O governo federal conseguiu invalidar, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), mais uma lei estadual — desta vez de Roraima — que flexibilizava o acesso a armas de fogo. Esta é a oitava ação julgada procedente de uma série de 12 movidas pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra estados que estabeleceram legislações desse tipo.
No julgamento em plenário virtual — ocorrido na sexta-feira (14) e cujo resultado foi tornado público no início desta semana — a Corte decidiu unanimemente pela inconstitucionalidade de Lei Estadual 1.670/2022, de Roraima, que possibilitava o porte de arma para atiradores integrantes de clubes de tiro.
O STF concordou com os argumentos da AGU de que a edição da lei violou competência privativa da União para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico e para legislar sobre o tema.
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A AGU defendeu, ainda, que a Lei do Estatuto do Desarmamento proibiu o porte de arma de fogo em todo território nacional, exceto para os casos em que as atividades caracterizem como de risco, o que, segundo decreto que regulamenta a questão, não abarca os atiradores desportivos.
De acordo com o relator do caso no STF, ministro André Mendonça, a lei analisada “contém inegável vício de inconstitucionalidade formal, pois regula tema cuja edição de normas gerais é de competência legislativa privativa da União e as normas federais que, atualmente, regulam o porte de arma e a atividade de atirador desportivo”.
Além de Roraima, foram consideradas inconstitucionais leis semelhantes dos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Alagoas, Rio Grande do Sul, duas do Espírito Santos e uma do município de Muriaé (MG).
Segundo a AGU, para a União, “as normas estaduais e municipais que instituem uma presunção absoluta com base em suposto risco e ameaça à integridade física de algumas categorias criam um fator desarrazoado que ampliam indevidamente o acesso a armas de fogo”.
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Esse conjunto de ações movidas pela AGU faz parte de um esforço, feito por parte do governo federal, a partir da chegada de Lula à presidência, para barrar a circulação indiscriminada de armas de fogo e seu potencial letal e lesivo à população.
Entre suas primeiras ações, tomadas em sua posse, Lula revogou decretos de Jair Bolsonaro que ampliavam o acesso às armas. Em 2024, assinou decreto para ampliar o controle e no final do ano, publicou outro criando novas normas para atiradores, entre outras medidas.
Estímulo às armas por Bolsonaro
A defesa do uso de armas de fogo por cidadãos comuns é uma das principais bandeiras da extrema-direita. No governo de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil viu explodir o número de artefatos nas mãos de civis, muitas das quais acabaram sendo usadas pelo crime organizado — seja o tráfico, sejam as milícias.
Tal posicionamento estimulou estados a aprovarem leis neste sentido, mesmo sendo de caráter inconstitucional, já que cabe à União legislar sobre esse tema.
Por trás do discurso da suposta liberdade de defesa, em geral usado por bolsonaristas, essas leis acabam servindo ao descontrole, uma vez que burlam a competência da Polícia Federal de verificar a real necessidade do porte de arma de fogo.
Conforme análise feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2017 e 2022, o número de armas registradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) cresceu 144,3%, passando de quase 638 mil para 1,55 milhão de registros ativos.
No mesmo período, o aumento do número de pessoas com certificados de registros de armas de fogo de CACs (colecionadores, atiradores e caçadores), sob responsabilidade do Exército Brasileiro, foi da ordem de 1.140%, ultrapassando 783 mil certificados em 2022.
Especificamente no caso de Roraima, no mesmo período em que a lei estadual foi aprovada e esteve em vigência (entre 2022 e 2023), o FBSP aponta o aumento em pouco mais de 50% no número de registros.