Na última terça-feira, 17 de junho, foi ao ar mais uma edição do Programa de Índio, transmitido pelos canais Lives da COTV e Coletivo Terra Vermelha. Apresentado por Renato Farac e Marcelo Batarce, o episódio debateu o fracasso da reforma agrária no governo Lula, a propaganda institucional, a crise nos movimentos de luta pela terra e a ofensiva da extrema direita ruralista organizada no grupo Invasão Zero.
Renato e Marcelo criticaram que há muita propaganda sobre reforma agrária e poucos resultados concretos. Destacaram que até a imprensa de direita, como a revista Oeste, vem repercutindo críticas que surgem até de setores da própria luta pela terra, que acusam o governo Lula de inflar dados sobre assentamentos e distribuição de terras.
O programa repercutiu a participação do governo no Fórum Internacional da Terra, na Colômbia, onde o Ministério do Desenvolvimento Agrário apresentou números como “1 milhão de famílias beneficiadas desde 1988” e “9.500 assentamentos criados”. Os apresentadores classificaram esses dados como desconectados da realidade, citando que, na prática, muitos territórios quilombolas continuam dominados por monocultivos como o eucalipto, e que o governo não toma providências.
Eles também criticaram o programa Terra da Gente, que, segundo os apresentadores, não passa de uma lista de fazendas problemáticas — com dívidas, multas ambientais ou histórico de trabalho escravo — que são oferecidas para assentamento, sem que haja uma política real de reforma agrária. Citando o caso da Fazenda São Domingos, Batarce relatou:
“Aqui a gente tem o caso da [fazenda] São Domingos. Era uma fazenda endividada, estava direcionada para reforma agrária. Acho que o INCRA já tava de olho para incluir no programa da reforma agrária. E aí, o que aconteceu? De alguma maneira, os fazendeiros, o pessoal do latifúndio, Invasão Zero, ficaram sabendo. E os caras vão lá, se juntam. Eles estão com essa política, essa organização. Eles descobriram quais são as terras e daí eles compram aquela. Não é porque é de interesse, financeiro, especulativo, mas é para impedir a reforma agrária, para impedir a distribuição das terras.”
Farac relatou também o caso do acampamento Irmã Dulce: “o pessoal foi receber crédito do programa Agro Amigo, que é uma mixaria, 12 mil reais. Tá quase todo mundo sendo negado lá porque tem problemas no nome sujo. Aí você vai ver. Eu tenho uma dívida de 150 reais, uma dívida de 400 reais, que eu não sei o que é, de internet, de telefone, de qualquer besteira”, ao que Batarce complementou: “e se ele for fazer um empréstimo com juros altos, talvez dão um jeito de emprestar para ele, mesmo.”
Sobre o encontro do Invasão Zero, Farac descreveu:
“Eles fizeram um encontro. O encontro deles não foi assim, vamos ao STF pedir o fim das ocupações de terra, vamos ao Congresso pedir uma lei. Tudo bem, eles vão ao Congresso pedir, mas foi um encontro de base com fazendeiro. Foram vários parlamentares, mas foi isso. O que eles falavam? Que tem algumas leis que eles discutiram no encontro, mas a maior coisa deles foi mobilizar, como enfrentar a invasão, como enfrentar uma ocupação, uma retomada dos índios. Tudo isso daí, inclusive com exemplos, entendeu? Tacou fogo na moto, no carro, tem umas matérias que falam isso, o que foi falado lá dentro. Tudo isso daí, como mobilizar a polícia contra as ocupações, eram coisas práticas, coisas que a esquerda não tá fazendo. Você vai num negócio assim, vamos esperar a decisão do juiz, vamos pedir para não sei o quê, em vez de mobilizar uma base.”
O programa também abordou em detalhes a situação do acampamento Esperança, que se localiza sobre terras da empresa JBS, onde há famílias vivendo há décadas. Segundo Batarce, a ocupação ganhou força há alguns anos e o acampamento se expandiu. Porém, quando os moradores começaram a avançar mais para dentro da área — que estava sem uso e cheia de dívidas —, veio uma repressão intensa: “Veio o batalhão de choque, começaram a negociar a terra e impediram de qualquer plantação. Tiraram as plantações dessa área.”
A situação ficou ainda mais grave quando, de acordo com Batarce, foi feito um acordo entre quem está negociando a terra, a justiça e a polícia, no qual ficou acertado que as famílias não poderiam mais plantar naquele espaço. O apresentador relata o desespero dos moradores: “umas famílias que estavam lá questionaram: ‘vamos plantar aonde? Porque o cara já falou que não pode plantar aqui. Por que nós vamos ficar discutindo a questão da plantação? Temos que discutir de como conseguir a terra’”.
O mais contraditório, segundo eles, é que, mesmo com a proibição de plantar, o discurso formal das lideranças locais ainda é voltado para discutir produção, agroecologia e plantio, quando, na prática, sequer há garantia de que as famílias possam permanecer na terra. Batarce comenta:
“É uma coisa muito doida. Não tem terra para plantar. Não tem, porque os caras estão na beira do asfalto e a polícia proibiu de qualquer plantação. Eles queriam, inclusive, fazer uma vala ali para não atravessar. E a ordem do próprio movimento, da direção, é que não se plante para seguir o que foi acertado. Só que aí o pessoal fica falando de plantação ainda, porque, eu acho que, é… a direção no movimento, que tem que plantar, mas a gente não pode plantar. A gente tem que conseguir a terra.”
Renato respondeu: “totalmente fora da realidade”, reforçando que esse tipo de situação demonstra como os processos de luta estão sendo cada vez mais bloqueados por acordos que favorecem os fazendeiros e o judiciário, deixando as famílias sem alternativa.
Sobre o caso Marangatu, Batarce relatou: “a área demarcada foi comprada por um valor, acho que bilionário, superinflado o valor da terra. E na Constituição aquela terra não poderia ser comprada, porque se a área é indígena, a Constituição garante só o pagamento das benfeitorias, não da terra nua. Então assim, isso claramente foi um negócio com o latifúndio”. Farac, por sua vez, alertou que a medida “abre uma brecha que só vai demarcar se tiver dinheiro”.
No final, eles fizeram uma crítica internacional sobre a hipocrisia da propaganda “decolonial” diante do Irã. Farac comentou: “o pessoal fica falando tanto de povos originários, bababá, bababá, bababá. Aí quando vem um colonizador estragar a vida de um povo originário, que o iraniano é originário… Aí vem o homem branco mesmo, vai lá e mete umas bombas. Aí o Irã responde, e a esquerda é tudo em silêncio. E esse pessoal decolonizador, decolonizequelar, toda essa baboseira, fica tudo em silêncio”. Batarce acrescenta que “tem uns que criticam. Tem uns que falam que o Irã é muito conservador, mas o cara é originário. Você quer que o originário seja liberal?”
Farac concluiu que “se o acampado, se o índio lá da retomada, o quilombola, tivesse condições de se defender, a história seria muito diferente. O pessoal fica defendendo o pacifismo, mas se você tem o direito e as condições de se defender, é muito importante”.
Para ver a discussão na íntegra, assista no link abaixo: