O Estado brasileiro reconheceu formalmente, nesta segunda-feira 24, sua falha na guarda e na identificação dos remanescentes ósseos da Vala Clandestina de Perus, na zona norte da cidade de São Paulo. A data foi escolhida por ser o Dia da Memória, pela Verdade e pela Justiça.
Na cerimônia, a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo (PT), pediu desculpas públicas aos familiares de mortos e desaparecidos da ditadura militar pela negligência do Estado na identificação das ossadas encontradas na vala.
Foram enterrados ilegalmente no local corpos de pessoas indigentes, de desconhecidos e daqueles considerados opositores do regime de opressão iniciado em 1964.
“A abertura da vala clandestina, em setembro de 1990, no Cemitério Dom Bosco, localizado no bairro de Perus, zona norte de São Paulo, marca a descoberta de uma face das violações perpetradas durante a ditadura militar brasileira”, disse a ministra.
Como um gesto simbólico, a ministra entregou uma placa com um pedido de desculpas a Gilberto Molina, irmão de Flávio Carvalho Molina, uma das vítimas da ditadura. Ele foi torturado e morto por agentes da repressão em 1971, na sede do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, e depois enterrado como indigente na vala clandestina de Perus.
Os restos mortais de Flávio estão entre os poucos a serem identificados dentre as 1.049 ossadas encontradas na vala clandestina. “De 1990, quando a vala foi aberta, até 2005, quando ele foi identificado, se passaram 15 anos. Isso foi um velório interminável”, ressaltou Gilberto Molina.
Em entrevista, Macaé Evaristo declarou haver outros pedidos de desculpa em curso, como os que se referem à Guerrilha do Araguaia e ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog.
Vala
A vala foi descoberta pelo jornalista Caco Barcellos, em 1990, quando ele investigava homicídios praticados por policiais militares. Ao analisar laudos periciais em uma sala do Instituto Médico Legal, em particular nos processos de 1971 a 1973, referentes a encaminhamentos de mortos pelo Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, o jornalista notou que havia a letra “T” escrita com lápis vermelho em alguns documentos. Ele perguntou aos funcionários do IML o significado daquela marcação e descobriu que se tratava de uma menção a “terrorista”.
Barcellos informou à gestão da então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, a existência dessa vala. A prefeitura determinou, então, o início das escavações.
À época, a prefeitura ordenou a apuração dos fatos e a Câmara Municipal abriu uma CPI. A relatoria da comissão coube à vereadora Tereza Lajolo, que, nesta segunda-feira, esteve na cerimônia realizada no Cemitério de Perus.
Em 2014, uma parceria da Secretaria Especial de Direitos Humanos (atual Ministério dos Direitos Humanos), da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e da Universidade Federal de São Paulo permitiu a retomada do trabalho de identificação dos restos mortais resgatados da vala clandestina.
Até aqui, apenas cinco restos mortais, das 42 pessoas provavelmente assassinadas durante a ditadura militar e sepultadas na vala de Perus, foram identificados:
- Denis Casemiro, identificado em 1991;
- Frederico Eduardo Mayr (1992);
- Flávio Carvalho Molina (2005);
- Dimas Antônio Casemiro (2018); e
- Aluísio Palhano Pedreira Ferreira (2018).
Em 2024, o Ministério dos Direitos Humanos assinou um novo acordo de Cooperação Técnica com a Unifesp e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e da Cidadania de São Paulo para financiar a contratação da equipe pericial e a retomada dos trabalhos.
(Com informações da Agência Brasil)