Nas últimas semanas, a economia mundial tem passado por fortes turbulências decorrentes da imposição de tarifas de importação pelos Estados Unidos sobre produtos estrangeiros, o que abalou as estruturas do sistema de comércio internacional que os próprios norte-americanos ajudaram a conceber desde o pós-guerra.

Surpreendente pela forma simplória como foi concebido e anunciado, o “tarifaço” do governo Donald Trump dividiu países de acordo com as balanças comerciais em relação aos EUA e opôs as taxas que julgaram necessárias para um equilíbrio de contas vis a vis, como se fosse possível a um pequeno e pobre país que vive de vender banana comprar o equivalente em produtos de alto valor agregado.

Fato é que praticamente o mundo todo foi atingido, em maior ou menor grau: 10% para países da América Latina, 25% para os do bloco da União Europeia, chegando a 54% – e depois escalando para 145% – para a China. Pela dimensão draconiana da imposição tarifária, fica nítido que o alvo efetivo da medida é a tentativa de bloquear o crescimento da China, que a essa altura já é o país de maior economia em paridade de poder de compra e visto como rival a ser batido pelos EUA.

Ocorre que a correlação de forças entre os países em 2025 é outra e Donald Trump é uma figura anacrônica, que vê o mundo com as lentes do passado. Aparentemente, ele chegou mesmo a acreditar que Pequim se dobraria diante do “rosnado” e seria tangida pelo beiço a uma mesa de negociação em condições desfavoráveis.

Ledo engano. A China revidou na exata medida e encorajou a reação de outras nações e blocos econômicos para defender seus interesses internos. Além de utilizar do princípio da reciprocidade para elevar suas tributações sobre produtos norte-americanos na mesma proporção, o país asiático deu contragolpes cirúrgicos e de forte impacto, como restrições a exportação de terras raras – insumo fundamental para a indústria de tecnologia de ponta, como eletrônica, automotiva e aeroespacial -, ampliação do comércio agropecuário com outras nações, com destaque para a soja brasileira, redução da importação de filmes estadunidenses e até a proibição de entregas de jatos da Boeing às empresas do país.

Também acenou com a venda de títulos da dívida pública americana, movimento realizado por muitos investidores pelo mundo, obrigando o governo a oferecer juros futuros mais altos para se financiar. Está ocorrendo, na verdade, um processo inédito de corrosão da credibilidade dos EUA. O movimento típico em todas as crises econômicas nas últimas décadas foi de procura por ativos do governo americano, como um porto seguro diante de incertezas. Desta vez é o contrário.

Para agravar o quadro, do total do estoque de dívida dos EUA, quase 3 trilhões de dólares estão concentrados nas mãos do Japão (1 trilhão de dólares), China (760 bilhões) e Reino Unido (740 bilhões). Uma eventual derrama poderia ter consequências devastadoras para os Estados Unidos e toda a economia do planeta.

Não fosse o suficiente, a globalização imposta pelas próprias nações centrais gerou interligação tal das economias que a imposição de tarifas traz reflexos em larga escala e pode desorganizar cadeias produtivas globais, impactando as próprias empresas americanas. Afinal, um smartphone tem componentes produzidos na própria China, na Índia, em Taiwan, Japão, Coreia do Sul, Alemanha… Não foi à toa que, anunciadas as tarifas, a própria Apple fretou aviões cargueiros para levar aos EUA cerca de 1,5 milhão de Iphones da Índia para driblar a sobretaxa.

As grandes empresas de tecnologia dos EUA até o momento não têm muito a comemorar com o desempenho de Trump, a quem se aliaram umbilicalmente. Ao contrário, nos primeiros dias de abril, as chamadas “7 Magníficas” (Tesla, Nvidia, Google, Amazon, Microsoft, Meta e Apple) perderam 1,8 trilhão de dólares em valor de mercado, derretendo mais de 4,2 trilhões de dólares desde a posse do atual presidente.

Diante de uma reação global que envolveu reciprocidade tarifária, perda de confiança em seus títulos públicos, desvalorização de suas principais empresas e quedas expressivas nas bolsas de valores, a pressão se tornou insustentável e Trump teve de ceder. Obviamente, não o fez reconhecendo a queda, mas estabelecendo um prazo de 90 dias para negociações antes das tarifas entrarem em vigor. Politicamente, ficou claro: foi obrigado a recuar.

É certo que a guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos ainda está longe do fim e os prenúncios de um acontecimento dessa magnitude não são nada alvissareiros. O poderio econômico e bélico estadunidense segue gigantesco e não pode ser subestimado, mas é notório que, até o momento, o tarifaço mais evidenciou fragilidades do que reavivou a força hegemônica de outrora.

Para quem ainda duvidava de sua centralidade no mundo globalizado, a boa e velha questão nacional mostrou-se mais viva e atual do que nunca. O pano de fundo da guerra comercial é a busca dos EUA por manter sua hegemonia mundial a todo custo, diante de uma China imparável e que há três décadas é o principal dínamo do crescimento econômico do mundo.

Por seu turno, os mais de cinco mil anos de história da nação asiática dão provas suficientes de que a China e seu povo sabem defender seus interesses diante de ataques externos. Na atual crise, por exemplo, enquanto o governo americano espalha brasa e entra em conflito com todos ao mesmo tempo, a diplomacia oriental busca fortalecer os laços regionais e de blocos do sul global para diversificar mercados e ampliar influência. São emblemáticos desse movimento a viagem de Xi Jinping ao Vietnã e o pronunciamento da chancelaria do país afirmando que a “América não é quintal de ninguém”, em óbvio contraponto a recente declaração de um secretário do governo Trump.

Nesse cenário de tantas incertezas e riscos, uma coisa parece certa: enquanto os EUA querem impor aos solavancos a continuidade de uma ordem mundial caduca, a China tem um plano em curso e segue inabalável perseguindo seu objetivo.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 24/04/2025