O Relatório Alternativo sobre a Pobreza 2025, da organização Latet, lança luz sobre um impacto que o governo Netanyahu tenta minimizar: a guerra contínua contra Gaza devastou não apenas os palestinos — vítimas esmagadoras da violência — mas também a própria economia israelense.
Enquanto Tel Aviv insiste em uma estratégia militar de longo prazo, o país mergulhou em um colapso macroeconômico: explosão do custo de vida, queda da renda real, insegurança alimentar em massa e erosão do orçamento público.
O relatório descreve uma sociedade que está pagando, em níveis inéditos, o preço de uma política que prioriza a guerra em detrimento da estabilidade interna.
Há mais de 30 anos, Israel trava um conflito de desgaste contra a pobreza, sem estratégia clara, sem recursos dedicados e sem liderança política comprometida. E, segundo Eran Weintrob, CEO da organização humanitária Latet, “até agora, estamos sofrendo uma derrota total”.
Segundo Weintrob, são 2,76 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza — entre elas, crianças, idosos, sobreviventes do Holocausto, famílias monoparentais e comunidades periféricas. “Não há mortos contabilizados, mas há feridos silenciosos: corpos fragilizados pela insegurança alimentar, mentes corroídas pelo estresse crônico e sonhos interrompidos pela falta de oportunidades”.
Custo de vida dispara — e Estado falha em proteger sua população
A Latet calcula que o custo mínimo mensal para viver em Israel em 2025 é de 5.589 NIS por pessoa e 14.139 NIS para uma família de quatro. Esses valores superam, de forma expressiva, a linha de pobreza oficial e até mesmo a soma de dois salários mínimos integrais.
Ou seja: trabalhar não garante mais sobrevivência. A política econômica atual — marcada pela militarização do orçamento e pela redução de gastos civis — empurra famílias para um déficit permanente que chega a quase 40%.
Sob Netanyahu, Israel vive sua pior combinação macroeconômica desde os anos 1980:
- inflação persistente em alimentos e energia,
- explosão dos gastos militares,
- desestruturação da força de trabalho, com milhares de reservistas fora do mercado,
- queda da arrecadação e aumento da dívida.
A guerra contínua tornou-se o principal vetor da recessão social.
“Apesar da crise humanitária crescente, o governo israelense prioriza gastos militares e acordos de coalizão. O orçamento nacional revela uma inversão de valores: cortes sociais duros estão previstos, incluindo aumento do IVA, congelamento de benefícios infantis e redução de serviços públicos essenciais”, diz Weintrob.
O relatório revelou que quase um quarto dos beneficiários de ajuda humanitária necessitaram de assistência alimentar nos últimos dois anos, desde o início da guerra. Além disso, 61,9% descreveram sua saúde mental como “ruim”, uma taxa quase três vezes maior do que a relatada entre a população de colonos em geral. Mais de 42% dos beneficiários de ajuda humanitária e cerca de 46% dos idosos assistidos afirmaram que seu bem-estar mental piorou desde o início da guerra.
Pobreza e fome crescem enquanto governo prioriza o esforço militar
O relatório revela números chocantes:
- 26,9% das famílias enfrentam insegurança alimentar,
- 2,8 milhões de pessoas não conseguem garantir refeições básicas,
- 1,18 milhão de crianças vivem situação de privação.
O aumento entre 27% e 29% em apenas um ano não é acidental — é consequência direta da combinação entre gastos militares recordes, inflação e colapso do Estado de bem-estar.
A Latet estima que cada família israelense paga 9.000 NIS extras por ano para sobreviver, impulsionada por custos de saúde que subiram quase 15% durante o período de guerra.
Enquanto isso, Netanyahu segue direcionando recursos para a ofensiva militar, sem apresentar qualquer plano consistente de recuperação econômica.
Uma crise produzida pelo governo — e que poderia ter sido evitada
O relatório é explícito: o empobrecimento acelerado não decorre apenas da guerra, mas de escolhas políticas. O Estado abriu mão de amortecer a crise, reduziu investimentos sociais e manteve subsídios regressivos que beneficiam setores militares e coloniais.
Trata-se de um colapso previsível:
- controle de preços inexistente,
- cortes em serviços públicos,
- desmonte de redes de proteção social,
- e uma agenda política que concentra recursos na guerra e nos assentamentos.
A população, descreve a pesquisa, vive um “estado interno de emergência permanente”, sem visibilidade de políticas que mitiguem os efeitos devastadores sobre renda, saúde e moradia.
Crise interna é grave — mas não pode ser comparada ao genocídio em Gaza
Em meio ao colapso social doméstico, o relatório ressalta que a dimensão da crise israelense é incomparável à catástrofe humanitária provocada por Israel em Gaza. Segundo a UNCTAD, todos os 2,3 milhões de habitantes do enclave vivem “empobrecimento extremo e multidimensional”, com infraestrutura aniquilada e um custo de reconstrução superior a US$ 70 bilhões.
Para a Latet, o contraste expõe a contradição central da política de Netanyahu:
ele destrói a economia interna enquanto devasta, de forma irreversível, a vida dos palestinos.
Um país exausto pela guerra — e um governo refém de sua própria estratégia
O relatório termina com um aviso sombrio: Israel pode entrar em uma década perdida se continuar priorizando a guerra sobre a economia. A militarização extrema não apenas destrói Gaza, mas mina as bases de sustentabilidade do próprio Estado israelense.
O próprio Weintrob admite seu ponto de vista sionista e contradições sobre a guerra: A luta contra a pobreza em Israel não é apenas uma questão social — “é uma questão existencial.” Sem coesão interna, sem justiça distributiva e sem responsabilidade mútua, não há como “sustentar o projeto sionista”. “Neste campo de batalha, até o momento, parece que estamos vivenciando uma derrota total”.
Sob Netanyahu, a guerra deixou de ser uma política externa e se tornou um modo de governar — e a sociedade israelense, agora às voltas com fome, pobreza e endividamento, está pagando o preço.
A reconstrução futura exigirá o que o atual governo se nega a fazer: romper com a lógica da escalada permanente e recolocar a vida civil no centro do debate público.