica.

Vários países latinoamericanos, incluindo México, Brasil e, de forma pragmática, Argentina, estão fortalecendo suas relações comerciais com a China e a Índia, buscando diversificar seus parceiros econômicos e reduzir a dependência dos Estados Unidos. Apesar da rivalidade entre China e Índia, ambas compartilham o interesse em ampliar os laços comerciais com a América Latina, desafiando a hegemonia dos EUA.

Índia mantém posição ambígua

No entanto, a posição da Índia nesse novo tabuleiro geopolítico é mais ambígua. Embora tenha se aproximado dos Estados Unidos por meio de acordos estratégicos e da participação no grupo Quad (juntamente com Austrália e Japão), o país continua buscando preservar sua autonomia diplomática. Ao mesmo tempo, mantêm relações sólidas com outras potências, como a Rússia, e fortalece suas parcerias com países em desenvolvimento, o que a coloca em uma posição independente no cenário internacional. Sua colaboração comercial com a América Latina, especialmente em setores tecnológicos (ciência, tecnologia e inovação, com ênfase em biotecnologia, nanotecnologia e tecnologia da informação, no Brasil) e energéticos (como o litio na Argentina), reforça sua estratégia de diversificação econômica sem se alinhar totalmente a nenhum dos grandes blocos geopolíticos.

O fortalecimento do BRICS+ é outro fator que indica a reconfiguração das relações internacionais. Liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o bloco se consolida como uma plataforma reivindicativa dos países em desenvolvimento, promovendo uma alternativa ao domínio econômico do Ocidente. A inclusão de novos membros no ano passado (Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã) e em janeiro deste ano (Indonésia), além das recentes negociações para a suposta criação de uma moeda comum para transações comerciais entre seus membros (desmentido por Rusia, que afirmou tratar-se de uma mera plataforma de investimentos conjuntos entre os países membros, ante a ameaça de Trump por impor barreiras tarifárias de 100% ao grupo) demonstram que um novo cenário global está emergindo, impulsionado, ironicamente, pelo protecionismo e isolacionismo autoimposto da administração Trump.

A longo prazo, as medidas tarifárias de Trump estão desmantelando o T-MEC (antes conhecido como Tratado de Livre Comércio da América do Norte: Estados Unidos, México e Canadá), provocando um realinhamento geopolítico e geoeconômico que afetará profundamente a América Latina. Neste sentido, o próprio fortalecimento do BRICS+ tem ganhado espaço, contando com novos membros. Em 2024, ingressaram Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em 2025, a Indonésia se aderiu ao bloco. Essa reconfiguração pode acelerar a diversificação dos mercados latinoamericanos e reduzir sua dependência econômica de Washington, impulsionando novas alianças comerciais globais.

A crise entre Colômbia e EUA estabeleceu um precedente na utilização de tarifas como instrumento de pressão política. No entanto, a consequência inesperada pode ser o fortalecimento de um novo eixo geopolítico liderado pela China e sustentado pelo BRICS+. A América Latina, longe de ser apenas vítima dessas políticas, encontra oportunidades para redefinir seu posicionamento no comércio global, diversificando parceiros e diminuindo sua dependência de Washington. O futuro do continente dependerá de sua capacidade de articular alianças estratégicas e fortalecer sua presença nos novos blocos econômicos emergentes.

* O autor é professor da Faculdade de Direito Público Internacional e Relações Internacionais da Universidade Internacional de La Rioja

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Last Update: 03/02/2025